
Belém (PA). A COP30 levou o Brasil ao centro de um novo interesse global pelos manguezais, não pela perda irreversível, mas pela chance de reversão da degradação e freio aos avanços sobre esses ecossistemas importantíssimos. E quem melhor para analisar esta movimentação do que a cientista que estuda há décadas estas florestas costeiras?
Formada em História Natural, Yara Schaeffer-Novelli, professora sênior do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), no alto dos seus mais de 80 anos, passou as duas semanas da COP30 em Belém e acompanhou de perto essa movimentação. “Eu vi esse interesse nascer agora. Muito interesse de ONGs europeias querendo trabalhar com manguezais brasileiros. Eles querem plantar mangue”, afirma.
Adesão brasileira
O foco internacional em plantio e restauração dialoga com cifras e iniciativas como o Mangrove Breakthrough, ao qual o Brasil aderiu oficialmente neste ano, em Nice, França. Atualmente, 44 governos endossam a iniciativa. Juntos, eles representam cerca de 40% da cobertura total de manguezais do Planeta.
Na COP30, os estados do Pará, Sergipe, Pernambuco, Maranhão e Amapá, e a cidade de Aracaju anunciaram a adesão, juntando-se ao governo federal e ao Rio de Janeiro. Eles se comprometeram a colocar um dos ecossistemas mais importantes para o combate às mudanças climáticas no centro da construção da resiliência das comunidades.
Onde o investimento deve estar
Mas, para a professora Yara, a conservação começa antes da semente. “O Brasil perde apenas 1% ou 2% de área de manguezal por ano. Isso dá para resolver. É possível mitigar essas perdas com medidas administrativas, gestão correta e, principalmente, fazer valer a força da lei”.
A cientista, cofundadora do Instituto Bioma Brasil, enumera ameaças que se repetem: dragagens, aterros, marinas, resorts, condomínios, resíduos sólidos e esgotos, como os que desaguam sobre rios do Recife”, diz.
Para ela, a proteção dos manguezais depende mais de ação institucional: “o manguezal precisa de lei aplicada, de fiscalização, e de agentes atuando. Precisamos fortalecer os servidores e exigir mais concursos públicos para o Ibama e o ICMBio. Quem conserva de verdade são os moradores das reservas extrativistas, os técnicos e fiscais que vivem nelas”.

Maior extensão contínua do Planeta
A pesquisadora defende uma visão de país, não de fronteiras regionais. “Nordeste ou Norte? Manguezal não respeita rótulos. É um patrimônio brasileiro. No Amapá, Pará e Maranhão temos a maior extensão contínua de manguezais do mundo, a maior do Planeta”.
A presença crescente do manguezal na agenda climática, para ela, é reflexo da sua importância socioambiental e cultural: “não olhamos só para a gente, só para a canoa ou só para o caranguejo. Olhamos para cultura, religião, festa, competição de jangadas e canoas. Essa vida social, cultural e espiritual dependente do manguezal e é esplendorosa. Não tem dinheiro que pague. É isso que dá valor, soberania. O resto é soberba”.
Manguezal tratado como floresta
A missão pós-COP, segundo ela, é estratégica: inserir os manguezais nos grandes compromissos climáticos de manutenção das florestas tropicais. “Manguezal é floresta tropical e intertropical. A parte vegetada, as árvores de mangue, precisam estar no projeto ‘Florestas Tropicais para Sempre’ (o famoso TFFF -Tropical Forest Forever Facility). Lutemos pelo futuro que queremos”.
Para ela, este horizonte é estuarino e humano: “quero um Brasil rico em manguezal, rico em povo: caiçaras, marisqueiras, catadores de caranguejo, católicos e fiéis das religiões de matriz africana. Por isso não podemos perder nossos manguezais. Não podemos abusar da sorte”.
E encerra com mais uma lição de vida: “povo educado é o que conhece o valor do recurso natural que tem. Educação é conservação. Somos responsáveis e somos apenas inquilinos do Brasil. Precisamos conservar o que herdamos. Desmatamento zero e lei aplicada não são luxo. São condições de existência”.
Protagonismo feminino
Outro destaque da professora Yara foi para o protagonismo feminino. “Na COP, falou-se muito da mulher como pescadora, que muitas vezes é invisível. Ela pesca igual o homem. É tão competente que ainda gere a casa, a alimentação, a escola das crianças e processa os frutos do mar colhidos por elas nas marés baixas”.
As jornalistas Maristela Crispim e Isabelli Fernandes viajaram a Belém para a cobertura da COP30 com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e estão hospedadas na Casa do Jornalismo Socioambiental, uma iniciativa que reúne profissionais e veículos brasileiros especialistas de todo o País para ampliar abordagens e vozes sobre a Amazônia, clima e meio ambiente.


