Vazão de rios e nível do mar ameaçam regiões litorâneas

A queda no volume das chuvas, que provoca a diminuição da vazão dos rios, e a elevação do nível do mar têm acelerado a erosão na costa nordestina

A imagem mostra uma praia de águas calmas e cristalinas, com pequenas ondas se formando próximas à areia clara. À esquerda, algumas pessoas estão dentro do mar, aproveitando o banho. À direita, a faixa de areia é larga e se curva suavemente até encontrar um paredão natural coberto por uma vegetação densa e verde. Esse paredão, formado por falésias amareladas, contrasta com o azul do céu limpo, que domina a parte superior da imagem
Praia do Madeiro, localizada em Tibau do Sul (RN), conhecida por sua paisagem exuberante e águas mornas | Foto: Alice Sales

Um recente estudo realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo) em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), alerta para o risco de desaparecimento de pequenas localidades à beira mar nas regiões Norte e Nordeste do País, como consequência das mudanças climáticas. O fenômeno pode ocorrer por causa de dois fatores: ambas as regiões vêm sofrendo com a queda no volume das chuvas, o que provoca a diminuição da vazão dos rios. Junto a isso, a elevação do nível do mar tem acelerado a erosão na costa brasileira, o que atinge diretamente as praias e as comunidades costeiras.

O geólogo José Maria Landim Dominguez, professor da UFBA e pesquisador da rede Inpo explica que, com menos chuvas, os rios transportam menos sedimentos, como areia e lama, até o mar. Esses sedimentos são fundamentais para a manutenção das praias, uma vez que são eles que alimentam o litoral e são redistribuídos pelas ondas.

Quando há menos sedimento chegando à costa comparado ao que as ondas removem ou redistribuem, inicia-se um processo de erosão. Ao mesmo tempo, o nível do mar vem subindo devido à expansão térmica das águas oceânicas e ao derretimento de geleiras. Isso altera o equilíbrio da linha de praia, empurra-a para dentro do continente. A combinação desses fatores, menor aporte de sedimentos e elevação do nível do mar, acelera o processo de erosão costeira, principalmente nas áreas próximas às fozes dos rios.

“É uma equação perigosa: rios com menos água trazem menos sedimentos, enquanto o mar avança. Com isso, as praias encolhem ou desaparecem”, destaca.

Os dados que apontam a tendência de queda da vazão fluvial são confirmados por gráficos que mostram a quantidade de água transportada pelos rios ao longo do tempo, conhecidos como hidrograma. A menor vazão tem desencadeado processos de erosão, principalmente nas fozes. Com menos aporte de sedimentos e o nível do mar em elevação, cresce de forma preocupante a vulnerabilidade da zona costeira”, alerta Landim.

“É uma equação perigosa: rios com menos água trazem menos sedimentos, enquanto o mar avança. Com isso, as praias encolhem ou desaparecem”

O professor detalha que a erosão costeira é um processo natural e sempre ocorreu em alguns trechos isolados do litoral, provocada por ondas e marés. No entanto, quando a erosão começa a afetar grandes extensões da costa, isso indica a presença de fatores mais amplos, como a elevação do nível do mar e a redução do transporte de sedimentos pelos rios.

Em 2018, o Ministério do Meio Ambiente publicou um diagnóstico chamado Panorama da Erosão Costeira no Brasil, com um levantamento nacional sobre o tema. Esse problema já é conhecido há décadas, já que causa prejuízos diretos a comunidades litorâneas. A preocupação atual é que, com o avanço das mudanças climáticas, essa situação tende a se agravar.

Esse processo não ocorre da mesma maneira em todas as regiões do Brasil. De acordo com o relatório Temporadas das Águas, produzido pelo projeto Maré de Ciência, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Baixada Santista, o País apresenta realidades bastante distintas. Enquanto áreas como a Amazônia Oriental e o Semiárido do Nordeste enfrentam redução nas chuvas, o Sul do País e parte da Amazônia Ocidental têm registrado aumento, tanto na quantidade quanto na intensidade de eventos climáticos extremos. Com isso, a queda na vazão dos rios, um elemento central na intensificação da erosão nas zonas costeiras, se dá de forma mais localizada, e atinge principalmente algumas bacias hidrográficas.

