Cultura Oceânica chega a escolas da Paraíba

Foto de tubarão com o corpo prateado e a barriga branca nadando em mar azul da direita para a esquerda, entre peixes menores

Um dos mitos quebrados é o de que tubarões são malvados | Foto: Érika Beux

Eu ouvia uma palestra quando algumas informações projetadas me alarmaram: “Mais de 90% das populações de animais marinhos são pescados em seu limite de capacidade de reprodução”. “Para cada um quilo de camarão pescado, 10 quilos de outros animais são mortos”. “12 milhões de toneladas de plástico no oceano estão matando mais de 1 milhão de animais marinhos”.

Conforme fotografava os slides, ia perdendo o fôlego. Em meu pensamento vinham outras informações de bakcground, como a quantidade de rochas desperdiçadas para extrair o minério usado na fabricação dos celulares – para fazer um aparelho é preciso minerar 70 kg de rochas. Montanhas vão desaparecendo no relevo. Formulei uma conexão mental entre as informações, “situações parecidas”, pensei, “as pessoas não abrem mão dos aparelhos. Por outro lado, o pescado é fonte de proteínas para os seres humanos”. Mas estava claro que a indústria não conduz nenhuma das atividades de forma sustentável. Além de nós, compradores, embarcarmos em consumismos depredatórios.

Quem trouxe esses dados foi a palestrante Giselle Reis, coordenadora de Educação do Sea Shepherd Brasil. Esta foi uma das instituições presentes na Roda de Conversa aberta no Colégio Século, em João Pessoa (PB) – “Os movimentos em prol da conservação do mar paraibano na Década do Oceano pelo Século Azul” (Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (2021 – 2030).

Parecia uma força-tarefa pelo oceano, com pesquisadores, instituições e estudantes dialogando. O evento marcou o lançamento do programa Escola Azul no Colégio Século, uma iniciativa global para incentivar a cultura oceânica nas escolas. Esta foi a primeira escola na Paraíba a implementar conhecimentos e atividades da cultura oceânica na grade curricular e está preparando os estudantes para a Olimpíada do Oceano O2 – 2024, com provas a serem realizadas entre os dias 12 e 14 de setembro de 2024. Essa cultura singular é absorvida quando as pessoas estabelecem uma conexão com o mar, a ciência e a sustentabilidade.

Um circuito para tal conexão foi acionado com a união entre o Núcleo de Estudos em Ecologia e Conservação Marinha (Necomar) / Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), liderado pelo graduando em Biologia Thallys Araújo, que agregou à Roda Juliana Luz, mestranda pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), integrante do Projeto Tubarões e Raias de Noronha, e o Sea Shepherd. A parceria com o Instituto InPact somou pesquisadores e educadores do Programa Estratégico de Estruturas Artificiais Marítimas (Preamar), Taciana Wanderley, da Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), a Dani Siqueira, da Associação Guajiru (PB), que trabalha pela proteção às tartarugas marinhas, o tenente Lopes, da Capitania dos Portos da Paraíba, o Grupo Escoteiros do Mar e a Câmara de Vereadores de João Pessoa, representada pelo vereador Carlão Pelo Bem.

A conversa não surpreendeu só a mim. Os estudantes faziam um silêncio profundo sem perder nenhuma palavra do que Giselle falava sobre a fragilidade do ambiente marinho por causa das ações humanas. Pareciam mergulhar no assunto que já vinha interessante desde a palestra anterior sobre peixes que sempre metem medo, as raias e os tubarões. Juliana Luz, do Tubarões e Raias de Noronha, quebrou o mito “tubarões são malvados”. Ela enfatizou que “nem nosso medo, nem qualquer forma de ataque pode exterminá-los do oceano – a nenhum animal – pois cada um tem sua razão de existir em um ecossistema”. Como os tubarões estão no topo da cadeia alimentar marinha, por meio deles se dá o controle populacional de outras espécies, entre outras funções.

