Um Artigo publicado neste mês de maio de 2024 pela revista científica Notas sobre Mamíferos Sudamericanos, da Sociedade Argentina para o Estudos dos Mamíferos, detalha o primeiro registro, na Chapada do Araripe, no sul do Ceará, de um pequeno felino ameaçado de extinção e muito raro no Nordeste brasileiro, o gato-maracajá-peludo (Leopardus wiedii). Com tamanho aproximado a um gato doméstico, ele é geralmente encontrado em florestas úmidas, como a Amazônia e a Mata Atlântica e sua presença na região da Caatinga brasileira só vem sendo confirmada recentemente, geralmente restrita a ambientes mais úmidos, como é a Chapada do Araripe, com suas formações de floresta úmida e Cerrado. Essa é a segunda área com confirmação da espécie no Ceará. A Serra de Baturité foi a primeira.
“A região da Chapada do Araripe abriga uma das primeiras unidades de conservação do Brasil, e mesmo assim, só documentamos a ocorrência desse felino ameaçado de extinção agora. Isso mostra o quanto ainda precisamos de investimento efetivo em conservação e pesquisa sobre a biodiversidade da Caatinga, incluindo as regiões úmidas como essa do estudo, que vão, inclusive, se tornar refúgios cada vez mais importantes em um contexto de emergência climática, obviamente para a fauna e a flora, mas também para as pessoas da região”, afirma um dos autores da pesquisa, Paulo Marinho, que é professor de Biologia na Escola Estadual de Educação Profissional Elsa Porto e membro da Tiger Cat Conservation Initiative.
Sobre o resultado da pesquisa, o biólogo Hugo Fernandes-Ferreira, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), ressalta: “Esse registro é muito importante porque ele não apenas documenta um novo local, conhecido de ocorrência dessa espécie, ele também amplia o conhecimento que nós temos para aplicar estratégias de conservação para o Leopardus wiedii, porque até pouquíssimo tempo atrás a lista vermelha dos felinos ameaçados de extinção sequer considerava o Ceará como local provável para a ocorrência de Leopardus wiedii que é o gato-maracajá-peludo. E agora nós temos, não só a bem determinada a ocorrência dele na serra de Baturité que é um remanescente de Mata Atlântica, como também na Chapada do Araripe. Isso mostra que as estratégias de conservação para essa espécie em nível nacional precisam agora considerar o Ceará”.
E destaca: “E eu acho que existe ainda uma questão mais importante que é sobre a lista estadual de espécies ameaçadas, que eu tive a honra de coordenar e a gente lançou, de mamíferos, em 2022, mostrando que essa espécie está ameaçada, por conta da sua restrição geográfica, à época a Serra de Baturité. O achado na Chapada do Araripe não muda o caráter de ameaça dessa espécie, mas muda as nossas estratégias de conservação que agora vão incluir a Chapada do Araripe também. Então isso vai ser muito importante para os planos de ação para conservação dessa espécie”.
O animal foi registrado em 2015 por uma das autoras do estudo, Patrícia F. Rosas-Ribeiro, atualmente bolsista do Centro de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB) / Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que na época percorria os estados do Nordeste à procura da lontra-neotropical (Lontra longicaudis), como parte das suas pesquisas de doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ao visitar a sede de Floresta Nacional do Araripe-Apodi, em Barbalha, Patrícia se deparou com um pequeno felino que estava sob os cuidados da equipe da reserva, após ser resgatado pela Polícia Ambiental nas imediações.
Ao enviar as fotos do animal para o colega Paulo Henrique Marinho, atualmente professor na Escola de Educação Profissional Elsa Porto, em Aracati, no Litoral Leste do Ceará, e que na época também desenvolvia seu doutorado na UFRN focado nos pequenos felinos, ambos tiveram uma grata surpresa, pois tudo indicava que se tratava de um animal ainda não descrito para a região e muito pouco conhecido no Nordeste do Brasil, tanto que outros registros da espécie estavam a mais de 350 km de distância.
Para confirmar a suspeita, outros dois especialistas foram consultados, Hugo Fernandes-Ferreira e Tadeu Gomes de Oliveira, professor da Universidade Estadual do Maranhão (Uema), especialistas em médios e grandes mamíferos com foco nos felinos, que confirmaram a suspeita. Tratava-se mesmo de um registro inédito que merecia ser detalhado e divulgado para fins científicos e de conservação.
O gato-maracajá-peludo, assim como outros felinos silvestres, é ameaçado pela perda de habitat, caça e perseguição, atropelamentos e transmissão de doenças a partir de cães e gatos domésticos. Desta forma, a sua presença na Chapada do Araripe chama ainda mais a atenção para conservação desta região que abriga elementos geológicos, paisagísticos, paleontológicos e biológicos únicos, mas que também sofre com o desmatamento e degradação ambiental.
O trabalho publicado pela equipe ajuda a entender melhor a distribuição e o estado de conservação da espécie no Ceará e na Caatinga brasileira e sugere que ações estratégicas de conservação devem ser adotadas urgentemente nas diferentes esferas. Entre estas ações, prioridade para a criação de áreas protegidas, a redução de ameaças diretas e o desenvolvimento de pesquisa ecológicas sobre a espécie na região, já previstas no Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Pequenos Felinos, desenvolvido pelo ICMBio e do qual três dos membros do estudo fazem parte.