Pesquisadora projeta impactos da mineração em Maceió

Foto escura de espelho d'água. No primeiro plano, à esquerda, um homem pardo vestindo bermuda vermelha e boné azul, com água cobrindo os pés se curva para lavar as mão. Atrás dele é possível ver uma parte de uma canoa. Mais adiante há outro homem em pé numa canoa remando com uma grande vara. no horizonte ao fundo há uma área verde e um poste de linha de transmissão de energia

Uma grande questão envolve a salinidade da lagoa, o que pode comprometer sua biodiversidade e o sustento de muitas pessoas que vivem da pesca | Foto: Josian Paulino

Por Júlia Magalhães *

Em 10 de dezembro deste ano, a mina de número 18 da Braskem sofreu um rompimento que afetou a Lagoa Mundaú e adicionou mais um capítulo catastrófico no que já é considerado o maior crime ambiental em solo urbano, que assola a cidade de Maceió, em Alagoas, desde 2018. Para entender os problemas que estão sendo causados e ainda podem acontecer em função do desabamento, a pesquisadora e cientista Nidia Fabré, do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (Peld) Costa dos Corais Alagoas (CCAL) / Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), fez uma análise da situação e chegou a conclusões preocupantes.

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Para compreender esse cenário futuro, é preciso voltar um pouco para o passado. O sal-gema é um minério que fica localizado mais ou menos a mil metros de profundidade, muito utilizado para a produção de PVC e soda cáustica. A mineração dele em Maceió, operada pela empresa Braskem, teve início em 1970, com autorização dos poderes públicos. Em 2018, existiam ao todo 35 minas espalhadas pela cidade que trabalhavam em sua extração.

Foi naquele ano que no bairro Pinheiro surgiram grandes danos ao solo. O primeiro tremor, de magnitude 2,5, provocou grandes rachaduras nos imóveis da região. Danos também começaram a ser percebidos em bairros próximos, afetando as ruas e os bens de muitos alagoanos.

A situação escalonou em 2019, quando o Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM) iniciou estudos que logo descartaram a possibilidade de ser um fenômeno geológico natural. O SGB concluiu que a extração mineral da Braskem era a responsável pelos danos. A causa do problema é a instabilidade que as crateras das minas causavam no subterrâneo, que ocasionaram um rebaixamento da superfície do solo. Os laudos dos cientistas indicaram que os tremores foram causados por minas que desmoronaram.

A partir disso, foram emitidas ordens de evacuação para os moradores dos bairros de Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e Farol. O total de afetados chega a 60 mil pessoas, que residiam em 14 mil imóveis declarados inabitáveis. Com a repercussão, a Braskem decidiu fechar e estabilizar todas as 35 minas. Essa estabilização do solo, segundo especialistas, demoraria cerca de 10 anos para se completar.

O tempo passou, o solo afundou mais, e a situação chegou a um ponto ainda mais crítico: só em novembro de 2023, aconteceram cinco tremores de terra. Moradores próximos à Lagoa Mundaú foram evacuados e foi decretada situação de emergência na cidade. E, por fim, no dia 10 de dezembro, parte da mina 18 da Braskem se rompeu, causando danos que ainda estão sendo mensurados.

A geografia do desastre

A Lagoa Mundaú possui uma área de 23 Km2, e divide as cidades de Maceió, Marechal Deodoro e Coqueiro Seco. Faz parte da Bacia Hidrográfica do Rio Mundaú e, junto com a Lagoa Manguaba, forma o Complexo Estuário Lagunar Mundaú-Manguaba (CELMM). Nela, existem várias pequenas ilhas e um manguezal. Tudo isso faz da CELMM um sistema estuarino que, com o encontro entre a água doce e a marinha, abriga uma grande diversidade de peixes, moluscos e caranguejos.

O rompimento de parte da mina que extraía o sal sob a Lagoa Mundaú criou uma cratera. O medo das autoridades era de que a outra parte entrasse em colapso, levasse junto outras minas vizinhas e afetasse um perímetro que é aproximadamente 3 vezes maior do que a própria mina.

Felizmente, esse colapso não aconteceu, e pode nem chegar a existir. No dia 18 de dezembro, pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e do Instituto do Meio Ambiente (IMA) divulgaram os resultados das análises de amostras coletadas na lagoa. Não foram identificadas alterações no ecossistema local, mas os cientistas reforçaram que ainda precisam ser feitas novas checagens.

