
Mulheres e meninas indígenas e rurais dos Vales dos rios Curu e Aracatiaçu, no Ceará, serão incentivadas ao engajamento nas ciências exatas, engenharias e computação, por meio do projeto “Nexus Água-Energia-Alimento para Inclusão Produtiva e Acadêmico-Científica de Mulheres e Meninas”. A iniciativa é uma ação da Embrapa Agroindústria Tropical com fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ao todo, serão ofertadas 47 bolsas destinadas ao público feminino alvo das atividades, nos municípios de Paraipaba e Itapipoca.
As ações, que serão realizadas ao longo dos próximos três anos, visam transformar a realidade de comunidades vulneráveis e têm como cerne a necessidade de integrar as temáticas relacionadas à água, energia e alimento – áreas de extrema relevância para a sustentabilidade das comunidades de agricultura familiar e indígenas da região atendida.
A proposta também busca melhorar a gestão dos recursos naturais por meio da promoção de práticas mais sustentáveis, em um esforço para fortalecer a segurança alimentar, minimizar os impactos socioambientais e incentivar soluções tecnológicas para a gestão dos recursos hídricos e o consumo e produção de energia nas comunidades dessas mulheres e meninas.
No município de Paraipaba, o projeto tem como foco ações integradas à educação das estudantes de escolas da rede pública de ensino, especialmente das unidades escolares: Escola Estadual de Educação Profissional Flávio Gomes Granjeiro, Escola de Ensino Médio de Tempo Integral Francisco Figueiredo de Paula Pessoa, Escola Municipal de Ensino Infantil e Ensino Fundamental Paulo Silva dos Santos e Escola Municipal de Ensino Infantil e Ensino Fundamental Complexo Escolar (Setor B).
Já em Itapipoca, a comunidade indígena Tremembé da Barra do Mundaú será o foco das ações do projeto, com um direcionamento especial ao público da Escola Indígena Brolhos da Terra, a fim de garantir a participação ativa das mulheres indígenas nas iniciativas de fortalecimento de suas atividades produtivas.
Protagonismo feminino
em comunidades tradicionais

O povo Tremembé da Barra do Mundaú, que já possui experiência significativa com relação ao protagonismo das mulheres indígenas, recebeu a proposta do Projeto Nexus com muita alegria. No território, as mulheres são organizadas em coletivos, como o Grupo de Mulheres Cunhã Porã. Dentro desse coletivo, também estão incluídas as meninas jovens, que são preparadas e formadas politicamente e socialmente para dar continuidade à herança de gestão territorial. Atualmente, o território é liderado por mulheres, e o desejo é manter essa sucessão para que as próximas gerações também sejam lideradas por elas.
“A chegada desse projeto da Embrapa ao território fortalece essa trajetória, valorizando um trabalho que já é realizado de forma intensa e responsável, sempre pensando no futuro da gestão territorial. O projeto traz reconhecimento para essa prática e fortalece a luta já existente. Além disso, vem para ajudar a desmistificar a ideia de que as ciências exatas são exclusivamente para homens. Enquanto escola e território indígena, queremos mostrar, por meio do projeto, o protagonismo das meninas também nessa área, especialmente na gestão territorial e na produção de alimentos de forma sustentável”, destaca Cleidiane de Castro Tremembé, professora da Escola Indigena Brolhos da Terra.
Além disso, a professora indigena ressalta que essas ações certamente influenciarão o futuro dessas meninas Tremembé, pois promoverão autonomia, formação acadêmica, fortalecimento cultural e protagonismo na luta e defesa do território, indo além das propostas iniciais ao estabelecer um espaço de diálogo com outros objetivos e possibilidades, uma experiência única para essas jovens.
“As meninas se sentem valorizadas, reconhecidas, e passam a se enxergar como importantes. Antes, éramos só nós que dizíamos isso; agora, com o projeto, outras pessoas também olham com bons olhos para essas ações. Isso precisa ser fortalecido e visibilizado”, enfatiza.
A Escola Indigena Brolhos da Terra, assim como o território da Barra do Mundaú, já tem diversas experiências que dialogam com a proposta do Projeto Nexus, tanto na produção de alimentos quanto em temas como energia e enfrentamento à violência provocada por certos meios de geração energética, que afetam os territórios indígenas e comunidades tradicionais. A escassez de água também é uma pauta importante para a realidade da comunidade.
