Estudo prevê avanço da erosão marinha no Ceará até 2040

Pesca e turismo devem ser as atividades mais impactadas pelo avanço do mar ao longo dos próximos anos no litoral cearense

Foto de paisagem litorânea. No primeiro plano, acima de uma falésia avermelhada, um mandacaru se destaca do lado direito. Abaixo, estreita faixa de areia com algumas formações rochosas e mar verde-claro sob céu nublado

Além de Fortim, os municípios do litoral leste de Icapuí (foto) e Cascavel devem ser intensamente afetados pela erosão marinha até 2023 | Foto: Alice Sales

Por Sérgio de Sousa / Agência UFC

O estudo, desenvolvido no Departamento de Geologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), revela que a metade da costa cearense deverá perder pelo menos 10 metros de sua faixa de areia até o ano de 2040 e que Fortim, no Litoral Leste, a cerca de 130 Km de Fortaleza, é o município com projeção mais acentuada de erosão.

A pesquisa projetou a situação da linha costeira cearense para os anos de 2030 e 2040 e, em ambos os períodos, a margem noroeste do Rio Jaguaribe, no município de Fortim, apresenta as taxas mais elevadas de avanço do mar. Entre o ano de 2020, usado como base, e 2030, a referida área deverá perder 318 m de costa. De 2020 a 2040, serão 436 m.

Além de Fortim, o estudo indica erosões intensas em Icapuí e Cascavel, no litoral leste, até 2030. Para 2040, ressalta-se a tendência de avanço do mar no litoral oeste, desde Região Metropolitana de Fortaleza, que inclui Caucaia e São Gonçalo do Amarante; a Trairi e Itapipoca; e o extremo oeste, em Amontada, Itarema, Acaraú, Cruz e Camocim.

No caso de Fortim, a previsão de erosão se explica por ser uma região de estuário, que naturalmente possui uma dinâmica sedimentar mais complexa e muito acentuada, conforme explica a professora do Departamento de Geologia da UFC Narelle Maia de Almeida, uma das autoras do estudo.

De uma forma geral, 49,16% dos 573 Km de costa do Estado deverão perder 10 m ou mais de faixa de areia até 2040, cenário considerado muito grave pela professora: “processos erosivos acentuados podem prejudicar demasiadamente esta região de grande importância econômica, ambiental, social e cultural, que desempenha um papel vital na sustentabilidade e no bem-estar das comunidades locais e na biodiversidade costeira”, analisa.

Mapa destacando em cores os municípios do litoral do Estado do Ceará

Mapa, elaborado pelos autores do estudo, ilustra a situação prevista para a linha costeira do Ceará no período de 2020 a 2040

Segundo a pesquisadora, os prejuízos, caso a predição se confirme, poderão ser sentidos por diversos setores. “A costa abriga uma diversidade de ecossistemas, como manguezais, dunas e recifes, fundamentais para a biodiversidade marinha e para a pesca. A atividade pesqueira e a aquicultura são cruciais para a economia local, pois garantem alimentação e renda. O turismo costeiro, impulsionado pela beleza natural das praias e esportes aquáticos, é uma importante fonte de receita e emprego. A cultura e identidade locais também estão intimamente ligadas ao mar e à pesca”, destaca.

Para a realização do estudo, foi criado um banco de dados de imagens de satélite da linha de costa do Ceará do período de 1984 a 2020, obtidas por meio do repositório EarthExplorer, disponibilizado pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS). As imagens foram convertidas em arquivos georreferenciados, que permitiram a criação de uma linha de base para cada ano. O processo foi desenvolvido de forma semiautomática com a utilização de técnicas de aprendizado de máquina. Um software comparou as linhas costeiras em diferentes momentos e calculou as mudanças ao longo do tempo.

“Com base nas mudanças identificadas na linha de costa do Ceará ao longo do tempo, o software utilizou métodos de modelagem estatística para prever a posição futura da linha de costa. Essas previsões são feitas com base em tendências históricas de mudança e podem ser usadas para planejar medidas de gestão costeira e adaptação”, explica a professora Narelle de Almeida.