Estudos dos sistemas lagunares

O grupo de estudos do Peld CCAL, que trabalha na Costa dos Corais de Alagoas, iniciou suas pesquisas justamente com comunidades de peixes da Lagoa Mundaú. O grande entendimento que o projeto tem hoje acerca do funcionamento de sistemas lagunares vem daí.

O maior impacto já aconteceu e acontece desde 2018 com todas as famílias que foram removidas de suas casas, com todas as esferas das vidas dessas pessoas afetadas. “A perda de patrimônio cultural e histórico, já que sempre foi uma área que teve uma ocupação histórica extremamente importante, também é sentida. Mas, realmente, o grande impacto foi sofrido por todas as pessoas que foram desalojadas e mal ressarcidas. Tudo isso foi devastado, e agora estamos perante a um cenário fantasmagórico de uma área extremamente importante e tradicional de Maceió que continua sendo”, opina a pesquisadora do Peld CCAL Nídia Fabré.

O estrago também poderá ser catastrófico, já que este é um problema geotécnico. Nídia explica que “com a desestabilização do solo, como os especialistas vinham prevendo e estamos agora assistindo, haverá solubilização de sal e desestabilização de todo o entorno, gerando um efeito dominó, que pode atingir todas as áreas exploradas pela extração da sal-gema, podendo impactar desde a região costeira, os aquíferos e o entorno da laguna”. O desastre poderá causar perda de habitats e do equilíbrio ecossistêmico, mudança local do clima e devastação da paisagem.

Foto de mulher de meia idade, cabelos loiros médios, que sorri, usa óculos, calça preta, blusa amarela e está sentada de pernas cruzadas numa mureta de pedras tendo um gramado e um casario histórico ao fundo da imagem

A pesquisadora do Peld CCAL Nídia Fabré analisa diversos aspectos socioambientais da questão

Sal tempera o ecossistema

Uma grande questão envolve a salinidade da lagoa, já que na mina 18 havia basicamente cloreto de sódio, o sal de cozinha. O que acontece é que, quando a caverna subterrânea, criada pelo desmoronamento, entra em contato com a lagoa, a água e o próprio lençol freático começam a filtrar os sedimentos que saem da caverna, atingindo inclusive a camada de sal gema. Se esse sal presente na mina for incorporado pela água da lagoa, a vida dos animais que habitam ali poderia se tornar mais complicada.

Nídia pontua que, devido ao ambiente da lagoa ser um encontro entre água salgada e doce, as próprias espécies variam seu tempo vivendo ali por conta da salinidade da água, em contraposição à água doce. O manguezal serve como um refúgio para essa fauna, e depende dessa variação do sal para se manter vivo.

O mexilhão sururu, por exemplo, que é muito consumido na região, precisa de água salobra para sobreviver. Com a possível hiper salinização, a espécie poderia ser extinta do local. Casos assim afetam todo o ciclo das cadeias de transferência energética, pois é nessa dinâmica de entrada e saída de água da lagoa que os peixes contribuem como alimentos para outros organismos. Com a alteração da presença de algumas espécies, todo o ecossistema é alterado. O impacto também é social, pois os peixes da lagoa servem de sustento às comunidades locais há séculos.

Embora seja uma boa notícia que os resultados preliminares mostrem que os níveis da água ainda não foram afetados, não dá para saber com exatidão quando a salinização da lagoa atingirá o seu pico. “Mas quaisquer que sejam as novas condições de salinidade, toda a lagoa tende a ser afetada”, prevê Nídia.

Há chances de recuperação?

Para a pesquisadora, os planos de recuperação devem ser pagos pela empresa responsável e executados com muita cautela e fiscalização. “A Lagoa já é um sistema altamente antropizado, com assoreamento histórico, com contaminação, com despejo de esgoto, retirada da mata ciliar, retirada dos mangues, e por aí vai! Com o afundamento, a recuperação pode até acontecer, mas nunca será a mesma lagoa. A restauração somente seria viável com o investimento pesado em planos integrados de recuperação ambiental”.

* Júlia Magalhães é graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e é bolsista em iniciação científica (Pibic) com atuação no Projeto de Comunicação Pública da Ciência (Peldcom) do Peld/CNPq e foi orientada, nesta reportagem, pela jornalista Márcia Dementshuk.

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