Pesquisadores defendem criação de bioma marinho no Brasil

Foto de corais na expostos pela maré baixa com o mar ao fundo sob céu azul com nuvens brancas

As leis brasileiras não reconhecem oficialmente o bioma marinho e por não existir formalmente, não há instrumentos de políticas públicas de gestão | Foto: Alice Sales

A área marinha brasileira equivale a dois terços do território continental: 5,7 milhões de km². Vinte por cento do PIB brasileiro provém de atividades oceânicas, pessoas que trabalham com pesca, aquicultura, navegação, mineração, turismo e outros. No oceano se formam as chuvas que irrigam plantações no Centro-Oeste; a zona costeira, junto com o mar, amortece as consequências das mudanças climáticas sequestra e estoca carbono. E, embora concentre esses e outros valores, as leis brasileiras não reconhecem oficialmente o bioma marinho. E por não existir formalmente, não há instrumentos de políticas públicas de gestão.

Faltam dados oficiais, há lacunas nas informações e dificuldades para a formação de parcerias institucionais, fatos que as universidades e instituições de pesquisa procuram reverter. E foi com base em pesquisas científicas que foi construído o Sumário para Tomadores de Decisão do “1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos”. Esse documento foi lançado na última quinta-feira (23) pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e pela Cátedra Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para a Sustentabilidade do Oceano.

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Apresentado pelas cientistas Cristiana Seixas, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Beatrice Padovani, cientista em Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pelo professor da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano na Universidade de São Paulo (USP), Alexander Turra, o sumário contribui para o melhor conhecimento dos benefícios e desafios da conservação marinha-costeira no País. É dirigido a lideranças e gestores públicos e privados e ao cidadão comum.

O Sumário traz as mensagens-chave e os resultados consolidados no Diagnóstico, elaborado por 53 especialistas acadêmicos e governamentais, 12 jovens pesquisadores e 26 representantes de povos indígenas e populações tradicionais do Brasil, em diálogo com atores do poder público e da sociedade civil.

Cristiana Seixas informou que o documento é composto por seis capítulos, em cada capítulo tem um sumário executivo. O primeiro capítulo diz sobre as contribuições da conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos para a sociedade, o segundo sobre histórico de mudança do estado atual da biodiversidade na zona marinha costeira do Brasil.

O terceiro contém os vetores de mudança da biodiversidade do serviço ecossistêmicos; o quarto, cenários futuros de transformação para zona marinha-costeira; o quinto traz oportunidades de governança para restaurar e conservar; e o seis é um capítulo inovador, construído a partir do conhecimento dos representantes de povos indígenas e populações tradicionais, das falas deles, um processo de coleta e redação conjunta.

Comunidades tradicionais

“O diferencial desse diagnóstico é pela primeira vez reunir essa quantidade de informação de uma forma sistemática e com esse olhar para bens e serviços. E além disso também traz essa visão das comunidades tradicionais. Eu acho que isso é bastante inédito também por considerar não somente o conhecimento científico. Mas também essa escuta dos povos tradicionais, comunidades indígenas”, reforça Beatrice Padovani.

Considerando o resultado do trabalho, Alexander Turra destacou a identificação de lacunas de conhecimento que precisam ser preenchidas. Com um tom de internacionalização, o pesquisador ressalta: “a gente está falando de um movimento mundial que dialoga com o movimento nacional e subnacional e precisa ter de forma muito objetiva uma estratégia para preencher essas lacunas. Por exemplo, como a gente vai preencher a lacuna das estatísticas, pesqueiras? As estatísticas pesqueiras estão relacionadas a quanto se desembarga de pescado em um entreposto. Mas, para termos melhores informações, precisamos avaliar os estoques no mar. A gente está fazendo muito mal a primeira parte. E a segunda? Estamos muito longe de conseguir”.

Políticas públicas

“O desafio que está por trás disso tudo [é a necessidade de] transformar em política de estado. O que é política de governo e que normalmente sofre com as trocas de poder com as alternâncias de visões de partidos, de pessoas no poder. Resiliência do processo de governança, ele precisa ser fortalecido, e esse é um grande desafio”, conclui Turra.

