Por Verônica Falcão
Colaboradora
Recife – PE. Mais que a intensidade, a duração das chuvas que provocaram inundações e mortes em Pernambuco nos últimos dias pode ser interpretada como consequência do aquecimento global, na opinião de pesquisadores. “Tivemos índices pluviométricos acima da média de maio, é verdade, mas concentrados em curto período de tempo, e não ao longo do mês”, analisa a meteorologista Francis Lacerda, do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA).
As chuvas fortes iniciadas no dia 25 persistiram até a manhã de 30 de maio, quando os números oficiais apontavam mais de 90 mortos por deslizamentos e duas dezenas de desaparecidos. A enxurrada teve seu pico em 27 e 28. Nesses dois dias, choveu mais do que o esperado para o mês inteiro.
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O considerado normal, ou seja, dentro da média calculada a partir dos registros históricos de chuva, seria de até 50 milímetros por dia. Durante a enxurrada na Região Metropolitana do Recife e Zonas da Mata Sul e Norte de Pernambuco, alguns locais tiveram registrados índices que variaram de duas a quatro vezes mais que isso.
Cada milímetro de chuva registrado num pluviômetro (equipamento de medição composto de um funil colocado sobre um recipiente cilíndrico com marcação milimétrica) equivale à precipitação de 1 litro de chuva sobre 1 metro quadrado.
De acordo com Francis Lacerda, chuvas intensas em curto espaço de tempo, e não distribuídas ao longo de todo período chuvoso, que na região costeira de Pernambuco vai de abril a julho, caracterizam as alterações do ciclo hidrológico provocadas pelas mudanças climáticas globais.
Francis lembra que são os oceanos que modulam o clima da Terra. “Tudo que a gente vai lançando de carbono na atmosfera, os oceanos absorvem para compensar e equilibrar o clima do Planeta”, diz a climatologista. Ela cita estudos que indicam uma quantidade de 80% de carbono acumulado na água do mar.
O oceano, por conta de uma variável física chamada calor latente de evaporação, demora para esquentar. Mas, quando esquenta, demora a esfriar. “Se você for tomar banho de mar à noite, a água está mais quente que durante o dia, não é?”, exemplifica o fenômeno.
O balanço de energia da Terra, de acordo com Francis Lacerda, está descompensado por causa da grande quantidade de gás carbônico dissolvido que os oceanos têm recebido, o que resulta na intensificação do efeito estufa. Esse efeito, que mantém aquecido o Planeta e permite a existência dos seres vivos, é um fenômeno natural aumentado artificialmente pelo lançamento, na atmosfera, do carbono e de outros gases oriundos da queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e seus derivados, em atividades industriais e no transporte.
O excesso de gás carbônico provoca a acidificação da água do mar, que tem como uma das consequências a modificação das correntes marinhas. “As correntes ficam mais lentas. Por causa disso a gente tem a troca de calor entre os polos e o Equador afetada. A Terra, em termos termodinâmicos, é um corpo vivo, está sempre trocando calor.”
Alerta
Embora tenha causado morte e destruição, a enxurrada foi um desastre anunciado. Na sexta (27), o meteorologista da Agência Pernambucana de Água e Clima (Apac) Roni Guedes informou sobre a aproximação de Ondas de Leste ou Distúrbio Ondulatório de Leste (DOL) com potencial para provocar chuvas significativas.
“Os modelos globais e regionais de meteorologia mostram uma tendência para intensidade moderadas a forte ao longo do dia, principalmente na Região Metropolitana do Recife, Zona da Mata e parte do Agreste”, previu o alerta meteorológico. Na prática, o DOL resulta de nuvens que se formam sobre o Oceano Atlântico e são empurradas para o continente pelo vento vindo do Leste do Planeta.
Solução
Para Francis Lacerda, a adaptação às alterações do ciclo hidrológico resultantes do aquecimento global é necessária para evitar novos desastres. “O governo do Estado de Pernambuco já conta com inventários de emissão de gases do efeito estufa. Agora falta a ação.”
Ela cita relatório da Oxfam apresentado recentemente no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, que mostra que há 50 anos, 70% da população era rural e 30%, urbana. Atualmente 80% das pessoas estão nas cidades e apenas 20% no campo.
“O problema está no processo de ocupação urbana. Em meio século, o Brasil deixou de ser rural para ser urbano, sem que houvesse planejamento por parte das prefeituras. Nesse contexto, a ocupação das áreas de morro, com riscos de deslizamento, e das margens dos rios precisa urgentemente entrar na discussão para elaboração, revisão e, principalmente, o cumprimento de planos diretores”, considera.