“Essa é uma forma de valorizar mulheres que historicamente foram desvalorizadas, invisibilizadas e violentadas. O projeto traz um impacto importante para dentro e fora da escola. O objetivo é fortalecer e ampliar essas ações, envolver desde as crianças até as jovens do ensino médio. Fortalecer essa visão é essencial, pois permitirá que as estudantes comecem a enxergar possibilidades diferentes, oportunidades que, por exemplo, eu, enquanto professora não tive”, frisa Cleidiane Tremembé.
Ações voltadas para a realidade local
Por meio de ações como oficinas, capacitações, palestras e atividades práticas, essas mulheres serão qualificadas para aplicar tecnologias em suas rotinas de cultivo e produção de alimentos, além de serem incentivadas a explorar áreas como a computação, automação e robótica. Joel Cardoso, pesquisador da Embrapa e membro do projeto, destaca que a iniciativa apresenta toda uma demanda de estudo e envolvimento para realizar atividades que fazem parte do calendário escolar, além de propor outras atividades às escolas.
“Nosso foco é permitir que estudantes e professoras sejam apoiadas com bolsas e contribuam e se envolvam nas ações voltadas ao desenvolvimento de suas comunidades. Pensamos em ações que mitiguem problemas com relação à oferta hídrica, como o uso consciente da água. Quanto à questão energética, a ideia é pensar em soluções para reduzir custos com energia elétrica, com a possibilidade de conversão para outras fontes menos onerosas como a energia fotovoltaica, por exemplo”, enfatiza Cardoso.
Uma das abordagens do projeto Nexus é a utilização de quintais produtivos e agroindústrias como “laboratórios vivos”. Esses espaços serão usados para aplicar conhecimentos adquiridos nas salas de aula e criar soluções para problemas locais. Entre as ações a serem realizadas destaca-se a criação de plataformas digitais para o planejamento de quintais produtivos, um sistema baseado em tecnologia da informação que ajudará as mulheres do campo a otimizarem as condições de cultivos a partir das características ambientais e dos recursos disponíveis.
Esses quintais e agroindústrias, liderados por mulheres, oferecem um ambiente ideal para o desenvolvimento de soluções para questões como a escassez de água, a segurança alimentar e a necessidade de diversificação da produção. A colaboração com as comunidades locais, especialmente com as mulheres agricultoras e indígenas, são essenciais para garantir que as soluções propostas pelo projeto sejam realmente eficazes e aplicáveis à realidade das participantes.
Expectativas

Além de contribuir com a capacitação e inserção de meninas e mulheres no universo acadêmico e científico, espera-se que o projeto tenha um impacto duradouro nas comunidades envolvidas, reduza a evasão escolar, colabore para a redução da desigualdade social, e ainda fortaleça de forma sustentável a economia local.
A professora Mazé Carvalho de Castro, que é mulher trans, engenheira de alimentos, geógrafa e diretora da escola municipal de tempo integral Francisco Figueiredo de Paula Pessoa, no município de Paraipaba, destaca que a comunidade escolar recebeu o projeto com grande entusiasmo dada a importância de iniciativas educacionais que envolvam estudantes de escolas públicas.
“Focar em mulheres incentiva a busca pela igualdade de espaços representativos na sociedade. Essas parcerias são momentos ímpares, que abrem um leque de oportunidades para que essas estudantes possam desbravar a ciências e mostrarem seus potenciais. O projeto não só irá influenciar na permanência das meninas na escola e abrir portas para o ensino superior ou técnico, como também será instrumento de acesso a laboratórios, às pesquisas e aos conhecimentos tecnológicos”, ressalta a diretora.
Mazé destaca também que a gestão da escola sonha com a construção de laboratórios de ciências para estudantes do ensino fundamental: “assim irão sentir o prazer que é trabalhar com a ciência. Também temos projetos para envolvermos nossos alunos em ações de educação ambiental, sustentabilidade e reciclagem. Um laboratório fará toda a diferença para o conhecimento prévio na vida dessas alunas”.
Na fase inicial, o projeto está sendo implementado com a seleção de bolsistas e ações voltadas à sensibilização das comunidades escolares. As ações seguem em andamento, com atividades práticas sendo realizadas nas escolas e nas comunidades produtivas. Nos próximos meses novas etapas de capacitação serão realizadas, incluindo workshops e treinamentos sobre temas como o uso de tecnologias para otimização de recursos naturais, e o desenvolvimento de soluções inovadoras para a produção alimentar.
Parcerias
Além da Embrapa Agroindústria Tropical, o projeto conta com a parceria da Universidade Federal do Ceará (UFC), a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador e a Trabalhadora (Cetra), situados no Ceará; e da instituição alemã Karlsruhe Institute of Technology (KIT). O projeto conta também com o apoio das escolas de ensino fundamental e médio dos municípios de Paraipaba e Itapipoca.