A Agência Eco Nordeste está veiculando uma série especial com histórias inspiradoras de Convivência com o Semiárido, colhidas a partir do 6º Seminário Internacional de Convivência com o Semiárido, do Centro Xingó / IABS, em Piranhas (AL). A quarta história da série foca o trabalho da Coopercuc, que resgatou frutos nativos, em especial o umbu, num trabalho de empoderamento feminino e empreendedorismo jovem no Norte da Bahia.

Por Maristela Crispim
Editora

Só a partir de projetos de beneficiamento em minifábricas do sertão baiano, a fruta passou a ter importância na geração de renda e organização das comunidades rurais da região | Foto: André Frutuoso

Piranhas – AL / Uauá – BA. O Centro Xingó de Convivência com o Semiárido encerrou novembro e iniciou dezembro entre o 6º Seminário e o 5º Curso Internacional de Convivência com o Semiárido. Presença essencial em um encontro como esse, Denise Cardoso, atual presidente da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc) falou sobre o trabalho desenvolvido no Norte da Bahia, Sertão do São Francisco, que hoje inclui dez municípios, com destaque para o fato que, dos 271 cooperados, aproximadamente 70% são mulheres e 20%, jovens.

Uma das coisas que encanta na paisagem destas terras áridas do Norte da Bahia são os centenários pés de umbu, do Tupi Guarani, Ymb-u, ou “árvore que dá de beber”, que resistem a secas e intempéries. Mas não ao descaso e maus tratos dos homens. Felizmente umbuzeiros centenários têm sido explorados e multiplicados de forma sustentável pela Cooperativa.

Denise lembra que só a partir de projetos de beneficiamento em minifábricas do sertão baiano, a fruta passou a ter importância na geração de renda e organização das comunidades rurais da região. A princípio, ele servia apenas para alimentar os animais.

As mulheres começaram a beneficiá-lo para a própria alimentação. Mas as pessoas começaram a demandar. A primeira necessidade foi criar uma estrutura de comercialização. A evolução para um projeto de empoderamento feminino foi natural. O desenvolvimento levou a Coopercuc a ter a única produção de umbu com certificação orgânica.

Neste percurso, segundo Denise, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – de compras de alimentos do governo federal, com incentivo à agricultura familiar, promoção da organização produtiva e econômica no meio rural, combate à pobreza extrema e acesso à alimentação adequada e saudável – foi muito significativo para a renda dos cooperados. Mas, sem ele, foi preciso inovar, aprimorar, reestruturar. “Uma coisa é saber produzir. Comercializar é outra”, resume.

Hoje, 25% da produção ainda é comercializada via Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) – que oferece alimentação escolar e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica pública.

Segundo Denise, o trabalho da Coopercuc pode ser resumido em três etapas: produção, processamento e gestão. “O resultado é a Convivência com o Semiárido, uma mudança de paradigma de que a seca acaba com tudo”, declara.

Para 2020, segundo Denise, a estratégia para garantir mercado e para a Cooperativa será o desenvolvimento de uma linha de produtos com menos ou zero açúcar para atender um público mais exigente.

Do quintal para a cozinha para o mundo

Além de uma diversidade de produtos a base de umbu, a Coopercuc produz geleia de maracujá da Caatinga, doce de goiaba, compota de manga e doce de banana com maracujá, entre outros que compõem a linha Gravetero | Foto: Coopercuc

Criada em 2004, a Coopercuc produz doces e geleias a base de frutas nativas do sertão. Por meio da linha Gravetero, a cooperativa comercializa seus produtos nos mercados mais sofisticados do Brasil e exporta para Itália, França e Áustria.

No fim da década de 1980 chegaram a Uauá, em missão, três freiras que mudaram a vida pacata daquelas mulheres que se revezavam entre as tarefas da casa e os cuidados com as cabras, galinhas e hortas de subsistência. As religiosas começaram a trabalhar com a comunidade a participação da mulher na geração de renda e nas decisões políticas. Logo, mulheres de comunidades vizinhas se juntaram a elas. Primeiro as de Curaçá, depois, as de Canudos. Quando, no fim da década de 1990, tiveram treinamento sobre beneficiamento de frutas, já eram articuladas, unidas, produtivas.

Com a primeira safra de umbu, que vai de dezembro a abril, começaram a comercializar. Apresentaram antes as geleias para os vizinhos, que aprovaram e quiseram mais. Em seguida, foram para a feira e, aos poucos, foram ganhando o mundo.

Graças à sua presença em feiras internacionais, com o apoio do Slow Food e outros parceiros, os produtos da Coopercuc, de excelência gastronômica e produzidos de forma limpa e justa, ganharam fama nos países europeus. Agora, são exportados para França e Áustria, por meio do comércio justo.

Além de uma diversidade de produtos a base de umbu que incluem até cerveja, a Coopercuc produz geleia de maracujá da Caatinga, doce de goiaba, compota de manga e doce de banana com maracujá, entre outros produtos que compõem a linha Gravetero.

Símbolo da preservação do Sertão

Os centenários umbuzeiros do sertão baiano são símbolo da preservação do Sertão. Suas raízes, que são depósitos de água, foram usadas como estratégia de resistência na Guerra de Canudos (1896/97). Por esse potencial, o umbuzeiro foi chamado, pelo escritor Euclides da Cunha, em “Os Sertões“, de “árvore sagrada do Sertão”.

Mas, a falta de consciência sobre a necessidade de preservação coloca essa espécie vegetal em risco de extinção. A preservação dessa árvore implica, também, a preservação da própria Caatinga, bioma que sofre com a degradação e a ameaça de desertificação. A proteção do umbuzeiro contribui para o manejo adequado dos recursos naturais do Semiárido, além de gerar trabalho e renda.

Centro Xingó

O Centro Xingó de Convivência com o Semiárido tem como objetivo a geração e difusão do conhecimento, a partir do contexto histórico e cultural local. A expectativa é valorizar a troca de saberes, as práticas e experiências inovadoras para a promoção da convivência com o semiárido de forma sustentável, contribuindo com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Objetivos temáticos

INCLUSÃO PRODUTIVA – Promover a produção local e sua inclusão em cadeias de valor para geração de trabalho e renda, além de segurança alimentar para as comunidades locais.
TECNOLOGIAS SOCIAIS – Conhecer, aperfeiçoar e disseminar práticas e tecnologias sociais que aproveitem as potencialidades locais e promovam o bem-estar da população.
MEIO AMBIENTE – Gerar e disseminar técnicas e conhecimentos que promovam a adaptação às mudanças climáticas e a conservação e uso sustentável da caatinga e demais ecossistemas da região.
HISTÓRIA, CULTURA E PROTAGONISMO SOCIAL – Resgatar e valorizar a identidade sociocultural e história local, propiciando a troca de saberes e empoderamento do povo sertanejo, principalmente de mulheres e jovens.

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