Esta é mais uma reportagem da nossa série que aborda a importância do Nordeste no cenário climático nacional e global

Num cenário de Crise Climática, quando os extremos tendem a se intensificar, é importante investir em regeneração, ainda mais num bioma de clima semiárido, que embora seja muito resiliente, tem sido histórica e intensivamente pressionado pelas atividades humanas. Nesta reportagem, trazemos uma experiência que parte da academia e já apresenta resultados no campo.
Há mais de uma década, o Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) desenvolve pesquisas para enfrentar um dos maiores desafios do Semiárido: restaurar áreas degradadas da Caatinga. Em um bioma de clima seco e chuvas irregulares, técnicas tradicionais de reflorestamento costumam falhar, mas avanços recentes indicam novos caminhos.
A professora Gislene Ganade, que lidera as pesquisas, explica que seu laboratório desenvolveu uma técnica inovadora de produção de mudas com raízes mais longas, capazes de alcançar água em camadas mais profundas do solo.
“Essa estratégia aumenta a sobrevivência das plantas, mesmo em períodos de seca inesperada. Antes, tínhamos 70% de mortalidade nos plantios; hoje, em áreas desertificadas, conseguimos taxas de sobrevivência de até 60% mesmo durante a estação seca”, afirma.
A pesquisadora explica que a restauração vai muito além de recuperar árvores: “Ao repor a vegetação, protegemos o solo, ampliamos a disponibilidade de água e criamos condições para fauna e flora viverem mais tranquilamente. Inclusive a fauna do solo é recuperada”.
O trabalho de pesquisa resultou na criação do site caatinga.ufrn.br, que orienta agricultores e gestores públicos sobre espécies nativas adaptadas a cada município e resistentes às mudanças climáticas. Também disponibiliza informações sobre técnicas de plantio e sobre árvores de interesse econômico, como as que produzem mel, resinas, substâncias medicinais e cosméticas. “Com o manejo controlado, é possível restaurar a floresta e, ao mesmo tempo, gerar renda sustentável para as comunidades”, reforça Gislene.

O experimento acadêmico já transpôs os muros da Universidade e tem alguns resultados em campo, como é o caso da Associação Caatinga, que tem atuado na regeneração da Caatinga nos entornos da Reserva Natural Serra das Almas, que está completando 25 anos. A ideia é disseminar a prática também entre pequenos produtores rurais para formar uma rede de regeneração do bioma.
Apoio legal
Esse conhecimento científico se soma agora também a um avanço político. A Câmara dos Deputados aprovou, em 3 de setembro, o Projeto de Lei 1990/2024, que cria a Política Nacional para a Recuperação da Vegetação da Caatinga. O texto, de autoria da senadora Janaína Farias (PT/CE), retorna ao Senado para análise da emenda que autoriza a criação do Fundo da Caatinga, destinado a financiar ações de restauração e combate à desertificação.
Elaborado com apoio técnico do Instituto Escolhas, o projeto prevê a participação de comunidades locais, a capacitação de trabalhadores em cadeias sustentáveis e programas de combate à desertificação. Estudo do Instituto aponta que a recuperação de 1 milhão de hectares desmatados no bioma pode gerar R$ 29 bilhões em receitas líquidas, 7 milhões de toneladas de alimentos e a captura de mais de 702 milhões de toneladas de carbono da atmosfera, além da criação de 465 mil empregos.
“Replantar a vegetação ainda é a forma mais eficaz de enfrentar a emergência climática e a intensificação dos processos de desertificação, com geração de emprego, alimento e renda para a população”, afirma Rafael Giovanelli, gerente de pesquisa do Instituto Escolhas.
“A aprovação do PL 1990/24 nos traz boas expectativas no que concerne à conservação da Caatinga e à resiliência climática de comunidades que vivem no Semiárido, ao passo que prevê impulsionar a recuperação de áreas degradadas e a produção sustentável no bioma de forma integrada, afirma Marília Nascimento, gerente de programas socioambientais da Associação Caatinga.
Ela destaca que, considerando que este é o único bioma exclusivamente brasileiro e as recentes descobertas de seu potencial para sequestro e estoque de carbono, o desenvolvimento de marcos regulatórios e políticas públicas que fortaleçam a sua conservação são fundamentais para o enfrentamento à crise climática.

“Não há dúvidas de que o avanço do projeto é uma notícia animadora, e a expectativa é que possamos ter a aprovação até a COP 30, reforçando o compromisso do Brasil com as agendas globais de sustentabilidade”, completa.
Se aprovada no Senado, a Caatinga será o primeiro bioma brasileiro a contar com uma política própria de recuperação da vegetação, um passo decisivo para alinhar ciência, sociedade e política na luta contra a desertificação.
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