Mas o desequilíbrio bate à porta. Pesquisadores ligados ao projeto lançaram o relatório “Monitoramento Berçário de Tubarões de Fernando de Noronha (Jan./Fev. 2024)”, com coordenação de pesquisa de Bianca de Sousa Rangel, de onde trago essa informação: “Um terço (37,5%) das mais de 500 espécies de tubarões conhecidas estão ameaçadas de extinção principalmente devido à sobrepesca e degradação de habitat”. Além disso, “a abundância de tubarões recifais residentes declinou de 60 a 73% e em 71% para as espécies oceânicas”. Esses animais estão desaparecendo.

Essa percepção chegou aos estudantes e influenciou seus familiares, como relatou Aline Cilento, do 8º ano A: “Fico muito feliz pelo Colégio Século ter o Selo Azul. É muito importante para as pessoas aprenderem a cuidar do meio ambiente. Aprendi muito com a palestra que eles deram. Inclusive, minha mãe, que segue a Guajiru, foi assistir também!”

Giselle Reis, coordenadora de Educação do Sea Shepherd Brasil, levou dados alarmantes aos estudantes sobre sobrepesca e poluição por plástico

Solução para pesquisa em Noronha

Uma expressão que atravessou o Século XX e mantém a força hoje em dia é “conhecer para conservar”. Juliana Luz resgatou essa máxima com uma ressalva: “Como estar em Noronha para conhecer e conservar os tubarões e as raias? O turismo e o custo de vida na Ilha são caros; os recursos financeiros dos projetos científicos não cobrem a permanência dos pesquisadores por muito tempo. A saída que encontramos foi a ciência cidadã”.

Uma solução de milhões! O Tubarões e Raias de Noronha estabeleceu a ciência cidadã. Funciona assim: os pesquisadores preparam uma metodologia simples que deve ser seguida por qualquer pessoa que se depare com um desses amigos marinhos e possa registrá-los. O site do projeto (elasmosnoronha.weebly.com) é o canal onde se concentram as informações, mas há também contatos pelo Instagram, Whatsapp e e-mail. Turistas, moradores, mergulhadores, fotógrafos, cientistas, todos podem enviar um registro em vídeo, foto ou até textual.

Desde 2021, a conta do projeto no Instagram recebeu mais de 5 mil registros. Esse banco de dados torna-se o subsídio para pesquisas e descobertas, como no exemplo da raia ferida fotografada por Roberta Viegas, que 253 dias depois foi fotografada por outra pessoa com a ferida cicatrizada. “São bases para estudos científicos publicados até em periódicos internacionais”, ressalta Juliana.

O projeto acadêmico Tubarões e Raias de Noronha é coordenado por Bianca Rangel, doutora pelo Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP) e teve início em 2019.

Mapeamento dos recifes em Lucena

A história do jovem Thallys Araújo, 21, coordenador do Necomar, está ligada ao litoral de Lucena, município costeiro da Paraíba, com 12.560 pessoas (IBGE 2022), situado depois da foz do Rio Paraíba, muito próximo a João Pessoa. A maior parte dos trabalhadores são pescadores. Essa cidade foi polo da indústria baleeira no Brasil entre 1958 e 1987, ano em que foi proibida a pesca da baleia. Thallys é filho de pescadores e aproveita o conhecimento sobre o Oceano transmitido pelos pais e a comunidade tradicional para levar a ciência até o mar.

Ele estuda Biologia no IFPB. Ao falar comigo, seus olhos estavam atentos à toda movimentação no auditório: “Começamos a formar um núcleo de pesquisa em vista de diversos problemas socioambientais nas praias. Decidimos unir a ciência com a parte de educação e extensão”, disse Thallys. Assim surgiu o Necomar.

