Risco de desertificação avança 170 mil km² no Brasil

A fotografia em plano aberto mostra um solo predominantemente em tons de laranja-avermelhado, seco e pedregoso. No centro e primeiro plano, há um pequeno arbusto retorcido e seco, com alguns pequenos brotos verdes na base e nas pontas dos galhos, projetando uma sombra no solo. Mais ao fundo, a vegetação se torna mais densa e de cor verde-escura e oliva, formando uma linha de horizonte irregular que se estende por toda a largura da imagem sob um céu azul claro com nuvens brancas esparsas
Entre os anos de 2000 e 2020, esse território suscetível à desertificação expandiu 170 mil km2 | Foto: Camila de Almeida

Por Alice Sales e Isabelli Fernandes

A desertificação, suas consequências e diretrizes para seu enfrentamento foram pautas importantes da 30ª Conferência do Clima da ONU (COP30), realizada no último mês, em Belém (PA). Para se ter ideia, cerca de 18% do território brasileiro pode passar por este processo, sendo que grande parte desta área está localizada na região Nordeste, nas Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD) e seus entornos.

Segundo o Boletim Desertificação, documento lançado neste ano como resultados de pesquisas realizadas por uma coalizão entre o Instituto Nacional do Semiárido (Insa), Observatório da Caatinga (OCA), Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), nessas áreas vulneráveis e em seus entornos vivem aproximadamente 39 milhões de pessoas, que poderão sentir os efeitos deste fenômeno que afeta a produtividade dos solos, os recursos hídricos e a biodiversidade, e que compromete a segurança alimentar, a economia rural e a qualidade de vida das pessoas que habitam esses territórios.

É importante ter atenção para um dado apontado pelo Boletim: entre os anos de 2000 e 2020, esse território suscetível à desertificação expandiu 170 mil km2, fato que alerta para a urgência de medidas de enfrentamento deste desafio socioeconômico que pode resultar em maiores desigualdades sociais, intensificação da pobreza rural e migrações forçadas.

Regiões que antes eram caracterizadas por climas úmidos, como algumas áreas do Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, agora enfrentam o clima subúmido seco. A nova zona árida entre Pernambuco e Bahia, com 6 mil km², é um exemplo evidente das consequências dessas transformações.

Mais secas e
insegurança alimentar

De acordo com estudos realizados entre 2001 e 2021, a degradação cresceu até 5,5% nas terras de pequenos agricultores. Territórios Indígenas e Quilombolas também perderam áreas conservadas. Isso significa menos milho, feijão, mandioca no prato e mais insegurança alimentar nas mesas das pessoas que vivem no sertão. Além disso, As secas severas, cada vez mais longas, atingiram 90% das áreas suscetíveis à desertificação e deixaram metade desse território por mais de três anos consecutivos sob colapso hídrico. O resultado é cruel: rios secando, preços de alimentos subindo e famílias dependendo de programas de emergência para não passar fome.

É no Norte e no Nordeste onde esses impactos tendem a ser ainda piores. Já é possível observar que algumas áreas dessas duas regiões já registram mais de 54 meses sob seca severa e longa, ou seja, mais de 15% do tempo avaliado. Nas Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD) e entorno, 90% do território registraram ao menos 18 meses de seca severa, enquanto 50% dessas áreas passaram mais de 36 meses nessa situação crítica.

Caatinga é o bioma
mais ameaçado

A Caatinga, bioma exclusivo do território brasileiro, é um dos mais afetados, com 11% de sua extensão em estado de degradação crítica e severa, o que equivale a 100 mil km2. Além disso, as pesquisas apontam que na extensão das áreas conhecidas como Suscetíveis à Desertificação esses processos já afetam de forma crítica e severa 14,2% do território, com sinais claros de erosão e a diminuição dos teores de carbono, fósforo e nitrogênio nos solos.

Para Aldrin Marin, pesquisador do Insa e um dos autores do Boletim Desertificação, é um grande desafio romper com um círculo vicioso que se retroalimenta há décadas no Brasil, sustentado por um processo histórico-colonial que aprofunda desigualdades e fragiliza o território. Segundo o cientista, esse ciclo tem sido a raiz da desertificação, da perda de biodiversidade e do agravamento das mudanças climáticas.

