Com estudos que indicam declínio de até 80% na população do crustáceo, até 30 de abril, a pesca e a venda do pescado são ilegais em todo o País
O passeio pelas praias do Ceará neste período não raro pode ser agraciado com degustação da lagosta, crustáceo considerado nobre e pro isso cobiçado e valorizado. Mas a pesca excessiva ao logo dos anos, ameaça a população da espécie e, por isso, desde o sábado que passou até o fim de abril quem for flagrado comercializando o produto pode ser penalizado. A medida é necessária para garantir o período reprodutivo.
A proibição é determinada pela Portaria Nº 221/2021, do Governo Federal, que estabelece as regras para a pescaria de lagosta, incluindo as orientações sobre o período de defeso – prática de suspensão da atividade de pesca durante determinados meses, para proteger os ciclos de reprodução, crescimento ou migração de algumas espécies.
No caso da lagosta, o defeso vai sempre de 1º de novembro a 30 de abril e inclui a proibição de transporte, processamento e comercialização para todo o mercado nacional durante seus três últimos meses (fevereiro, março e abril). Nesse período, fica permitido apenas o armazenamento do estoque remanescente já declarado ao Ministério da Pesca e Aquicultura e a exportação dos produtos.
Pesca e Comércio ilegal
“Temos dois problemas aí: a pesca e o comércio ilegais. Porque, para estar sendo vendida durante esse período, é porque, provavelmente, essa lagosta também foi pescada durante o defeso. E isso prejudica todos nós, pescadores, mas, principalmente a lagosta, porque ela precisa de tempo para se reproduzir, para se desenvolver, e aí então abastecer os novos ciclos de pesca”, explica o pescador artesanal Tobias Soares, coordenador do Sindicato dos Pescadores e Pescadoras Artesanais de Icapuí, município do litoral leste que já fica na divisa do Ceará com o Rio Grande do Norte.
“O defeso é uma das principais ferramentas para garantir a sustentabilidade da espécie. Quando respeitamos essas normas, defendemos a lagosta e o nosso sustento”, completa o pescador e dirigente sindical.
Com a comercialização ilegal das lagostas, as demais medidas adotadas pelo governo para a sua recuperação, como é o caso do limite de pesca estabelecido no ano passado, também têm sua efetividade reduzida. “A nossa expectativa é que todos os atores envolvidos com a cadeia produtiva possam se comprometer para realmente mudar essa cultura. Os estabelecimentos precisam se opor, se recusar a vender, mas os turistas e os moradores também não podem aceitar o produto, caso ele seja oferecido, porque, muitas vezes, isso se dá também pelo comércio clandestino. A proteção das espécies é uma responsabilidade de todos nós” argumenta o diretor científico da Oceana, Martin Dias.
A Oceana (brasil.oceana.org) é a maior organização de advocacy sem fins lucrativos dedicada exclusivamente à conservação do oceano. Com base na ciência, trabalha para recuperar a abundância dos oceanos e garantir a saúde da biodiversidade marinha por meio de mudanças nas políticas públicas de países que controlam mais de um quarto da pesca mundial.
Suas campanhas apresentam resultados refletidos em mais de 300 vitórias contra a sobrepesca, a destruição de habitats, a poluição por petróleo e plástico e a perda de espécies ameaçadas, como tartarugas, baleias e tubarões.
A pescaria de lagosta é uma das mais valiosas do Brasil e corresponde ao principal pescado de exportação do País. A espécie representa o sustento de mais de 15 mil famílias de pescadores e pescadoras espalhadas pelo Nordeste, principalmente nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco, seus maiores produtores.
Declínio da espécie
Apesar dos cuidados e das tradições relacionados com a pesca artesanal da lagosta, sua população vem apresentando forte queda ao longo dos anos. Diversos estudos apontam que a pesca excessiva causou, ao longo de décadas, reduções significativas nos estoques de lagosta. As medidas de ordenamento, monitoramento e controle da pescaria são fundamentais para que esse processo se reverta, e a lagosta possa continuar se desenvolvendo até uma plena recuperação, beneficiando o meio ambiente e a pesca.
Martin destaca que a lagosta começou a ser pescada nos anos 1950 na costa brasileira e sempre foi muito difícil regular por se tratar um insumo muito valioso. Ele cita estudo da Oceana, publicado em 2020 indica redução de até 80%. Por isso o governo vem adotando medidas para garantir a segurança e potencial de crescimento do setor.