Oeste da Bahia concentra conflito por território

A porção da Bahia inserida no Matopiba – maior fronteira agrícola nacional – faz do Estado o segundo em produção de fibra de algodão no País, atrás apenas do Mato Grosso. Considerado a parte mais antiga e consolidada em meio a essa vastidão (73 milhões de hectares) de terras brasileiras destinadas ao cultivo de commodities, o Oeste Baiano é também o que mais concentra conflitos territoriais.  Este texto, que integra o projeto ma.to.pi.ba., focado em mostrar a região para além do agronegócio,  traça um panorama da Bahia no contexto dessa imensa área agrícola, formada ainda pela totalidade do Tocantins e trechos do Maranhão e do Piauí.  

Imagem mostra céu azul pontuado por nuvens brancas sobre uma extensa área de terra preparada para o plantio de soja

Área sendo preparada para plantio de soja no Oeste da Bahia  | Foto: Marcos Rogério Beltrão

“Na região, onde há comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto (que criam gado e animais de pequeno porte em áreas de uso coletivo), indígenas e quilombolas, poucas pessoas possuíam a documentação das terras que habitavam, algo que à época era comum, na zona rural. Sabendo disso, esses grileiros se aproveitaram dessas áreas, conseguindo, inclusive, documentação para elas”.

O relato de Marcos Rogério Beltrão, ativista do Movimento Ambientalista Grande Sertão Veredas (Maisverde), descreve como se originaram os conflitos territoriais no Oeste da Bahia, porção do Estado inserida no Matopiba, considerado hoje não apenas como a maior fronteira agrícola brasileira, mas também como um celeiro de problemas sociais e ambientais.

Marcos Rogério vive no município de Correntina e relembra que o conflito com o agronegócio por lá se iniciou ainda na década de 1970, quando chegaram os primeiros grileiros, sendo uma parte de Pernambuco e outra de Minas Gerais. A partir disso, os grileiros começaram a vender essas terras para empresas que passaram a pressionar e expulsar as comunidades tradicionais dessas áreas.

“Aqueles que se recusaram a deixar suas terras para esses empreendimentos foram muitas vezes assassinados, ou tiveram suas casas e benfeitorias destruídas. Isso tudo ainda durante o período da ditadura militar. E vale ressaltar que grande parte desses empresários estava ligada à ditadura.”

Com isso, foi implantado o Projeto de Reflorestamento do Oeste da Bahia, que consistia em desmatar a vegetação nativa do Cerrado e plantar pinus e eucaliptos, espécies exóticas.  Paralelo a esse processo de desmatamento, o cultivo da soja, em parceria com o governo japonês, começava a ser implantado em dois municípios vizinhos: São Desidério e Barreiras. O fato atraiu compradores de terra para a região com o intuito de investirem no cultivo da soja. 

“Ao longo dos anos, a gente notou um avanço muito grande do agronegócio e os conflitos que trazem para o território, uma vez que o governo começou a abrir mercado para o negócio em nível internacional e assim cada vez mais a soja, o algodão e o milho foram ganhando espaço no Oeste da Bahia. Assim, os conflitos com os povos que já estavam na região foram se acirrando. Com a criação do que hoje é denominado como Matopiba, por parte do Governo Federal, o cenário se agravou, com o avanço cada vez mais pujante do agronegócio na região,” ressalta.

À medida que a fronteira agrícola avança, os danos ao meio ambiente e as violações aos direitos humanos passam a ser vivenciados pelas comunidades. Na região oeste é onde está localizado o maior aquífero 100% brasileiro, o Urucuia. Esse aquífero é importante não só para a Bacia do Rio São Francisco, mas para a Bacia do Rio Tocantins, cujas principais nascentes estão localizadas justamente no Aquífero Urucuia.

