Governador petista defendeu uso de drones gigantes para aplicação de produtos químicos em áreas produtivas. Prática é proibida no Ceará desde 2019.
No dia 6 de dezembro passado, o governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT) declarou que a pulverização de produtos químicos em plantações deve ser votada na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) até o fim deste ano.
“E, para não dizer que não falei, quero dizer aos colegas do agronegócio que aqui estão que, pelo que tenho de informação, a Assembleia, até o final do ano, vota e resolve esse problema, para termos condição de, com um drone, utilizar herbicida na produção de frutas e outras produções necessárias”.
O governador fez essa declaração durante evento promovido para grandes produtores do Estado e causou indignação aos movimentos sociais que lutam contra o uso de agrotóxicos no Ceará.
A proposta é flexibilizar a Lei Zé Maria do Tomé (16.820/2019), que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no Estado. A regra homenageia o agricultor de Limoeiro do Norte que foi assassinado em 2010 após denunciar os efeitos nocivos do uso de veneno nas plantações da Chapada do Apodi, no Ceará. A partir dela, o Estado passou a ser o único do País a ter a proibição.
O próprio Elmano é signatário da Lei e tem histórico de atuação nos movimentos sociais que mantém luta permanente contra a aplicação de produtos químicos nas plantações.
São três os projetos de lei que visam a alteração: 609/2023, 1075/2023 e 819/2024. Os documentos já foram aprovados na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia Legislativa do Ceará.
Corrida contra o tempo
Após a declaração, organizações civis em peso se manifestaram contra a proposta que chega às vésperas do recesso de fim de ano.
O Fórum Cearense de Convivência com o Semiárido lançou uma nota de repúdio em que denuncia os grandes impactos dessa possível liberação à saúde das pessoas, tanto na zona rural quanto nas cidades: “o veneno espalhado pelo vento contamina a fauna, flora, solos, água e pode atingir até comunidades inteiras!”.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) também denuncia o projeto como “um grave retrocesso nas políticas de proteção ao meio ambiente e à saúde pública”.
“A pulverização aérea, por sua natureza, aumenta os riscos de contaminação do solo, das águas e da biodiversidade, além de comprometer a saúde das pessoas, expondo trabalhadores e comunidades ao uso indiscriminado de agrotóxicos. Essa prática também causa conflitos nos territórios, incluindo o assassinato de trabalhadores”, afirma em nota.
Diversos movimentos já se manifestaram:
- Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares
- Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
- Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
- Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST)
- Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida
- Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará (Fetraece)
- Central Única dos Trabalhadores (CUT)
- Central Sindical e Popular Conlutas (CSP Conlutas)
- Fórum Cearense pela Vida no Semiárido (FCVSA)
- Articulação Cearense de Agroecologia (Arca)
- Associação Brasileira de Agroecologia (ABA)
- Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)
- Seminário Regional de Formação da Campanha da Fraternidade 2025
- Movimento Igreja em Saída
O deputado estadual Renato Roseno (PSol), autor da Lei Zé Maria do Tomé, argumenta que Elmano está cedendo à pressão do agronegócio: “faz tempo que o agronegócio tenta derrubar a Lei Zé Maria do Tomé. Tentaram fazer pânico, tentaram com falsos argumentos e tentaram nos tribunais (até no STF). Perderam em todas as vezes. Agora pressionam sob o falso argumento de o drone ser mais seguro e ganharam o governador”.
Também é contrário à proposta o deputado estadual Missias do MST (PT). O parlamentar declarou, ao Opinião CE, que o projeto já nasce “falido”. “Jogar veneno e matar a diversidade que temos em detrimento de ter que aumentar a produção, ‘porque o agronegócio tem que avançar para a exportação e garantir a balança comercial’, é um discurso que não funciona mais”, destacou.
Drones gigantes
Os equipamentos previstos para a pulverização de agrotóxicos não são os drones mais populares, de pequeno porte, mas máquinas que pesam toneladas e com capacidade de carregar até 900 litros de material químico.
“Nesse sentido, os dados são alarmantes: Só no primeiro semestre de 2024, por exemplo, o número de casos de contaminação por agrotóxicos saltou de 19 para 182, um aumento de 950% em relação ao mesmo período de 2023!”, denunciou Roseno pelo Instagram.
Doenças e mortes
Em outubro deste ano, o Tribunal Popular dos Agrotóxicos, ato simbólico realizado por movimentos sociais no fim de outubro, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza, trouxe diversos casos de comunidades gravemente adoecidas pelo contato direto ou indireto com agrotóxicos.
Situações como a da Ana Laura Freitas, falecida aos quatro meses de vida, após ser diagnosticada com um câncer infantojuvenil raro e agressivo. A família dela é da comunidade de Tomé, em Limoeiro do Norte, no Ceará.
A cidade fica no Baixo Jaguaribe onde são registradas duas vezes mais internações por câncer do que nos municípios vizinhos, segundo artigo de pesquisadores da UFC publicado em 2017. O local é polo de produção de frutas em larga escala.
Outro estudo do Núcleo Tramas aponta evidências de casos de malformações congênitas e puberdade precoce na mesma comunidade, a partir de intensa exposição aos agrotóxicos.
O Tribunal Popular também ouviu relatos de adoecimento no assentamento Maceió, no município de Itapipoca, no litoral oeste cearense. Lá, vivem cerca de 900 famílias no entorno de plantações de coco.
Em 2019 a comunidade registrou o caso do adolescente Paulo Igor Martins, de 14 anos. O rapaz, até então saudável, morreu em apenas 16 dias após apresentar fadiga, pele e olhos amarelados. Ele foi diagnosticado com “hepatite fulminante”. A mãe, Israelita Martins Alves, de 40 anos, conta que a família vivia cercada por plantações de coco que recebem pulverização de agrotóxicos. Além disso, ela denuncia que a fonte de abastecimento de água da comunidade é a mesma utilizada por várias empresas para irrigar as lavouras de frutas.
Dados colhidos pelo Repórter Brasil apontam aumento dos casos de câncer no município de Itapipoca a partir de 2018.