“A região Nordeste é historicamente a mais vulnerável à erosão costeira no Brasil. Isso se deve ao fato de que há poucos rios grandes desaguando nessa parte do litoral. Os rios da região são pequenos, o relevo é baixo e o regime de chuvas é mais escasso, o que reduz ainda mais o aporte de sedimentos. Por isso, essa faixa é considerada uma “costa faminta”, ou seja, carente de sedimentos. A presença de falésias em estados como Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará é uma evidência da erosão em curso há milhares de anos”, ressalta Landim.

“A região Nordeste é historicamente a mais vulnerável à erosão costeira no Brasil. Isso se deve ao fato de que há poucos rios grandes desaguando nessa parte do litoral”

Um caso especialmente alarmante ocorre em Belmonte, no sul da Bahia, situada no delta do Rio Jequitinhonha. Na região, o avanço das marés tem causado enchentes frequentes, e coloca a cidade sob ameaça concreta de submersão, com possibilidade de se tornar uma ilha isolada. Conforme explica o pesquisador. O comportamento do litoral varia de acordo com as características de cada área.

“A redução das chuvas na bacia hidrográfica do Rio Jequitinhonha diminuiu a quantidade de sedimentos transportados até a costa, o que já favorece a erosão. Soma-se a isso o micro-relevo local, com áreas muito baixas que facilitam a entrada do mar em marés mais altas, como nas marés de sizígia (Lua cheia e nova). Durante essas marés, ondas ultrapassam a praia e invadem áreas interiores, agravando o problema”, detalha.

Ação humana como agravante

Além dos efeitos provocados pelas mudanças climáticas, as intervenções humanas têm intensificado a gravidade da situação. “As barragens retêm os sedimentos que seriam transportados pelos rios até o mar. Quando se constrói uma ou várias barragens em cascata, a quantidade de areia e lama que chega às praias é drasticamente reduzida. Isso intensifica a erosão, pois as ondas continuam removendo sedimentos sem que haja reposição”, explica o geólogo. Ele acrescenta ainda que o crescimento urbano sem planejamento dificulta o ajuste natural da linha costeira, o que compromete a resiliência dos ecossistemas litorâneos.

“Em alguns países, barragens estão sendo demolidas para permitir que o sedimento volte a alcançar a costa. O problema é global: a proliferação de barragens alterou o regime hidrossedimentológico dos rios em todo o mundo, reduzindo o fornecimento de sedimentos às zonas costeiras”, revela o pesquisador.

Nas regiões litorâneas urbanizadas, a situação se agrava. Em locais com alta concentração de edificações, como Copacabana, no Rio de Janeiro, o recuo natural da areia é impedido por construções, o que resulta na diminuição das praias e na invasão das áreas edificadas pelo mar. Já em Salvador, durante as marés mais elevadas, a estreita faixa de areia do Porto da Barra praticamente some, o que evidencia a vulnerabilidade dessas áreas frente ao avanço das águas.

Soluções para conter o avanço do mar

O professor Landim sugere que em regiões onde ainda há pouca ocupação, a melhor estratégia seria impedir novas construções nessas áreas vulneráveis, o que reduziria custos futuros com obras de contenção. Embora obras de engenharia possam ser feitas, como barreiras e diques, elas são caras e complexas. Restringir a ocupação é uma solução mais barata e eficaz em longo prazo.

De acordo com o pesquisador, a solução passa necessariamente pelo avanço da ciência, por intervenções de engenharia e pela implementação de políticas públicas eficientes, o que, por sua vez, demanda recursos financeiros. Uma das medidas já em curso é o engordamento artificial de praias, que consiste na adição de areia para ampliar a faixa litorânea, prática adotada em pontos do Espírito Santo e de Fortaleza, por exemplo. Em regiões muito urbanizadas, no entanto, pode ser necessário recorrer também à construção de barreiras de contenção para proteger essas áreas contra alagamentos.

“As engordas de praia são intervenções que podem custar dezenas de milhões de reais e precisam ser refeitas a cada 5 anos, em média. Embora não seja uma solução de longo prazo, é uma alternativa para preservar praias urbanas importantes para o lazer e o turismo. Os riscos ambientais são relativamente baixos e localizados. No entanto, a estratégia mais sustentável é manter faixas de recuo, como os terrenos de marinha de 33 metros, e impedir construções próximas à linha da costa.

