Boqueirão (PB). Na Região Metropolitana de Campina Grande (RMCG), o município de Boqueirão abriga o Açude Epitácio Pessoa, responsável pelo abastecimento dos municípios próximos e, principalmente, Campina Grande, que tem a metade dos habitantes da capital da Paraíba, João Pessoa, 418,1 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não muito distante, o município abriga outra riqueza, natural e arqueológica, o Sítio Arqueológico Lajedo do Marinho.
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Flávio Augusto de Aguiar Moraes, professor adjunto do Curso de História e coordenador do Núcleo de Pesquisas e Estudos Históricos e Arqueológicos da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) – Campus do Sertão, conta que no Distrito do Marinho há uma grande quantidade de sítios arqueológicos, de pinturas rupestre e sítios funerários.
“Nós, até o momento, realizamos escavações em um destes sítios, o Sítio Pedra da Tesoura, onde fizemos a datação que deu uma cronologia de aproximadamente 1.500 anos antes do presente. Nele identificamos cerca de 24 indivíduos sepultados em um abrigo sob rocha. Os sepultamentos são todos de deposição secundária, sendo alguns de cremação e um deles apresentando ossos com pigmentação avermelhada. Além do material ósseo, identificamos também muitas contas de colar, feitas de ossos de ave, e dentes de animais”.
Segundo suas informações, o Sítio Pedra da Tesoura é altamente relevante arqueologicamente em âmbito regional, pois permitiu caracterizar padrões de sepultamentos e compreender como os povos pré-históricos que ocuparam o abrigo da pedra da tesoura lidavam com seus entes no momento de morte.
Sobre o potencial para futuras escavações, afirma: “A localidade tem um potencial incrível, com muitos sítios com material ósseo aflorando. E para que não percamos estas informações, que nos farão compreender um pouco mais sobre o modo de vida dos povos pretéritos, é importante ampliarmos os pontos de escavações e análise.
O pesquisador destaca que o Museu do Marinho foi construído pela própria comunidade: “Desde sempre demonstraram sensibilidade com esse patrimônio arqueológico, e o sentimento de pertencimento, que é algo pouco visto. No momento estamos resolvendo questões legais junto ao Iphan (Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional) para que possamos armazenar o material arqueológico neste espaço”.
Sobre o estado de preservação, o estudioso reconhece que há muita depredação, especialmente o patrimônio relacionado aos povos originários. “Isso tem muito a ver com o nosso modelo de colonização, com a imposição de uma mentalidade eurocêntrica, aquilo que nos foi imposto e que nossa sociedade acaba reproduzindo até os dias hoje. Mas, no caso do Marinho, ocorre algo diferente e que nos deixa felizes e com esperança. A comunidade se apropriou deste patrimônio arqueológico e são os maiores agentes de preservação”.
E como envolver a comunidade? Flávio Moraes responde: “é importante apresentarmos as evidências de forma compreensível, uma espécie de transposição didática. Os pesquisadores precisam se aproximar ao máximo da comunidade e estabelecer um diálogo constante. E aí, a comunidade conhecendo, e, quem sabe, criando laços de identidade com esse patrimônio, passem a atuar na preservação”.
Grandes atrativos aos visitantes: “o Marinho tem um potencial turístico pouco visto no Nordeste, e no Brasil. Para mim, o maior atrativo são os moradores, as pessoas que ali vivem. Desde a primeira vez que lá chegamos somos tão bem tratados que nos sentimos em casa. Além desse fator, as belezas naturais e a riqueza histórica e são imensuráveis”.
Turismo Comunitário
Cercado pela vegetação da Caatinga, o distrito de Marinho é pequeno e realmente acolhedor aos visitantes, oferece hospedagem, alimentação, artesanato e boa conversa. A movimentação neste sentido começou em 2014, com o apoio do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas da Paraíba (Sebrae-PB), conta Letinho, um dos condutores turísticos da comunidade.
Janeiro, por causa das férias, e junho, em função das festas juninas, são os meses de maior procura. Há opção de hospedagem nas casas dos moradores do distrito e em área de camping que conta com barracas e colchonetes para aluguel. Entre as atividades desenvolvidas, o rapel na Pedra do Gavião é um dos mais requisitados.
Uma outra opção de renda, ainda na linha do turismo comunitário, é o artesanato. Carmem Lúcia de Lira Ferreira, 59, conta que os consultores do Sebrae procuraram saber que tipo de atividade as mulheres da comunidade, a maioria professoras e funcionárias públicas do Município, costumavam fazer para passar o tempo. O crochê foi o que as uniu e daí nasceu a Associação das Crocheteiras e Condutores Turísticos do Lajedo do Marinho (Crochêma).
Foram oferecidos cursos para o conhecimento sobre materiais e possibilidades que promoveram uma explosão de criatividade na comunidade. Até as árvores se vestiram das cores do crochê como forma de valorização dos espaços públicos e promoção da atividade. Com o seu desenvolvimento e as conexões estimuladas pela consultoria do Sebrae, elas já até participaram de eventos na área de artesanato e turismo.
O grande orgulho da comunidade foi já ter recebido a ilustre visita de Rodrigo Hilbert. Tendo como cenário o Lajedo, em 2017 ele cozinhou famoso rubacão, receita da culinária brasileira que é a cara da Paraíba, no seu “Tempero de Família”. O prato, muito parecido com o baião de dois, leva arroz, carne de sol, feijão-de-corda ou feijão-verde. O programa, que foi apresentado, reapresentado e está no streaming, ainda atrai visitantes ao pequeno distrito dos Marinhos.