A Caatinga Climate Week coloca o bioma no centro do debate climático com sua diversidade, resistência, vida e possibilidades. Dificuldades existem, mas resistir é o caminho natural. Esta matéria faz parte de uma série especial sobre o tema
Parque Nacional do Vale do Catimbau, semiárido pernambucano. Patrimônio natural e cultural do Brasil, conhecido por abrigar um dos mais importantes conjuntos de sítios arqueológicos do País. Em meio ao bioma Caatinga, o local chama a atenção por suas formações rochosas imponentes e pela paisagem exuberante. Foi lá que uma grande tenda listrada foi montada para receber o encerramento da Caatinga Climate Week, neste último domingo (4), após uma verdadeira imersão em experiências exitosas de convivência com o Semiárido durante três dias de evento.
A seguir, relatos de nomes importantes do cenário climático do Brasil e do Semiárido Nordestino que revelam as identidades da Caatinga, bioma estratégico para o debate climático global, que compreende nove estados brasileiros (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, norte de Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe), ocupa mais de 10% do território nacional e se estende por cerca de 862.818 km², abrigando aproximadamente 28 milhões de pessoas.
Terra de saberes e soluções
A poucas semanas da COP 30, em Belém, uma expedição envolvendo jornalistas, pesquisadores e representantes de organizações internacionais percorreu cerca de 400 km no Semiárido pernambucano, de 1º a 4 de outubro, para ampliar a visibilidade dos potenciais e das demandas da Caatinga e amplificar as vozes dos seus povos.
Para Edel Moraes, secretária nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), “é muito importante dizermos que o Brasil é formado por vários biomas, e que entre eles está um que é exclusivamente brasileiro e que nos ensina muito sobre adaptação, resiliência e enfrentamento”. Ela ainda ressalta que o Semiárido brasileiro é um território com forte presença de povos e comunidades tradicionais e chama a atenção para os saberes ancestrais, o protagonismo das mulheres e as tecnologias sociais, que hoje estão no cardápio mundial de combate à fome, na pauta climática.
“Vemos aqui um povo de soluções.” Glória Batista, da Coordenação Nacional da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), lembra que a chegada das cisternas promoveu e segue promovendo uma virada na história do Semiárido brasileiro, com impactos principalmente na soberania e na segurança alimentar das famílias da região.
Ela reforça que a convivência com o Semiárido é entendida também sob a perspectiva de cuidar dos bens comuns e dos seus povos. “Isso faz com que o Semiárido passe a ser diferente daquele estereótipo de terra rachada, gado morto, vida inóspita, lugar sem futuro”. E, para além das tecnologias sociais, como cisternas, bancos de sementes e reúso e reaproveitamento de água – todas encontradas durante as experiências visitadas na Caatinga Climate Week -, é fundamental o processo de mobilização por meio de associações, cooperativas e formação e capacitação técnica, além da experimentação e da valorização do saber local. “A gente precisa trazer o bioma Caatinga e o seu povo para a centralidade do clima”, frisa.

Potência modelo para o mundo
Aldrin Martin Pérez Marín, pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), coordenador do Observatório da Caatinga e Desertificação e correspondente científico do Brasil junto à Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), é enfático ao dizer que o Semiárido não é problema, pelo contrário: “é solução viva para o Brasil e para o mundo”.
Para ele, o que o Semiárido brasileiro pode oferecer ao mundo é um método, não uma receita. O método, segundo o pesquisador, tem três pilares universais: armazenar recursos (água, sementes, forragem), reduzir perdas (de solo, nutrientes, biodiversidade) e fortalecer a organização social. Esse tripé, assegura, funciona em qualquer deserto, do Sahel africano ao sertão mexicano.
“O que é específico nosso é a Caatinga, a maior floresta seca tropical do Planeta, megadiversa e com 72% do carbono guardado no solo; é a força de redes como ASA, AS-PTA, CETRA, IRPAA, PATAC; é a capilaridade de políticas como o PAA e o PNAE; é a chuva concentrada em poucos meses, que ensinou o povo a colher cada gota como se fosse ouro”, conclui.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) são programas governamentais de compras públicas de alimentos produzidos por agricultores familiares no Brasil.

Beleza e resistência
“Essa floresta Caatinga é uma floresta que alimenta e que cura”. A fala é de Elisa Pankararu, atual coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), durante o encerramento da Climate Week.
“O bioma Caatinga é único no Planeta. Deveria ser patrimônio cultural da biodiversidade, ser extremamente valorizado. No entanto, historicamente e culturalmente, construiu-se uma imagem negativa do nosso bioma, com preconceito e discriminação. Esse imaginário está na literatura, na arte, no cinema. Somos vistos como um povo feio, mas não somos. Somos de beleza e de cultura. Quero dizer que a Caatinga é um bioma de resistência, de beleza, mas também de conflitos. Somos de enfrentamento”, destaca, alertando para a presença de grandes empreendimentos e seus impactos na região.
O futuro passa pela Caatinga
O Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, publicado pelo Map Biomas, em 2024, sinalizou que a Caatinga foi o terceiro bioma mais desmatado no País, com uma perda de 14% de área (174.511ha). Frente a esse contexto, chamam atenção os dados de pesquisas do Instituto Nacional do Semiárido (Insa) e do Observatório da Caatinga e Desertificação (OCA), que revelaram o alto potencial do bioma para capturar e armazenar carbono da atmosfera.
Cientistas demonstram que as florestas do Semiárido brasileiro podem retirar até sete toneladas de CO₂ por hectare por ano, consolidando-se como o bioma brasileiro mais eficiente no sequestro de carbono. Mesmo as regiões mais áridas da Caatinga são capazes de absorver entre 1,5 e três toneladas anuais de gás carbônico.
* A jornalista Andréia Vitório viajou para o evento pela Eco Nordeste, a convite da organização