Por Antonio Rocha Magalhães
Economista
Ex-Secretário de Planejamento do Ceará
armagalhaes@gmail.com
Essa coisa de médico no interior é relativamente recente. Antigamente, não havia médicos ou postos de saúde. A população, quando adoecia, tinha de buscar alternativas na própria caatinga, com exceção daqueles que tinham recursos e iam para a capital ou para o centro urbano onde houvesse medicina. Mesmo as pessoas que tinham recursos, diante de doenças “menores”, se valiam da farmacopeia disponível.
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Quando eu era muito jovem, aí com os dois anos de idade, diziam meus pais que estive muito doente, desenganado. Aí não teve jeito. Eu morava numa fazenda, fui colocado numa rede com um pau atravessado em cada punho, e fui conduzido para a cidade de Canindé, onde havia um doutor, unzinho só, um doido que se encantou do sertão e foi embora para lá. Claro, fui salvo. Acho que as doenças geralmente eram veiculadas pela água. Desnutrição, mesmo para valer, só em épocas de seca. Por isso, fui tratado imediatamente com os chás do sertão, que no entender dos sertanejos obram milagres.
Não sei se fazem milagres mesmo ou se o organismo mesmo acaba reagindo. É o mesmo com os remédios de laboratório. Quando a doença é grave, pode-se fazer de tudo. Em geral, não tem cura, a pessoa acaba morrendo. Mas, se não é grave, os anticorpos acabam por desenvolver-se e a pessoa fica boa, com ou sem remédios, com ou sem os chás.
Chá de que? Um santo remédio era o chá de quebra-pedra. Trata-se de uma erva que dá no inverno (isto é, na época chuvosa) e que não alcança os 50 centímetros de altura. Tem uma folha pequenina e, embaixo das folhas, da parte da espinha dorsal, tem umas bolinhas. Esse chá é muito bom e combate a maioria das doenças que atacam o intestino e o estômago. O chá de casca de angico é bom para combater o câncer, assim como o da casca do jatobá. De tudo pode-se fazer chá e tomar. Mal não faz. Ou se acha que não faz.
Um dos chás mais esquisitos de que tenho lembrança é o famoso (na minha família) chá de alecrim. Era o chá de fezes secas de cachorro, que eram encontradas no terreiro, e que servia para muitas coisas, inclusive para mau-olhado. Acho que esse costume não existe mais porque agora, para qualquer coisa, as crianças são levadas ao posto de saúde, onde frequentemente são atendidas por médicos. Não quero dizer que o médico substitui anos de experiência de pessoas mais velhas, que viviam no sertão, e que já tinham visto de tudo. Mas o médico traz um enfoque científico que geralmente faltava às pessoas que lidavam com questões de saúde baseadas só na experiência e na cultura dos povos.
Ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que as plantas da caatinga permanecem sub exploradas e que elas têm, muitas vezes, princípios ativos que os sertanejos conhecem, mas que são desconhecidos pela população que tem conhecimentos. Por isso, universidades como a Federal do Ceará têm áreas de Farmacologia que procuram descobrir princípios ativos existentes da flora nordestina. Muitos são bem-sucedidos. Não sei a quantas anda essa pesquisa, mas é algo que deveria ser estimulado.
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