‘Sertão Monumental’: inselbergs de Quixadá e Quixeramobim, no Ceará

Inselberg no município de Quixadá, no Sertão Central do Ceará | Foto: João Olímpio

Professora Vanda Claudino-Sales

Por Vanda Claudino-Sales
Geógrafa
Professora associada aposentada da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Professora visitante da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)
vcs@ufc.br

Nos sertões centrais do Estado do Ceará situa-se um tesouro geomorfológico magnífico. Trata-se dos inselbergs, também conhecidos no linguajar turístico regional como os “monólitos” de Quixadá e Quixeramobim.

O termo inselberg, que deriva do alemão. Significa “ilha de pedra”. Essa terminologia, quando traduzida, mostra-se mais elucidativa para caracterizar o relevo que a palavra monólito, pois o inselberg é exatamente isso: uma formação rochosa isolada, que se destaca em meio a uma superfície muito plana (o sertão), como ilustrado na figura 1.

Figura 1. Conjunto de inselbergs em Quixadá, Ceará. Foto: Olímpio, J.L.S.

Os inselbergs ocorrem em todo as áreas do globo e em todos os tipos de rochas, mas são mais comuns em terras secas e em rochas ígneas do tipo graníticas. Esse é o caso do campo de inselbergs dos municípios de Quixadá e Quixeramobim, que caracteriza um dos mais representativos da Terra (Olímpio et al., 2021).

Os inselbergs tem uma origem peculiar, que vem sendo desvendada com mais intensidade em tempos recentes. No Brasil, essa discussão é conduzida particularmente por Maia e Nascimento (2018), Maia et al. (2018), e Maia et al. (2015), e mais recentemente, por Olímpio et al (2021). Como esses autores demonstram, os inselbergs provavelmente resultam da evolução das chamadas superfícies etch.

Com efeito, nos setores onde ocorre embasamento rochoso aflorante (sem presença importante de formações superficiais, como depósitos sedimentares, solos e formações florestais recobrindo as rochas), composto por rochas ígneas e/ou metamórficas, como granitos e gnaisses, o que é fato comum no Nordeste brasileiro, é frequente a ocorrência de formas de relevo saprolítico – isto é, de relevos oriundos da remoção de rochas profundamente alteradas por ação química, em função da penetração de água das chuvas.

Com efeito, essas feições resultam da formação de um manto de alteração química em subsuperfície, o qual é removido por ação erosiva posterior, deixando aflorar blocos que não foram completamente alterados ou que se apresentam com porte superior ao da capacidade de remoção/transporte (Twidale, 2002). A superfície desvelada por esse processo é a chamada superfície etch, e o processo, a etchplanação, ou saprolitização. Dele resultaram os inselbergs, que seriam assim um tipo de relevo saprolítico.

Os inselbergs em climas secos acham-se associados com a ocorrência pretérita de climas mais úmidos, ou, mais precisamente, à alternância entre climas mais úmidos e mais secos (Maia e Nascimento, 2018). Os climas mais úmidos permitem a alteração química da rocha em subsuperfície (dissolução, apodrecimento da rocha, facilitado pelo conjunto de fraturas que as rochas cristalinas superficiais comumente apresentam), e os climas mais secos implicam na remoção do material alterado, deixando em sobressalto na paisagem os blocos rochosos de grande dimensão (Twidale, 2002). As etapas desse roteiro evolutivo, que demandam longo intervalo de tempo geológico, da ordem de dezenas de milhões de anos, são explicitadas na figura 2.

Figura 2. Etapas de evolução do relevo saprolítico (echplanação). 1. Estágio inicial, facilitado por fraturas; 2. Esfoliação (quebra, desgaste mecânico) da rocha por ação do clima; 3. Rocha alterada; 4. Formação de um manto de alteração por ação da penetração de água da chuva; 5. Remoção posterior do manto de alteração por ação da erosão; 6. Exumação (afloramento) dos blocos rochosos não completamente alterados, com formação do relevo saprolítico (superfície etch), do tipo inselbergs. Fonte: Maia e Nascimento, 2018

Quanto aos processos evolutivos, coloca-se que existem basicamente quatro tipos de inselbergs na paisagem de Quixadá e Quixeramobim, que são os inselbergs com feições de dissolução, os inselbergs com feições de fraturamento, os inselbergs maciços (Maia et al., 2015) e os inselbergs compostos (Claudino-Sales, 2020).

O grupo 1 de inselbergs é caracterizado por afloramentos com predomínio de microformas de dissolução, tais como vasques (bacias de dissolução com superfície interna irregular), caneluras (sulcos verticais de dissolução), gnammas (depressões do tipo marmitas na base das caneluras) e tafoni (grutas nas paredes dos inselbergues (Figura 3)).

Figura 3. Inselbergs com feições de dissolução. Foto: Olímpio, J.L.S.

O segundo grupo é composto pelos inselbergs com grande densidade de fraturamentos. Os fraturamentos acompanham com frequência as rochas ígneas, em particular onde essas rochas já passaram por esforços durante eventos geológicos de movimentação (ditos esforços tectônicos). Os fraturamentos produzem descontinuidades na superfície e subsuperfície da rocha, o que as predispõem à quebra e escamação (Figura 4).

