PL de Medidas emergenciais para agricultores familiares ignora Programa de Cisternas

O Programa de Cisternas foi criado na perspectiva de garantir o direito de acesso à água para o consumo humano e para a produção agrícola no Semiárido | Foto: Leo Drumond / ASA Brasil

Fortaleza – CE. A semana começou bem agitada para os movimentos populares do campo por conta do relatório do deputado federal Zé Silva (Solidaridade-MG) sobre o Projeto de Lei (PL) Nº 735/2020, que trata de medidas emergenciais de amparo aos agricultores familiares do Brasil para mitigar os impactos socioeconômicos da pandemia de Covid–19, e que deverá ser votado pelos deputados(as) federais nesta quarta-feira (1º). Nele, uma injustiça para as famílias agricultoras do Semiárido brasileiro, não consta o Programa Cisternas.

No conjunto de propostas elaboradas e defendidas pelas redes, movimentos populares e deputados(as) progressistas, encaminhadas há semanas para o relator Zé Silva para serem contempladas no PL Nº 886/2020, apensado ao PL Nº 735, havia uma indicação de aporte de R$ 150 milhões para este programa que é essencial para a produção de alimentos na região semiárida.

No Nordeste, onde se situa grande parte da região semiárida, vivem e produzem três em cada quatro agricultores(as) familiares do Brasil. Como é natural da região a condição de estresse hídrico, as tecnologias que acumulam água da chuva para diversos usos, como consumo humano e produção de alimentos, são imprescindíveis para a vida e o cultivo de alimentos. “Não se pode falar em agricultura familiar no País sem falar do Semiárido e a sua enorme necessidade de acesso à água”, destaca a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).

Além do mais, neste contexto de pandemia, o acesso à água é uma condição fundamental para a higiene e a prevenção à Covid-19, bem como para garantir melhores condições para a segurança alimentar e nutricional da população. Dos dez estados com maior número de infectados pelo novo coronavírus, cinco estão concentrados no Nordeste. E a doença segue seu rumo de interiorização atingindo, cada vez mais, uma população desassistida de hospitais de equipamentos e equipes necessários para atender uma
situação como essa.

Em carta pública endereçada ao deputado Zé Silva, a ASA chama de injustiça a exclusão do Programa Cisternas do relatório que será votado em plenário pelos congressistas. Confira:

 

Semiárido Brasileiro, 29 de junho de 2020

Excelentíssimo Senhor José Silva

Deputado Federal pelo Solidariedade (MG),

Ao tempo que cumprimentamos Vossa Excelência, nós, da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), uma rede formada por mais de 3.000 (três mil) organizações que atuam na promoção da Convivência com o Semiárido no meio rural, queremos dialogar com o senhor sobre a dura realidade que é o acesso à água no Semiárido brasileiro.

O Semiárido, na perspectiva dos biomas, apresenta o maior número das pessoas que vivem da agricultura familiar no País, formada por agricultores/as familiares, quilombolas, indígenas, pescadores/as artesanais e uma diversidade de outras identidades culturais do nosso povo. No Semiárido rural vive mais de 1,7 milhão de famílias agricultoras, que correspondem a mais 9,5 milhões de pessoas, responsáveis por grande parte da produção de alimentos consumidos na mesa de cada brasileiro e brasileira.

Ao mesmo tempo, a região é conhecida por sua grande desigualdade social. Em muitos casos, há famílias que sequer têm acesso à água para as suas necessidades diárias básicas, inclusive para beber, e é neste sentido que nos dirigimos a V. Exª. para dialogar sobre esse recurso fundamental à dignidade das famílias do Semiárido.

O Programa de Cisternas tem sido a principal ação do estado brasileiro há quase duas décadas, sendo criado na perspectiva de garantir o direito de acesso à água para o consumo humano e para a produção agrícola no Semiárido. Essa ação já garantiu água para o consumo para mais de 1,3 milhão de famílias e água para a produção para mais de 200 mil. No entanto, ainda há uma demanda de cerca de 350 mil famílias sem o acesso à água que esperam por essa tecnologia social.

Esta tecnologia e o Programa já receberam o reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU) como Política para o Futuro e, hoje, tem sido adotada em outras regiões semiáridas do Planeta, a exemplo da África Subsaariana. A partir do protagonismo e da experiência brasileira, a tecnologia e o Programa se tornaram referência no Combate à Desertificação.

Se o contexto da Covid-19 tem agravado a situação econômica do Brasil como um todo, os dados sobre a perda da renda e o aumento do número de pessoas em situação de extrema pobreza crescem significativamente mais no Nordeste e no Semiárido. Na região que tem 05 entre os 10 estados com maior número de infectados/as e de morte pelo novo Coronavírus, o acesso à água é uma condição fundamental para a higiene e a prevenção da Covid-19, bem como para garantir melhores condições para a segurança alimentar e nutricional da população.

Para nós da ASA, e acreditamos que também para V. Exª., não se pode falar em agricultura familiar no País sem falar sobre o Semiárido e sobre a sua enorme necessidade de acesso à água.

Por isso, para fazer justiça a esta população, apelamos a V. Exª., como relator do Projeto de Lei (PL) Nº 735 de 2020, cujo teor “prevê medidas emergenciais de amparo aos agricultores familiares do Brasil para mitigar os impactos socioeconômicos da Covid–19”, para que:

Seja incluída no PL a destinação de recursos da ordem de R$ 150 milhões na Ação Orçamentária 8948 – Apoio a Tecnologias Sociais de Acesso à Água para Consumo
Humano e Produção de Alimentos na Zona Rural: com o objetivo de atender emergencialmente a 25.000 famílias no ano de 2020.

Para o futuro, propomos que esta política de acesso à água seja assumida entre as Prioridades do Governo, construindo condições para que o acesso a esta tecnologia seja universalizado no Brasil. Vale ressaltar que não se pode pensar em Lei para a agricultura familiar sem levar em consideração que a Região Nordeste e o Semiárido concentram o maior número de estabelecimentos da agricultura familiar do Brasil.

Entendemos que a crise econômica que vivemos será ainda mais grave ao final da pandemia. No entanto, apelamos para V. Exª. e aos/às demais parlamentares do Congresso Nacional para que não esqueçam que muitos/as cidadãos e cidadãs ainda vivem em situação de miséria e de fome, estando também nas mãos de Vossas Excelências construírem um novo futuro de igualdade e justiça social.

Agradecemos desde já, certos de contar com o atendimento ao nosso pleito.

Articulação Semiárido de Alagoas
Articulação Semiárido da Bahia
Fórum Cearense pela Vida no Semiárido
Articulação Semiárido Maranhense
Articulação Semiárido Mineiro
Articulação Semiárido Paraibano
Articulação Semiárido de Pernambuco
Fórum Piauiense de Convivência com o Semiárido
Articulação Semiárido do Rio Grande do Norte
Articulação Semiárido de Sergipe
ARTICULAÇÃO SEMIÁRIDO BRASILEIRO

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