
Esta é a segunda de uma série de matérias produzidas pela Eco Nordeste a partir da participação na Brazil Energy Conference, em Teresina
A Crise Climática e a busca global por fontes energéticas renováveis limpas colocaram os biocombustíveis e o SAF (Sustainable Aviation Fuel – combustível sustentável de aviação) no centro das discussões sobre o futuro da matriz energética. No Brasil, um país com forte vocação agrícola, biodiversidade abundante e histórica experiência em políticas de biocombustíveis, o debate se torna estratégico e urgente.
Essas questões estiveram no centro do Painel 21 da Brazil Energy Conference 2025, realizada entre 4 e 7 de junho em Teresina, no Piauí. Com o tema “Desafios e Oportunidades na Produção de Biocombustíveis e SAF no Brasil e no Mundo”, o painel reuniu especialistas da academia e da indústria para discutir gargalos tecnológicos, viabilidade econômica, infraestrutura, aceitação de mercado e formação profissional.
Crise Climática
A mediação ficou a cargo da professora Carla Verônica Rodarte de Moura, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), que contextualizou o debate dentro do quadro de Crise Climática que impõe uma “transição energética urgente e justa”. Segundo ela, os biocombustíveis surgem como “alternativa real à redução das emissões no setor de transportes, um dos mais poluentes da economia global”.
A professora destacou o protagonismo do Brasil, ao lembrar iniciativas como o Proálcool, os avanços do etanol de segunda geração, o biodiesel e as recentes experiências com o bioquerosene de aviação. No entanto, ponderou: “será que estamos prontos para avançar em escala e sustentabilidade?”
Nordeste como polo emergente
Nesse cenário, o Nordeste desponta como uma das regiões mais promissoras para o avanço dos biocombustíveis. O diretor comercial da Brasil Bioenergia S.A. (Brasbio), Rafael Brun, apresentou o projeto da primeira usina de etanol de milho e sorgo do Piauí, instalada em Uruçuí, no cerrado piauiense, como símbolo dessa nova fronteira energética.
A planta industrial é capaz de produzir etanol, DDG (farelo proteico), óleo bruto de milho com potencial para biodiesel e geração de energia elétrica a partir da biomassa. Segundo Brun, a expectativa é de impacto direto na economia regional, com geração de renda, emprego e estímulo à agricultura de segunda safra.
“Se apenas 25% da área de segunda safra hoje ociosa no Piauí for utilizada com sorgo, a gente pode movimentar cerca de R$ 800 milhões por ano. E ainda estamos falando de uma tecnologia 100% nacional, sem depender de importações”, ressaltou. Brun lembrou ainda que o Nordeste possui condições climáticas e disponibilidade de terras para a expansão de culturas bioenergéticas, como a cana-de-açúcar em áreas irrigadas, o sorgo, o milho e até oleaginosas nativas, desde que respeitando critérios de sustentabilidade.
SAF como janela de oportunidade
Para o professor Antônio Bruno de Vasconcelos Leitão, da UFPI, o SAF representa uma ponte viável entre os combustíveis fósseis e o futuro da aviação com hidrogênio. “Ele é o chamado ‘drop-in’, porque pode ser usado sem alterar a infraestrutura atual da aviação, o que o torna essencial na transição”, explicou.
O professor alertou para a necessidade de rotas tecnológicas adaptadas à realidade local e que não comprometam a segurança alimentar: “temos que aproveitar a abundância de biomassa da região, mas com responsabilidade. O Nordeste pode ser protagonista, mas precisa de planejamento e incentivos”.
Inovação e qualificação

O professor Francisco de Assis da Silva Mota, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), destacou que o Nordeste já foi pioneiro no desenvolvimento de rotas para o bioquerosene de aviação, como os estudos com babaçu iniciados no início dos anos 2000.
“O problema nunca foi falta de ideias ou vocação, mas ausência de políticas industriais de longo prazo e investimento em tecnologia. A gente ainda trabalha com TRLs (Níveis de Maturidade Tecnológica) muito baixos”, criticou.
Para ele, é urgente investir em infraestrutura, logística, incentivos fiscais e em biorrefinarias integradas no Nordeste. “Temos que aproveitar as potencialidades da região: a produção agrícola crescente, o clima, os recursos humanos. Só falta vontade política e visão estratégica.”
Questionado sobre como a academia pode se preparar para atender à nova demanda energética, Francisco Mota foi direto: “formando profissionais com visão sistêmica, que dominem processos químicos, físicos e logísticos. Os desafios são técnicos, mas também humanos”.
Rafael Brun acrescentou que a qualificação local é prioridade da Brasbio: “queremos formar técnicos e engenheiros no Piauí, com parcerias com instituições de ensino. A usina é só o começo. Vamos precisar de gente preparada para manter essa engrenagem girando”.
A professora Carla Moura reforçou que o papel da universidade é pensar o território: “desenvolver projetos que respeitem as realidades locais, formem cidadãos críticos e promovam a inclusão. O Nordeste precisa ser parte da solução global”.
Energia e alimentos
O dilema entre produzir energia, alimentos e conservar a biodiversidade também esteve em pauta. Carla Moura questionou se a corrida pelos biocombustíveis não poderia repetir erros do passado. Rafael Brun defendeu que o modelo da usina de Uruçuí busque justamente a integração: “produzimos energia, proteína e farelo ao mesmo tempo. Nada se perde. E o que sobra vira cinza agrícola e insumo para cerâmica. Isso é economia circular”.
Caminho promissor, mas longo
Ficou evidente que o Brasil, e especialmente o Nordeste, reúne condições únicas para liderar a produção de biocombustíveis com inclusão, sustentabilidade e inovação. Mas ainda faltam políticas industriais robustas, infraestrutura adequada, marcos regulatórios claros e investimento em capital humano.
Como disse Francisco Mota: “o Brasil está sendo chamado para liderar a transição energética. O Nordeste tem tudo para ser um dos motores dessa transformação. Mas isso exige coragem política, inteligência tecnológica e educação”.
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* A repórter acompanhou a Brazil Energy Conference a convite dos organizadores do evento