Nova Olinda – CE. Na localidade da Vila Alta, em Nova Olinda, no Cariri cearense, o ateliê de redes da Mestra Dinha é agora também um museu orgânico. A artesã, de 68 anos, foi a primeira mulher a ser homenageada pelo projeto, encabeçado pelo Serviço Social do Comércio (Sesc), Fecomércio e Fundação Casa Grande, para fortalecer o turismo cultural nos espaços de memória do Cariri.
No dia 9 de agosto, a casa de Raimunda Ana da Silva, mais conhecida como Dona Dinha, passou a ser identificada como Museu Casa Oficina Mestra Dinha, um espaço de tradição importante para a cultura local. No encerramento do festejo teve o forró pé-de-serra de Joquinha Gonzaga, sobrinho de Luís Gonzaga.
Mestra Dinha
O barulho da madeira do tear conduz cada pequeno gesto de Mestra Dinha que ainda tem forças nas pernas e nos braços para puxar o pente. Do bairro Vila Alta em Nova Olinda, o tempo de Dinha passa na parte de cima da porta, primeiro pela vista, depois pelos pés. Uma rede por semana, um ponto por dia e assim por diante.
Católica, Raimunda Ana da Silva, mais conhecida como Dona Dinha, possui uma imagem de São Jorge pendurada no alto da porta de entrada da sua casa que, recentemente, entrou em reforma com a proposta de instalação do Museu Orgânico.
As mãos de Mestra apresentam as marcas de dois caminhos, da roça e do artesanato. Foi observando a irmã mais velha fiar e tear redes que Mestra Dinha começou a aprender sobre o manuseio de tecidos. Ela tinha 12 anos quando fez a primeira rede e, para ela, o aprendizado era um suspiro para além da rotina de trabalho.
Nascida em mês de dezembro e criada na cidade de Nova Olinda, Dinha explica que não sabe ao certo com quem a irmã aprendeu, apenas quis fazer como ela. “Eu aprendi vendo as outras pessoas fazendo, fiquei observando de longe, ela tava fazendo e eu só vendo, daí fui fazer no outro dia sozinha”, conta. Dos nove irmãos, apenas as mulheres se interessaram pelas redes. O processo de produção exige de cada artesã um trabalho específico, por exemplo, Dinha faz a tanga da rede, o fundo, e as suas irmãs e sobrinhas finalizam o trabalho com as tranças.
Quando mais nova, a Mestra relembra que fazia até três redes por dia, hoje se dedica de forma mais intensa a fazer uma por semana. “Se eu for tirar uma no dia eu tiro, mas não tem precisão de tecer avexado… Aí eu cuido de casa, boto uma rede hoje, tiro o pano, boto amanhã”, explica. Em uma estante no quarto, Dinha mostra os trabalhos recentes e explica o nome de cada peça diante do próprio ato de fazer da rede. Para a artesã, hoje não há nenhum processo complicado. O tempo desfez o mistério.
“Liço”, queixa, braço, “orgo”, pente, rasteira, cartel, canela e lançadeira são todas as partes da grande máquina de tear que Mestra Dinha guarda no quintal. Ela brinca e diz que as madeiras são mais velhas do que a memória dela. Lado a lado, a antiga máquina disputa espaço com um modelo mais recente.
Embora o pente seja o mesmo, de preferência de carnaúba, as madeiras estão mais sofisticadas e as linhas mais prontas. “É a mesma coisa, a diferença é que hoje tá mais fácil, os fios já vêm prontos. Quero dizer que a gente fazia isso, comprava o fio, novelava, batia para tingir nos tachos e hoje não, já vem pronta a mercadoria”, relata sobre o passo a passo enquanto sobe na máquina e mostra como o corpo faz parte da arte.
Os pés, em cima de uma plataforma de madeira, se mexem para frente junto com as pernas e os braços que fazem o mesmo movimento. Dinha conta que a arte também é física para o organismo. As redes feitas por ela são grandes e se destacam diante do formato tradicional comercial da feira tanto por apresentarem maior resistência como também por trazerem os pequenos gestos sábios da Mestra.
Dona Dinha lamenta o fato de os celulares terem distanciado as meninas do artesanato. Pelo fato da atividade de fazer redes estar associada às mulheres, elas ainda são as mais presentes no artesanato, embora o falecido companheiro da Mestra, Gabriel, também ajudasse em alguns pontos de costura. O desejo de ensinar perpassa a fala de Dinha.
“A gente trabalha para as mães, tudo junto, hoje somos independentes. Eu digo: ‘vamos aprender isso aí para essa arte não cair, se um dia eu viajar, vocês ficam’”, fala. É nesse ponto que a Mestra destaca a principal utilidade do museu: contar a história das mulheres que quiseram ir além da roça. “Eu me sinto feliz”, completa a Mestra ao oferecer uma laranja da fruteira e observar o sol cair atrás na Chapada do Araripe.
Museus Orgânicos
Objetos que simbolizam as tradições, fotografias, vestimentas, instrumentos são alguns dos elementos que integram os acervos dos 16 Museus Orgânicos dos Mestres de Cultura Tradicional do Cariri.
Compreendendo a cultura de tradição como parte integrante da expressão humana, o Sesc, braço social do Sistema Fecomércio Ceará e Fundação Casa Grande são incentivadores dos Museus Orgânicos dos Mestres de Cultura Tradicional do Cariri.
A iniciativa tem a missão de trazer a um circuito de turismo social e cultural e fomentar uma rede de espaços de memória, fortalecendo essas expressões tradicionais, já reconhecidas pela comunidade em que cada Mestre vive e construiu sua história.