Velas das jangadas do Mucuripe viram obras de arte na abertura do Povos do Mar

Terceira edição da mostra de velas pintadas trouxe 12 obras que foram expostas num cortejo entre o Mucuripe até a Vila do Mar, em Fortaleza, nesse último domingo (20)

Jangadas com velas coloridas pintadas com diversos temas na beira do mar. Sobre elas, céu nublado. No primeiro plano há uma jangada com uma pintura de árvores de manguezal numa paisagem em tons de laranja com remete ao pôr do sol. Entre elas, há um homem de costas vestido com camiseta amarela

Neste ano, 12 obras pintadas em velas de jangada puderam ser vistas saindo da enseada do Mucuripe até a Vila do Mar, em Fortaleza | Foto: Sesc Ceará

Por Rose Serafim
Colaboradora

Nos seus 80 e poucos anos de vida, Zé Tarcísio tem visto o mar como a moldura de Fortaleza. Pintor e artista plástico há mais de seis décadas, ele expôs, pela terceira vez, uma de suas obras nessa moldura, a mais democrática de todas. O artista é um dos autores das obras que participaram do “Aquavelas”, mostra de velas no litoral que abre a programação da 12ª edição do Povos do Mar.

“A oportunidade é muito interessante. Desafia porque o mar é uma coisa muito forte. Os povos do mar, a jangada, tudo é muito forte”, diz Zé. “No ano passado, eu homenageei a Rainha do Mar, Iemanjá, e toda aquela beleza”, lembra. “Para este ano, eu pensei numa primavera, um contraste com o mar. As flores que só chegam ao mar na época da festa de Iemanjá”, explica.

Vela de jangada branca pintada com flores coloridas, com o lado direito de fundo tingido de azul

Zé Tarcísio conta que neste ano decidiu pintar as flores que são ofertadas a Iemanjá | Foto: Sesc Ceará

A artista visual e colagista Lana Guerra viu na vela o desafio de pintar a maior tela de sua carreira. Pela primeira vez no projeto, ela quis retratar Iemanjá e a cultura dos povos tradicionais.

“O mar já é lindo por natureza. E resgatar essa coisa da cultura, do jangadeiro e junto com uma obra de arte, uma obra de arte navegando no mar, isso é uma riqueza, é acessível, a arte não é acessível para quem não tem uma galeria, não tem parede, e assim está lá para todo mundo”, destaca.

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“Imagina você expor e ter como galeria o mar. Isso é muito poético. É pura poesia. Poesia colorida”, traduz Edmar Gonçalves . Natural de Juazeiro do Norte, ele atua artisticamente também como cantor e compositor e tem mais de 40 anos de carreira. Considera uma honra participar do projeto que já integra desde a primeira edição.

Na primeira participação, ele recorda ter retratado um pescador que via uma jangada nos olhos. Na segunda tela, utilizou um rodo para pintar águas-vivas em movimento. Nessa, levou ainda mais Sol para o litoral cearense com uma vela que mostra a vista do mar pelo mangue. Veja em seu perfil no Instagram.

“A vela é uma coisa universal. Tem a vela da jangada, mas a vela é universal, ela é histórica. (…) A Vela te dá movimento, a vela, te dá destinos, horizontes”, lembra. “Quando você vê aquelas jangadas vindo lá da Barra do Ceará para o Mucuripe… É uma coisa encantadora. As pessoas param, os carros param, os pescadores dão o grito e as crianças ficam olhando. É lindo demais”, descreve.

Duas velas de jangadas em destaque com o mar ao fundo sob céu nublado. A da esquerda tem flores coloridas sobre fundo azul. A da direita é branca, com o contorno preto de três rostos femininos e alguns pequenos detalhes coloridos, como o Sol, estrela e peixe

Os artistas destacam que esta é uma oportunidade de levar a arte para mais pessoas | Foto: Sesc Ceará

Neste ano, 12 obras pintadas em velas de jangada puderam ser vistas saindo da enseada do Mucuripe até a Vila do Mar, em Fortaleza. Além dos já mencionados, integram o projeto nomes como Mano Alencar, Totonho Laprovitera, Hélio Rola, Júlio Silveira, Andrea Dall Olio, Ana Debora Pessoa, Luiz Freire, Almeida Luz e Vando Farias.

Cada vela possui cerca de 6 metros de altura e 20 metros de tecido. Elas chegam ao local onde são pintadas, de forma crua; são estendidas no chão, presas com pedras nas pontas para o vento não levar e, ao fim daquele dia, se transformam em peças de arte. Ao longo dessas três edições, 33 velas foram pintadas. A partir de 2023, elas serão expostas pelo Estado em um circuito itinerante que deverá iniciar em abril e permanecerá até o fim do ano.

A cada edição, o Aquavelas agrega um novo artista, explica Paulo Leitão, consultor de Programação Social do Serviço Social do Comércio do Ceará (Sesc-CE). “É uma rede permanente de um projeto que cria pertença entre os artistas, porque não é um edital que todo ano muda. Não, são artistas que vão conhecendo o projeto, vão dialogando, vão criando essas conexões entre eles. Esses intercâmbios fortalecem uma rede nova de artistas visuais, mas também os coloca em diálogo com fazeres tradicionais, como os jangadeiros e as comunidades litorâneas”, indica.

“O Ceará tem 573 km de litoral e é muito diverso. Tem alagados, tem a foz de rios, várzeas, tem a Mata de Tabuleiro, os mangues. E quem traduz isso são esses pintores historicamente. A gente tem uma grande tradição de pintores na área litorânea: Chico da Silva no Pirambu é um deles. E tem tantos outros… A gente fica muito feliz de estar tá fazendo esses diálogos entre culturas que estão tão perto e ao mesmo tempo tão distantes, do ponto de vista mesmo da linguagem”, conclui.

O Aquavelas é apenas a abertura do Povos do Mar, que continua até o dia 24 de novembro. A programação completa inclui uma diversidade de oficinas e eventos espalhados por diversas localidades litorâneas do Estado. Na sequência, a partir do dia 26 a 29, será realizado o Herança Nativa. Pelo menos 500 pessoas representam os povos que promovem a programação. Confira a programação completa aqui.

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