Muita simpatia para falar de questões sérias

Em abril de 2018, Tião Simpatia tornou-se imortal e ocupa a cadeira de número 10 da Academia Brasileira de Literatura de Cordel | Foto: Eduardo Queiroz

 

Por Evelyn Ferreira
Colaboradora

 

Fala, Simpatia! Conheça a história de Tião, um cearense alfabetizado aos 15 anos e que hoje é imortal na Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Ele também fez da sua trajetória um caminho para defender direitos humanos, especialmente o combate à violência contra a mulher, em parceria com Maria da Penha

Sebastião Félix de Oliveira Jucá ainda não era o Tião Simpatia, como hoje é conhecido, quando nasceu, na zona rural do município de Granja, na região Norte do Ceará. Até os 15 anos de idade, dividia a rotina entre a lida no campo, ajudando o pai na agricultura, e ouvindo o tio contar histórias rimadas em cordel. Apaixonado por Luiz Gonzaga, tinha nele grande inspiração. Foi ouvindo o tio e as canções do Velho Lua que ele aprendeu a ler e fazer versos.

Sem escola perto de onde morava, o menino cresceu apenas aprendendo com o que era passado verbalmente a ele. A vontade de estudar era tão grande que Sebastião saiu da casa dos pais na adolescência para estudar em Camocim, município 27 quilômetros distante da sede de Granja. Foi lá também que ele começou a carreira artística. Participou de uma competição de poesia e perdeu, mas, por seu jeito, ganhou o apelido que o fez conhecido em todo o País: Simpatia.

Em 2006, em Fortaleza, um encontro mudaria o caminho de Tião. A história da cearense Maria da Penha, vítima de violência doméstica e cuja luta culminou com a criação de uma lei com seu nome (Lei Nº 11340/2006), sensibilizou o poeta e fez nascer uma parceria que dura até hoje. Ele escreveu cordel para transformar numa linguagem mais popular o que dizia a Lei.

A história foi traduzida para o inglês e o espanhol, além de ganhar uma versão em braile. O cordel foi apresentado em vários estados do País e hoje Tião leva seu trabalho para 70 escolas públicas no Ceará, num projeto em parceria com o Instituto Maria da Penha e o Governo do Estado.

Engajado artisticamente na luta pelo fim da violência contra a mulher, Tião viajou o mundo, fazendo palestras, participando de seminários e compondo novas obras. Por sua trajetória e obra, tornou-se membro da rede de artistas UNA-SE, da Organização das Nações Unidas (ONU). Em seu trabalho mais recente (2017), Tião Simpatia transformou a Carta das Nações Unidas em cordel.

Desafios da Lei Maria da Penha

Treze anos após a criação da Lei que leva seu nome, a farmacêutica Maria da Penha acha positiva a iniciativa de traduzir a linguagem jurídica para uma mais popular, como o cordel: “você vai ler a Lei, se você não for da área jurídica, tem dificuldade de entender aquele linguajar rebuscado dos livros do Judiciário”.

Para Maria da Penha, popularizar a Lei é importante, mas ainda há desafios a serem vencidos, como garantir o seu cumprimento com atenção às mulheres e punição em casos de violência. “O que a gente precisa mesmo é que os poderes públicos cumpram seu papel de implementar a Lei, de tirar do papel e fazer com que ela funcione de verdade. Porque ela só pode funcionar de verdade se criarem as políticas públicas”.

Outro desafio a ser superado, de acordo com Maria da Penha, é a quebra do ciclo de violência contra as mulheres. Geralmente, segundo ela, as histórias se repetem, começando com agressões, passando pela fase do perdão e depois o retorno da violência, podendo chegar ao homicídio.

De acordo com o relatório “Panorama da violência contra as mulheres no Brasil”, divulgado em 2018, a taxa de homicídios de mulheres variou de 4,2 para 4,4 mortes a cada 100 mil mulheres no Brasil de 2006 a 2015. No Ceará, a situação é ainda mais grave. Nesse mesmo período, o número saltou de 3,1 para 5,5. A taxa de homicídio de mulheres negras no Ceará era 2,3 em 2006 e cresceu para 4,8 em 2015.

Entre as mulheres brancas, o crescimento foi menor. Saiu de 1,2 para 1,6 no mesmo período. Em âmbito nacional, houve queda no número de mulheres brancas assassinadas no intervalo de tempo analisado. Era 3,3 em 2006 e caiu para 3,0 em 2015. Já entre mulheres negras o número subiu de 4,6 para 5,2.

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