Figura 4. Exemplo de inselberg com feições de fraturamento e quebra. Foto: Olímpio, J.L.S.

No terceiro grupo estão os inselbergs maciços. O relevo é dômico, caracterizado por vertentes escarpadas que limitam o desenvolvimento de solos e apresentam a maior altura relativa, de aproximadamente 400 m. Neles, as feições de dissolução e fraturamento são menos comuns, e com frequência caracterizam o que se chama de inselgebirg – ou seja, inselbergs de grande porte, (ou conjunto acentuado de inselbergs, onde a conotação de ilha de pedra isolada desaparece um pouco (Figura 5).

Figura 5. Inselgebirg do tipo maciço. Foto: Olímpio, J.L.S.

Por último, estão os inselbergs compostos, os quais exibem feições associadas aos processos de dissolução e de fraturamento, inclusive podendo atingir o porte altimétrico dos inselbergs maciços (figura 6).

Figura 6. Inselbergs compostos, com feições de fraturamento e dissolução. Foto: Olímpio, J.L.S.

Os inselbergs de Quixadá e Quixeramobim apresentam ainda fantásticas feições de menor porte e são ricos em inscrições rupestres, que contam a história dos indígenas do Nordeste que ocuparam a área. A região já vem sendo objeto de visitação turística, contando com mediana capacidade hoteleira e de serviços, e acesso fácil por estradas asfaltadas. É alvo de atividades associadas com esportes radicais tais como rapel e voos livres, além de contar com traços de romaria religiosa para visitação de alguns dos inselbergs.

Dada a importância estética e paisagística, e por resguardar informações acerca do passado do Planeta, a região tem todo o potencial de se transformar em um geoparque, nos moldes propostos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). É nesse sentido que vem trabalhando o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), em conjunto com professores dos departamentos de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) – Campus Quixadá.

Um geoparque é uma área protegida que tem como elemento principal seu patrimônio geológico e/ou geomorfológico. Deve abranger um determinado número de sítios geológicos de especial importância científica, raridade e beleza, que seja representativa de uma região e da sua história geológica, eventos e processos, podendo agregar valores ecológicos, arqueológicos, históricos e culturais. Em especial, representa um território de limites bem definidos, com uma área suficientemente grande para servir de apoio ao desenvolvimento socioeconômico local.

A Unesco aprova a criação de geoparques a partir de propostas que partam das comunidades, e dá apoio logístico para a sua instalação e funcionamento. O processo de aprovação é lento e burocrático, mas necessita de um início. Esse início já foi efetivado, com as primeiras medidas adotadas: a elaboração da proposta pela CPRM (Freitas et al., 2019) que agora será discutida pelas duas prefeituras e deve avançar no sentido de ganhar adeptos na sociedade de forma geral. Estamos na torcida proativa para que essa proposta se torne rapidamente uma realidade, e para que o Geoparque Sertão Monumental venha a apresentar para o Brasil, para o mundo, a riqueza da região. Os geoparques, além de preservarem a diversidade geológica e geomorfológica (a Geodiversidade), mudam para melhor a vida das comunidades, e, nesse sentido, somos só vibração!

Referências:

CLAUDINO-SALES, V. Potencialidades da Geodiversidade: monólitos de Quixadá. In: Ciclo de Palestras: conhecer para AMMAr e Preservar. 2020. Disponível em https: https://www.youtube.com/watch?v=s6TR7ITr0oA. Acesso em 25 abril de 2021.

FREITAS, L.C.B.; MONTEIRO, F.A.D.; FERREIRA, A.D.M.; MAIA, R.P.M. Geoparque Sertão Monumental – CE, Proposta. Brasília: CPRM, 2019.

MAIA, RUBSON P.; BASTOS, F. H.; NASCIMENTO, M. A. L.; LIMA, D. L.; CORDEIRO, A. M. N. Paisagens Graníticas. 1. ed. Fortaleza: Edições UFC, 2018. v. 400.

MAIA, R. P; NASCIMENTO, M. A. L. Relevos Graníticos do Nordeste Brasileiro. Revista Brasileira de Geomorfologia, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 373-389, 2018.

MAIA, R. P; NASCIMENTO, M. A. L; BEZERRA, F. H. R; CASTRO, H. S; MEIRELES, A. J. A. Geomorfologia do campo de inselbergs de Quixadá, Nordeste do Brasil, Revista Brasileira de Geomorfologia, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 239-253, 2015.

OLÍMPIO, J.L.S.; MONTEIRO, F.A.D.; FREITAS, L.C.B.; ALMEIDA, L.T.; ALCANTARA, A.P.; LOUREIRO, C.V.; NASCIMENTO, M.L.; MAIA, R.P. (2021). O que sabemos sobre os inselbergues de Quixadá e Quixeramobim, Nordeste do Brasil? William Morris Davis Revista de Geomorfologia, vol 2, p. 19-42, 2021.

TWIDALE, C.R; The two-stage concept landform and landscape development involving etching: origin, development and implications of an idea. Earth Science Vertaling, vol. 57, 2002.

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