A antiga vila do Cabeço, na foz do Rio São Francisco, hoje submersa, teve seu farol engolido pelo mar e isolado a cerca de 600 metros da atual linha de costa. Com auxílio de sensor Lidar (Light Detection and Ranging), uma tecnologia embarcada em drones que usa pulsos de laser para medir com alta precisão a elevação do terreno, estão sendo feitas simulações dos efeitos de futuros cenários de aumento do nível do mar. Esse tipo de levantamento já foi feito em Belmonte e no litoral norte da Bahia, e será ampliado para outros trechos. O objetivo é mapear as vulnerabilidades e subsidiar o planejamento urbano, por exemplo, por meio de planos diretores municipais.

A imagem mostra o encontro de um rio com o mar, em uma paisagem típica de zona costeira brasileira. À esquerda, há um denso manguezal, com árvores de raízes aéreas que se projetam para fora da água. A vegetação é verde e espessa, contrastando com a água escura do rio em primeiro plano. À direita, no fundo da imagem, aparecem dunas de areia clara e ondulada, iluminadas pelo sol e formando um contraste com o céu azul salpicado de nuvens brancas
A antiga vila do Cabeço, na foz do Rio São Francisco, hoje submersa, teve seu farol engolido pelo mar e isolado a cerca de 600 metros da atual linha de costa | Foto: Alice Sales

Projeções para o futuro

No Brasil, o nível médio do mar já subiu cerca de 20 centímetros nos últimos 100 anos. Apesar disso, os efeitos seguem sendo pouco compreendidos e pouco comunicados à sociedade. Para Landim, o desafio está justamente no ritmo lento e cumulativo dessas transformações. “O problema é que a mudança acontece devagar. Mas, quando os impactos se tornam visíveis, como o desaparecimento de uma praia ou a inundação de uma comunidade, pode ser tarde demais para reagir”.

Landim destaca que o País tem uma boa base de pesquisadores capacitados e experientes no tema da erosão costeira, espalhados por vários estados. No entanto, estudos com Lidar e monitoramentos de longo prazo exigem investimentos consideráveis. Ainda há carência de recursos para ampliar esse tipo de pesquisa. Espera-se que, com o agravamento dos impactos, os gestores públicos se sensibilizem para destinar mais recursos às investigações científicas e ao planejamento costeiro.

Para Landim, é difícil prever com exatidão a situação do litoral brasileiro nos próximos 30 anos, já que cada trecho do litoral tem características diferentes. No entanto, as áreas mais vulneráveis são as desembocaduras de rios e canais de maré, além das praias urbanas já ocupadas. Nessas regiões, a erosão tende a se intensificar. Praias urbanas, como as de Salvador ou Recife, podem desaparecer porque não têm espaço para recuar e estão bloqueadas por muros e construções.

“A tendência é que haja aumento da erosão nessas áreas, com impactos diretos sobre o turismo, o lazer e a infraestrutura urbana. O ideal seria adotar legislações que impeçam novas ocupações em zonas críticas, especialmente próximas às desembocaduras e canais”, sugere.

O pesquisador considera que Infelizmente, muitos dos impactos já são irreversíveis, especialmente se não houver redução nas emissões de gases do efeito estufa. “A melhor estratégia agora é se preparar: restringir ocupações em áreas vulneráveis, adotar faixas de recuo e, quando necessário, investir em obras de engenharia. A erosão só se torna um problema quando afeta áreas ocupadas. Se não houver presença humana, a natureza pode se adaptar, com a migração natural da linha da costa, portanto, é fundamental administrar bem o uso do solo para reduzir prejuízos futuros”, finaliza.

Pesquisas Oceânicas

O Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo) é uma Organização Social vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Inteiramente dedicado à pesquisa e desenvolvimento do Oceano, o Instituto conta com uma rede de cerca de 100 pesquisadores ligados às principais universidades e institutos de pesquisa do País.

Referência nacional sobre o tema oceano, o Inpo tem como missão promover as Ciências do Mar e viabilizar o enfrentamento dos desafios nacionais nessa área, o que inclui a Crise Climática. Com base em conhecimento técnico-científico, o Instituto contribui com subsídios científicos para formulação de políticas públicas para beneficiar a sociedade brasileira e ampliar o papel do Brasil no cenário internacional, em prol de um oceano sustentável.

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