“É justamente essa lógica histórica que se atualiza no presente. O modelo econômico atual, baseado em commodities e grandes empreendimentos, tem agravado a crise. Usina eólicas e solares mal planejadas, agronegócio, monoculturas irrigadas e mineração intensiva ocupam o território sem respeitar limites ambientais nem as comunidades locais”, destaca.

Semiárido como
exemplo de convivência

Apesar da vulnerabilidade de suas áreas, o Semiárido brasileiro vem conquistando protagonismo como laboratório de resiliência e exemplo de convivência com os efeitos das adversidades climáticas, principalmente por meio de práticas agrícolas sustentáveis e regenerativas, ao mesmo tempo em que protege sua biodiversidade.

“No coração do Semiárido, brotam práticas de Agroecologia, cisternas comunitárias, quintais produtivos e bancos de sementes crioulas. Experiências que mostram que resistir é possível e que regenerar a terra é também regenerar a dignidade. É o momento de fazermos do Semiárido um espaço de produção de soluções que contribuam para reverter o quadro atual de degradação e promover a sustentabilidade na nossa região. Ao lado de nossos parceiros, instituições científicas e comunidades locais, vamos trilhar o caminho para garantir um futuro próspero para o Semiárido brasileiro”, ressalta Aldrin Marin.

Para o pesquisador, a convivência com o Semiárido, a preservação da Caatinga e o combate à desertificação exigem uma abordagem integrada que contemple as potencialidades da região e promova soluções adequadas às suas características ambientais e sociais. Esse caminho envolve uma mudança de paradigma, especialmente em relação ao modelo de desenvolvimento econômico atual.

“O sistema de consumo desenfreado e o modelo econômico linear de produção e exploração dos recursos naturais são incompatíveis com a ideia de desenvolvimento sustentável. Para combater a desertificação, é necessário adotar uma visão holística, que priorize a conservação ambiental e a justiça social”, ressalta.

Caminhos para soluções

Marin destaca como caminho para soluções a transição para energias renováveis, como a eólica e a solar, que já representam uma parte significativa da matriz elétrica brasileira, mas enfatiza que a transição deve ser acompanhada por uma gestão que respeite os ecossistemas e os direitos das populações locais. A democratização do acesso à terra, a regularização fundiária e a garantia dos direitos territoriais das comunidades quilombolas e povos indígenas como questões fundamentais para o avanço de um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável.

“Precisamos substituir a lógica de ‘viver melhor’, que assume um crescimento ilimitado e a exploração desenfreada dos recursos naturais, pelo ‘bem viver’. Conceito baseado em suficiência, equilíbrio e harmonia com o meio ambiente, que propõe um modelo de desenvolvimento mais sustentável, que respeita os limites naturais do Planeta”, finaliza.

As diretrizes propostas pela Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNCCD) indicam que o enfrentamento da desertificação deve ir além da recuperação ambiental, devendo promover mudanças estruturais nos territórios, com participação social, valorização dos saberes locais, transversalidade nas políticas públicas e fortalecimento da resiliência comunitária.

Para enfrentar esses desafios, a Sudene vem atuando por meio do Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste (PRDNE), com duração entre os anos de 2024 e 2027, abordando a desertificação como um desafio estratégico para o Nordeste brasileiro, com ações específicas voltadas para o combate e a mitigação desse processo:

  • Recuperação de ecossistemas degradados, com prioridade para o bioma Caatinga, mediante ações de revegetação, manejo sustentável do solo e implementação de sistemas agroflorestais adaptados ao Semiárido
  • Ampliação da infraestrutura hídrica, com construção de barragens, cisternas e sistemas de irrigação eficientes, garantindo acesso à água para consumo humano e produção
  • Fomento a práticas produtivas resilientes, como a Agroecologia e a criação de animais adaptados, associadas a programas de capacitação técnica e acesso a mercados
  • Monitoramento e alerta precoce, com modernização de sistemas de acompanhamento da degradação do solo e integração de dados climáticos

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