“Hoje a gente tem trabalhado pesquisa científica voltada à conservação marinha, em recifes de corais, poluição marinha e campanhas de educação e conscientização. Educação é um pilar fundamental”, enfatizou. O Necomar mobiliza 20 estudantes nas áreas de biologia, medicina veterinária e engenharia de pesca do IFPB de Cabedelo, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), e duas privadas, a União das Instituições Educacionais de São Paulo (Uniesp) e o Centro Universitário de João Pessoa (Unipê), para a Década dos Oceanos. Nenhum deles conta com bolsa de pesquisa ou outro tipo de ajuda financeira.

“Eu vivo em uma comunidade tradicional pesqueira e convivo com as problemáticas. Tenho a oportunidade de estar na academia, aproveitei e linkei essas duas visões, procurando trazer algumas soluções”, disse Thallys. Eles estão mapeando os recifes em Lucena, onde há poucos estudos publicados. O grupo já gerou sete trabalhos de conclusão e outros artigos acadêmicos.

E são um exemplo para os alunos da escola: parceiros do Necomar da UFRPE vieram para a Paraíba especialmente para o evento. Da Uniesp, estavam estudantes da Liga Acadêmica de Medicina de Animais Silvestres (Lamas), uma atividade acadêmica. Isabelle dos Santos e Júlia Brilhante, explicaram que eles atuam com o Necomar para desenvolver pesquisas, oferecer palestras, fazer a patologia das tartarugas marinhas, o mapeamento dos recifes de corais em Lucena, entre outros.

Falta material didático sobre Oceano

Dia 10 de abril deste ano o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou a 9ª edição do Atlas Geográfico Escolar incluindo os limites da “Amazônia Azul”. São cerca de 5,7 milhões de Km² no Oceano. Riqueza em biodiversidade e fonte econômica – é Zona Econômica Exclusiva (ZEE); o petróleo no pré-sal é extraído dessa região, em alto mar; na costa, atividades como a pesca e o turismo movimentam cerca de 20% do PIB brasileiro. O Atlântico Sul é um ponto estratégico para a Política Nacional de Defesa, conforme a Agência Marinha de Notícias. Então, com tantas evidências da importância do Oceano em nossas vidas, por que o espaço a ele é insignificante nos livros escolares, na vivência dos alunos? Essa é uma constatação geral entre os educadores.

“Há uma deficiência no material didático com relação ao Oceano. Não existe. As escolas fazem palestras, alguma aula externa, campanhas, mas não um estudo aprofundado”, informou a diretora do Colégio Século, Doralice Honório. Ela visualizava essa lacuna e buscava meios de preenchê-la ao conhecer o capitão-tenente da Marinha Luiz Araújo, que falou sobre o Projeto da Escola Azul aplicado por meio do Instituto de InPact. “É uma possibilidade para as crianças terem uma visão ligada à ciência, na área biológica, e todas as áreas acoplam-se a isso”, acrescentou.

Bruno Pontes, diretor pedagógico do Século, frisou que João Pessoa é um município litorâneo e é importante estabelecer a cultura oceânica. “Os professores estão em formação, estamos preparando o material das atividades e temos um grupo se preparando para a Olimpíada do Oceano, a O2”, disse Pontes. A Olimpíada do Oceano nasceu em 2021 no Brasil, “trabalha conceitos científicos, atividades pedagógicas, culturais e realidades locais” (Edital O2/2024).

Com praias atrativas, colônias de pescadores, atividades esportivas à beira-mar, mergulho, recifes de corais, João Pessoa abraça o litoral. Tratar do Oceano nas escolas seria natural. Em 18 de dezembro de 2023 entrou em vigor a Lei Municipal Nº 15.020, que institui a promoção da cultura oceânica nas escolas do ensino fundamental de jovens e adultos na capital paraibana. De acordo com a Lei, o processo deve começar pela formação dos professores e ser abordado nas disciplinas já existentes. Entretanto, segundo informações da Secretaria Municipal da Educação de João Pessoa, até o momento não foi implantada na rede.

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