Esse diagnóstico é o mais completo levantamento já realizado sobre a biodiversidade marinha-costeira brasileira e os seus serviços ecossistêmicos; contou com um apoio de emenda parlamentar e da Secretaria da Comissão Interministerial dos Recursos do Mar, o que revela que o diálogo institucional já está em andamento, como observou Cristiana Seixas: “na construção do diagnóstico a gente já começou o diálogos com os governos, em diversos níveis. Quando nós fizemos o delineamento, o escopo, enviamos para mais de 60 tomadores de decisão em cargos-chaves nos ministérios em algumas secretarias estaduais, também para colher quais seriam as demandas deles, quais informações eles precisam para tomar decisão.

Nação Oceânica

O relatório constata que o Brasil é uma nação oceânica. São 10 mil Km de linha de costa, com vários ecossistemas interconectados e 40 grandes estuários; 8,4% dos manguezais do Planeta. A costa nacional é um território extremamente disputado e rico em diversidade de paisagens, habitantes e culturas. Um total de 443 municípios, 13 das 27 capitais e 18% da população brasileira, uma área de grande intensidade populacional com 61 terras indígenas, 14 povos, 111 territórios quilombolas e inúmeras comunidades tradicionais como extrativistas, caiçaras, marisqueiras, e pescadores que tem nessa região seu principal sustento, modos de vida e estão permanentemente sujeitos ameaças e conflitos.

Beatrice Padovani relata que a influência da zona oceânica regula o clima de uma vasta região continental e, além disso, há a contribuição em segurança alimentar, energia e a saúde mental. É difícil mensurar os bens imateriais produzidos pelo oceano. “Nós mencionamos um valor econômico de 20% do PIB, mas isso é bastante subestimado porque na verdade essa conta não inclui os benefícios de regulação que a natureza provê e nem os valores culturais, sociais e psicológicos, essenciais para o bem-estar humano”.

E ainda há espaço para ampliar a economia da mulher, a economia do mar, mas é preciso incluir o valor do ambiente bem conservado, porque o que a gente está perdendo de serviço, talvez não compense o que ganhamos em produção. Prova disso é o dado sobre a pesca artesanal: esta produz mais da metade de todo o pescado utilizando um oitavo do combustível gasto pela indústria pesqueira e emprega 25 vezes mais pessoas.

Além disso, a cientista salienta que a conservação permite a utilização de organismos marinhos que podem desenvolver produtos não encontrados. As pesquisas ainda são incipientes nessa área. Outra questão a ser considerada são os conhecimentos tradicionais, que podem contribuir para isso e precisam ser protegidos. Tais oportunidades se sobressaem enquanto os pesquisadores constatam que dentre o universo conhecido de espécies marinhas, 160 delas estão ameaçadas de extinção.

O Diagnóstico mostra que as alterações dos ecossistemas na zona marinha-costeira são diversas e complexas. Entre as principais causas da perda da biodiversidade marinha-costeira no País estão:

  • Ocupação desordenada e mudanças no uso do solo que danificam e suprimem áreas naturais (como aterramento de manguezais e supressão de áreas de restinga), ocasionando estreitamento da costa e perda de habitat de inúmeras espécies
  • Poluição (plástico, poluentes industriais e excesso de nutrientes derivados de fertilizantes agrícolas e de esgotos)
  • Sobre-exploração de recursos e má gestão da pesca (que acarretam aumento do número de espécies ameaçadas de extinção, colapso de estoques pesqueiros e insegurança alimentar)
  • Introdução de espécies exóticas invasoras e as mudanças climáticas

Mas os pesquisadores acreditam que os problemas podem ser freados a partir do conhecimento, por meio de uma ação rápida e articulada em todas as esferas e níveis, e um arranjo de governança com o engajamento de todos os cidadãos.

O download do Sumário para Tomadores de Decisão do “1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos” está disponível neste link.

A previsão de lançamento da íntegra dos seis capítulos do “1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos” é para junho de 2024.

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