Fotografia colorida mostra um trecho de rio margeado por vegetação arbustiva de um verde intenso, algumas palmeiras e flores silvestres na cor lilás

Rio Arrojado, no Território de comunidade tradicional do Oeste da Bahia | Foto: Marcos Rogério Beltrão

Segundo Marcos Beltrão, o primeiro grande impacto no aquífero se deu com o projeto de Reflorestamento, que desmatou o Cerrado e plantou espécies exóticas, que consomem muita água do lençol freático. E a partir dos anos 1990 começaram a morrer muitos riachos na região, consequência que já havia sido alertada por vários pesquisadores.

Somado a isso, o ativista conta que nos anos 2000 proprietários de terras na região construíram um canal com mais de 9 km de extensão para desviar água do Rio Arrojado para a manutenção de uma criação de carpas. A água, já escassa, chegava às casas das comunidades turva e barrenta. A partir daí se deu o conflito pela água. Mas foi aí também que as comunidades passaram a dar importância ao Cerrado para manter a segurança hídrica da região. 

Com a chegada da pandemia da Covid-19 o cenário se agravou, uma vez que, por causa do isolamento social, a comunidade não podia se mobilizar. “Recentemente houve violência contra trabalhadores, tentativa de homicídio. No passado, nos anos 1980, dezenas de posseiros foram assassinados na região oeste da Bahia.”

O ativista relembra de um dos casos mais marcantes que foi o assassinato do advogado Eugênio Lira, morto em 22 de setembro de 1977, antes de depor na CPI da grilagem em Salvador. Ele foi assassinado na cidade de Santa Maria da Vitória, e era advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Eugênio vinha denunciando a grilagem e o roubo de gado na região.

Meio ambiente

Apesar do aumento da produtividade, que é o volume colhido em razão da área plantada, o Oeste Baiano é uma das regiões que vêm sendo afetadas pelos efeitos negativos do avanço da fronteira agrícola. Entre 2022 e 2023, a Bahia apresentou um aumento de 38% na perda de vegetação nativa, reduzida em 1.971 km². Em valores absolutos, o Estado só ficou atrás do Tocantins, com 2.233 km²; e Maranhão, com 2.928 km² devastados.

Em 2022, segundo o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), o Matopiba foi responsável por 78% do desmatamento do Cerrado e 30% de todos os biomas brasileiros. Nas últimas quatro décadas, a zona de transição entre o Cerrado e a Amazônia Oriental apresentou as maiores tendências de aquecimento e seca na América do Sul tropical. É o que diz este estudo de 2022 publicado na Revista Nature

Denominado com as sílabas iniciais dos quatro estados que abrange, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, o Matopiba inclui 337 municípios e é apontado, desde os anos 1980, como um celeiro mundial de commodities. Sobre a vegetação nativa e populações tradicionais desses três estados do Nordeste e um do Norte avançam plantações de soja, milho e algodão.

O Matopiba tem 73 milhões de hectares em 3 biomas: Cerrado ( 66,5 milhões de hectares, o equivalente a 91% da área), Amazônia (5,3 milhões de hectares correspondentes a 7,3%) e Caatinga (1,2 milhão de hectares que ocupam 1,7%). Reconhecida como área de franca expansão agropecuária pelo Governo Federal desde 2015, o Matopiba é uma porteira aberta para a devastação da Amazônia.

Projeto Ma.to.pi.ba

Este conteúdo faz parte do Projeto ma.to.pi.ba., uma iniciativa multimídia da Eco Nordeste, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Lançado em janeiro, traz matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters que lançam sobre a região do Matopiba um olhar para além do agronegócio. Ao mesmo tempo em que aborda os problemas socioambientais, o projeto aponta experiências que têm dado certo na região, seguindo a linha editorial de jornalismo de soluções adotada pela Eco Nordeste.

O projeto é executado por uma equipe premiada composta pelos repórteres Alice Sales e Victor Moura, os fotógrafos Camila de Almeida e Erick Amorim, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação; Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts; e Andréia Vitório faz o gerenciamento das redes sociais.

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