O estudo também avaliou as mudanças ocorridas entre 1984 e 2020. Verificou, além da erosão, os processos de acresção, quando há avanço em direção ao mar, e equilíbrio, quando não existem variações significativas. Nesse período, considerando o valor médio das variações anuais na costa cearense, foi constatado que 38,28% da área sofreram erosão, 13,73% passaram por um processo de acresção e os 47,98% restantes se mantiveram em equilíbrio.

O geólogo Luiz Henrique Joca Leite explica que a erosão (já ocorrida no período analisado e prevista) tem causas tanto naturais quanto por ação humana. Ele cita os casos identificados na Praia de Ponta Grossa, em Icapuí, e na Ponta Litorânea de Jericoacoara como áreas que merecem atenção e cujos processos erosivos aparentam serem causados por processos naturais relacionados à própria dinâmica costeira desses ambientes.

Foto de paisagem litorânea feita da faixa de areia. Do lado esquerdo, o mar com formações rochosas. À direita, falésias com vegetação

Pesquisador cita a ponta litorânea de Jericoacoara como área que merece atenção e cujo processo erosivo aparenta ser causado por processos naturais relacionados à própria dinâmica costeira | Foto: Alice Sales

“Por outro lado, nós identificamos cenários de erosão severa claramente causados por interferência antrópica [humana], como a praia do Icaraí, em Caucaia, e outros que apontam para uma possível interferência humana, mas que seriam necessários alguns estudos em escala de maior detalhe para confirmar estas hipóteses, como as erosões incipientes observadas nas pontas litorâneas dos municípios de Paraipaba e Trairi”, informa.

Avanço do mar na Praia do Icaraí

Joca Leite aponta o caso do Icaraí como um dos principais exemplos de erosão causados pela ação humana. A Praia sofreu a maior erosão da região do litoral metropolitano, e perdeu 109,73 m de faixa de areia entre 1984 e 2020.

Os molhes do Porto do Mucuripe e os espigões de Fortaleza são as causas desta erosão”, informa a professora Narelle de Almeida. “Os molhes e espigões foram projetados para interromper a deriva litorânea ‒ que é o movimento natural dos sedimentos ao longo da costa devido às ondas e correntes ‒, a qual, na nossa região, ocorre de leste para oeste. Dessa forma, esses molhes e espigões retêm não somente os sedimentos da engorda artificial da praia, mas também os da dinâmica costeira natural, fazendo com que não cheguem ou cheguem poucos sedimentos à Praia do Icaraí, levando-a a processos erosivos intensos. Como as obras do Porto do Mucuripe foram iniciadas na década de 1930, essa erosão é o resultado de um processo histórico”, complementa.

Foto do pôr-do-sol visto do mar com prédios do lado esquerdo da imagem

Os molhes do Porto do Mucuripe e os espigões de Fortaleza (foto) são as causas da erosão na Praia do Icaraí | Foto: Alice Sales

O que pode ser feito

A professora Narelle de Almeida ressalta a necessidade urgente de novos estudos preditivos sobre a costa cearense, desta vez, considerando novas variáveis que interferem na dinâmica costeira, como velocidade dos ventos, pluviosidade, ação das ondas, marés, correntes, tempestades, elevação do nível do mar e ação antrópica, além de estudos mais aprofundados sobre estas áreas de erosão. “Recomenda-se o uso de medidas e soluções baseadas na natureza de forma que a predição apresentada nesta pesquisa não venha a se tornar a realidade do ambiente costeiro do Estado do Ceará”, alerta.

A pesquisadora resume que “estudos locais precisam ser realizados para verificar, em escala de detalhe, as regiões em que a pesquisa indica que poderemos ter intensos processos erosivos”. E revela que esses estudos ainda não estão sendo realizados por falta de financiamento.

O estudo já realizado faz parte do trabalho de conclusão de curso (TCC) de Joca Leite, formado em Geologia pela UFC em 2020, sob orientação da professora Narelle de Almeida. Os resultados foram publicados no artigo intitulado “Análise espaço-temporal e modelagem preditiva da linha de costa do Estado do Ceará”, publicado na Revista Geociências, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

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