Povo Potiguara da Paraíba recupera rio importante para a comunidade

Leito de rio com dois homens dentro com água até os ombros, um deles usa um boné. Dois homens, da margem, puxam a lama com detritos com enxadas. O mais próximo da câmera usa boné, camisa de manga comprida e bermuda azuis, meias amarelas e botas de borracha pretas. Ao fundo, coqueiros e muitas outras árvores

Afluente do Rio Sinimbu, o Rio dos Índios ou Rio do Aterro, como é conhecido entre o Povo Potiguara, possui cerca de 5 km de extensão e corta a as Aldeias Alto do Tambá e Forte

Por Alice Sales
Colaboradora

Baía da Traíção/Marcação/Rio Tinto – PB. Um ato de cuidado e respeito pelos recursos naturais do território em que vivem tem feito a diferença para o Povo Indígena Potiguara, que habita o litoral norte da Paraíba. Eles estão desde o início de 2021 engajados em recuperar um rio importante para o seu território. Para isso, retiram resíduos sólidos e plantas aquáticas responsáveis pelo assoreamento e trabalham na recomposição da mata ciliar.

Afluente do Rio Sinimbu, o Rio dos Índios ou Rio do Aterro, como é conhecido entre o Povo Potiguara, possui cerca de 5 km de extensão e corta a as aldeias Alto do Tambá e Forte. No passado, havia uma relação muito forte da comunidade com o rio, que foi se perdendo com a chegada da água encanada nas casas.  O afluente é a única fonte natural de água no território Potiguara e vem sofrendo os efeitos da poluição e do assoreamento.

A iniciativa de recuperá-lo surgiu no ultimo período eleitoral municipal, quando diferentes promessas de recuperação do manancial foram feitas, mas nenhuma foi cumprida. A própria comunidade decidiu não esperar pela ação de políticos e iniciou os trabalhos de recuperação do rio por conta própria.

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“Nos unimos em um grupo e combinamos que iriamos dar início a esse trabalho. Começamos com a abertura do canal, como faziam nossos antepassados. Convidamos os mais velhos para participar do grupo e compartilhar conhecimento. Eles têm na memória informações importantes, como o local em que o rio passava antes e quais plantas nativas existiam nas margens”, ressalta Poran Potiguara, liderança indígena e engenheiro florestal.

Poran conta que, quando era criança, havia muita água limpa disponível no rio, onde costumava tomar banhos em momentos de lazer. Muitos problemas, como a devastação da mata ciliar e uma dragagem realizada no rio, no fim da década de 1980, resultaram no que o rio é hoje. “Estamos recuperando por isso,  para que possamos tê-lo de forma abundante, tomar nossos banhos e que nossos filhos revivam aquilo que vivemos no passado”, completa.

Em um ano e dois meses de trabalhos dedicados à recuperação do rio, a comunidade vem trabalhando todo sábado para reabrir o curso natural do afluente e corrigir os efeitos da dragagem. “O nosso intuito agora é abrir toda a extensão do rio onde a gente consiga ir. Uma vez corrigida a drenagem do rio, a gente vai vai começar o trabalho de plantio de mudas na margem, sempre ouvindo as orientações dos mais velhos da nossa comunidade”, explica o engenheiro florestal.

Para Poran, esse trabalho tem sido muito gratificante: ” É uma sensação muito boa  quando a gente vê a água começando a fluir, formar correnteza e ir descendo. Provoca na gente uma nostalgia e é bem bem interessante.  Algo que só quem está no momento ali consegue sentir.”

A comunidade indígena, além de todo o trabalho manual de recuperação do afluente, também está investindo em Educação Ambiental. Séries ilustrativas voltadas para a conscientização, que contam a história do rio e compartilham curiosidades sobre ele,  estão sendo produzidas.

Recuperação de mata ciliar

O plantio de espécies nativas no entorno do rio também será realizado em uma outra etapa da recuperação e contará com um viveiro de mudas nativas para tanto. Além disso, Poran prevê a recuperação de uma tradição antiga de plantio que se chama “roça de paú”.  A prática consiste na plantação de milho, feijão e mandioca em uma faixa da margem do rio, em épocas de estiagem. A ideia é organizar uma roça comunitária. “A produção de alimentos e a recuperação do rio são coisas correlacionadas que buscam a segurança alimentar de nosso povo”, destaca Poran.

Exemplo de cuidado

O trabalho realizado pela comunidade indígena Potiguara vem  mostrando para todos que é possível salvar um rio. “A gente anda pela cidade e todo mundo aborda o trabalho que estamos fazendo no rio. As pessoas dizem que estão acompanhando as atividades de recuperação e que acham a iniciativa interessante. Por outras aldeias  o pessoal fala a mesma coisa.  Essa atitude tem incentivado outras aldeias a começar também o processo de cuidado,  do zelo de abertura dos seus rios que estão assoreados”, detalha Poran Potiguara.

Povo Potiguara

Os povos originários Potiguara se concentram em um território com 32 aldeias distribuídas em 33 mil hectares, que ocupam três municípios, Baía da Traíção, Marcação e Rio Tinto, o que confere uma grande diversidade à etnia. As principal atividades desenvolvidas pela comunidade indígena são a pesca e a agricultura, além dos empregos formais que muitos conseguem na cidade como professores, vigilantes, dentistas, agentes de saneamento dentre tantas outras profissões.

Há ainda entre o Povo Potiguara uma cultura muito forte. A cultura ritualista deste povo se expressa por meio de diversas manifestações, dentre elas o Toré, o fumo no cachimbo e uma sagrada relação com a natureza.

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