Chuvas em PE estão relacionadas à alteração do ciclo hidrológico pelo aquecimento global, segundo pesquisador

Escombros no primeiro plano. Do lado direito, um homem de camiseta regata azul marinho, bermuda branca, bota bege, meias escuras, de costas, com a parte superior do corpo parcialmente coberta por uma parede quebrada. Ao fundo, morro de onde deslizou um barranco e casas no topo

Centenas de moradores da comunidade do Ibura, no Recife, estão desalojados ou perderam suas casas após forte concentração de chuvas entre 27 e 29 de maio de 2022. Diversas barreiras desabaram e soterram famílias | Foto: Inês Campelo / MZ Conteúdo

Por Verônica Falcão
Colaboradora

Recife – PE. Mais que a intensidade, a duração das chuvas que provocaram inundações e mortes em Pernambuco nos últimos dias pode ser interpretada como consequência do aquecimento global, na opinião de pesquisadores. “Tivemos índices pluviométricos acima da média de maio, é verdade, mas concentrados em curto período de tempo, e não ao longo do mês”, analisa a meteorologista Francis Lacerda, do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA).

As chuvas fortes iniciadas no dia 25 persistiram até a manhã de 30 de maio, quando os números oficiais apontavam mais de 90 mortos por deslizamentos e duas dezenas de desaparecidos. A enxurrada teve seu pico em 27 e 28. Nesses dois dias, choveu mais do que o esperado para o mês inteiro.

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O considerado normal, ou seja, dentro da média calculada a partir dos registros históricos de chuva, seria de até 50 milímetros por dia. Durante a enxurrada na Região Metropolitana do Recife e Zonas da Mata Sul e Norte de Pernambuco, alguns locais tiveram registrados índices que variaram de duas a quatro vezes mais que isso.
Cada milímetro de chuva registrado num pluviômetro (equipamento de medição composto de um funil colocado sobre um recipiente cilíndrico com marcação milimétrica) equivale à precipitação de 1 litro de chuva sobre 1 metro quadrado.

De acordo com Francis Lacerda, chuvas intensas em curto espaço de tempo, e não distribuídas ao longo de todo período chuvoso, que na região costeira de Pernambuco vai de abril a julho, caracterizam as alterações do ciclo hidrológico provocadas pelas mudanças climáticas globais.

Francis lembra que são os oceanos que modulam o clima da Terra. “Tudo que a gente vai lançando de carbono na atmosfera, os oceanos absorvem para compensar e equilibrar o clima do Planeta”, diz a climatologista. Ela cita estudos que indicam uma quantidade de 80% de carbono acumulado na água do mar.

O oceano, por conta de uma variável física chamada calor latente de evaporação, demora para esquentar. Mas, quando esquenta, demora a esfriar. “Se você for tomar banho de mar à noite, a água está mais quente que durante o dia, não é?”, exemplifica o fenômeno.

O balanço de energia da Terra, de acordo com Francis Lacerda, está descompensado por causa da grande quantidade de gás carbônico dissolvido que os oceanos têm recebido, o que resulta na intensificação do efeito estufa. Esse efeito, que mantém aquecido o Planeta e permite a existência dos seres vivos, é um fenômeno natural aumentado artificialmente pelo lançamento, na atmosfera, do carbono e de outros gases oriundos da queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e seus derivados, em atividades industriais e no transporte.

O excesso de gás carbônico provoca a acidificação da água do mar, que tem como uma das consequências a modificação das correntes marinhas. “As correntes ficam mais lentas. Por causa disso a gente tem a troca de calor entre os polos e o Equador afetada. A Terra, em termos termodinâmicos, é um corpo vivo, está sempre trocando calor.”

Imagem cinza escura com o contorno em branco dos estados do Nordeste com formação de nuvens

Imagens de satélite do Nordeste no dia 27 de maio | Fonte: Inmet

Alerta

Embora tenha causado morte e destruição, a enxurrada foi um desastre anunciado. Na sexta (27), o meteorologista da Agência Pernambucana de Água e Clima (Apac) Roni Guedes informou sobre a aproximação de Ondas de Leste ou Distúrbio Ondulatório de Leste (DOL) com potencial para provocar chuvas significativas.

“Os modelos globais e regionais de meteorologia mostram uma tendência para intensidade moderadas a forte ao longo do dia, principalmente na Região Metropolitana do Recife, Zona da Mata e parte do Agreste”, previu o alerta meteorológico. Na prática, o DOL resulta de nuvens que se formam sobre o Oceano Atlântico e são empurradas para o continente pelo vento vindo do Leste do Planeta.

Solução

Para Francis Lacerda, a adaptação às alterações do ciclo hidrológico resultantes do aquecimento global é necessária para evitar novos desastres. “O governo do Estado de Pernambuco já conta com inventários de emissão de gases do efeito estufa. Agora falta a ação.”

Ela cita relatório da Oxfam apresentado recentemente no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, que mostra que há 50 anos, 70% da população era rural e 30%, urbana. Atualmente 80% das pessoas estão nas cidades e apenas 20% no campo.

“O problema está no processo de ocupação urbana. Em meio século, o Brasil deixou de ser rural para ser urbano, sem que houvesse planejamento por parte das prefeituras. Nesse contexto, a ocupação das áreas de morro, com riscos de deslizamento, e das margens dos rios precisa urgentemente entrar na discussão para elaboração, revisão e, principalmente, o cumprimento de planos diretores”, considera.

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