Passarinheiras: presença feminina na observação de aves se fortalece a cada dia

Por Alice Sales
Colaboradora

A observação de aves em seus habitats naturais tem sido cada vez mais aderida por mulheres | Foto: Alice Sales

Olhos atentos, binóculos e câmeras a postos para eternizar o movimento e os detalhes da vida selvagem das aves. Essa prática, conhecida mundialmente como birdwatching, termo que corresponde à observação de aves em seus habitats naturais, tem sido cada vez mais aderida por mulheres. Mais que apenas observar e registrar espécimes, a divulgação científica também tem sido um espaço conquistado entre as pesquisadoras.

Com grupos nas redes sociais formados para facilitar a articulação de expedições a campo para a pratica da atividade e trocas de informações, pouco a pouco o público feminino vem se engajando na arte de “passarinhar”. As redes sociais viraram vitrine desta prática, tanto para divulgação de registros, quanto para o compartilhamento de informações científicas sobre as espécies. Um dos canais mais conhecidos para a disponibilização dessas informações é o WikiAves, comunidade que reúne observadores de aves de todo o País, contando muitas vezes com mulheres na liderança dos rankings de registros.

Araras-azuis-de-lear (Anodorhynchus leari) registradas pela bióloga Cecília Licarião

Onde vivem, como se comportam, tipos de voos, alimentação, hábitos, vocalizações das espécies e muitas outras curiosidades são informações encontradas no perfil do Instagram da bióloga baiana Juliana Moraes (@meninadospassarinhos). Filha de biólogos, a cientista conta que desde a infância tem proximidade com as ciências biológicas e aprecia aves desde a adolescência. Ainda durante a graduação, se engajou em trabalhos sobre Ornitologia e desde então segue se aprofundando no tema.

Com a proposta de dialogar sobre ciência de uma forma clara, que atinja um público além da academia, Juliana Moraes começou a gravar vídeos com informações sobre aves após participar de um curso de oratória. A ideia era usar menos jargões acadêmicos para dialogar com o público em geral. A criação da página no Instagram se deu a partir dessa vontade de expor conteúdo sobre os diferentes aspectos da biologia das aves.

Contando com a observação de aves e divulgação científica sobre o tema como ferramentas aliadas ao combate à caça e a promoção da conservação das espécies, a bióloga e mestre em Ecologia, Cecília Licarião, descobriu sua vocação pela Ornitologia no fim da graduação, quando, durante a produção de seu trabalho de conclusão de curso, se engajou em estudos sobre o Periquito Cara-Suja (Pyrrhura griseipectus), espécie endêmica do Nordeste e ameaçada de extinção. “Durante o campo dessa pesquisa, trabalhei para responder algumas perguntas que seriam muito importantes para a conservação da espécie”, relembra.

Bióloga Cecília Licarião, em campo.

Hoje, Cecília administra seu perfil pessoal no Instagram (@licariao) onde compartilha informações sobre a Ciência das Aves. Além disso, a bióloga gerencia outros perfis de projetos que alinham a pesquisa científica com a conservação de aves, são eles: @avesdenoronha, @vempassarinharce e o @avistar.

Segundo Licarião, o Projeto Aves de Noronha nasceu em 2016, durante o seu curso de mestrado, que teve como objeto de estudo duas espécies de passarinhos endêmicos de Fernando de Noronha. Já o Projeto Vem Passarinhar CE, migrou para o Ceará em 2019, com o apoio de Cecília e outros quatro profissionais, entre veterinários e biólogos. A ideia é popularizar o hábito da observação de aves.

“A gente promove atividades totalmente gratuitas. Antes da pandemia realizávamos a atividade uma vez por mês, no Parque Estadual do Cocó, aberto ao público em geral. Um dos objetivos do Vem Passarinhar é viajar por todas as Unidades de Conservação (UCs) do Ceará para observar aves e difundir a prática”, destaca.

Influenciada pelo seu avô, observador de aves, a bióloga Cristine Prates (@cristineprates), se encontrou no universo da Ornitologia desde o seu primeiro estágio na faculdade. Desde então, vem acumulando projetos voltados para a área em sua trajetória, como, por exemplo, a atuação no monitoramento de aves da Caatinga dentro de Unidades de Conservação, levantamento de avifauna em consultorias ambientais, monitoramento das aves na obra de Transposição do Rio São Francisco, projeto de reintrodução da Ararinha-Azul pelo Projeto Ararinha na Natureza, dentre outros. Mais recentemente, Cristine Prates usa seus conhecimentos ornitológicos para um ramo ainda novo no Brasil, o turismo de observação de aves. A bióloga abriu sua própria agência de turismo, no ano passado, e trabalha como guia de observação de aves na Chapada Diamantina.

Bióloga Cristine Prates, durante o registro do beija-flor-de-gravata-vermelha (Augastes lumachella), espécie nativa da Chapada da Diamantina, na Bahia | Foto: Ciro Albano

Em Fortaleza, no fim de 2017 surgiu o grupo Passariminas (@passariminas). A iniciativa foi ideia de estudantes e biólogas com o intuito de reunir as fortalezenses que gostavam de observar aves, a fim de promover atividades de observação. Em maio deste ano, diante das limitações causadas pela pandemia, o grupo expandiu sua atuação para as redes sociais, onde divulga curiosidades sobre o mundo das aves e sobre mulheres na ornitologia.

De acordo com a bióloga Thaís Camboim, o objetivo do grupo é incentivar a participação das mulheres dentro da Ornitologia e observação de aves, por meio da divulgação de conhecimento e dicas, com foco na atuação das mulheres. Por causa das limitações da pandemia, as atividades do Passariminas  estão restritas a um grupo no Whatsapp, onde as participantes interagem e compartilham conhecimento, experiências e atividades relacionadas à Ornitologia.

Lives de Comedouros

Com o advento da pandemia, uma nova modalidade de observação de aves passou a ser praticada, adaptada às novas condições do isolamento social. As lives de comedouros consistem em transmissões ao vivo de imagens feitas em comedouros dispostos nas janelas dos observadores. Essa foi uma estratégia encontrada para observar a natureza sem a necessidade de sair de casa.

Diariamente, às 7h, Cristine Prates faz transmissões ao vivo em sua conta do Instagram (@birding_chapadadiamantina) das espécies que frequentam o quintal de sua casa. Esse é um momento em que a bióloga interage com seu público e dá dicas de como manter um comedouro.

Uma iniciativa similar também tem sido alternativa para os observadores de aves durante a pandemia. As janelives são comedouros espalhados pelo Brasil inteiro transmitidos ao vivo pelo YouTube e pelo Zoom, completamente gratuitos com especialistas narrando mensalmente as espécies avistadas.

“Há várias pessoas por trás dessa iniciativa e o mais legal é que essa prática aumenta o acesso à informação. Observo bastante da minha janela, principalmente neste período de pandemia. Inclusive, observar aves da janela é uma excelente atividade. Podemos usar, inclusive, estratégias para atrais essas aves para as nossas janelas,” ressalta Cecília Licarião.

Expedição no Rio Juruá

Bióloga Bruna Costa, durante expedição pelo Rio Juruá, na Amazônia | Foto: Bianca Matinata

Em agosto deste ano, nove mulheres cientistas se aventuraram em uma expedição pela Floresta Amazônica, a fim de observar aves e coletar dados sobre as espécies da região. A expedição foi motivada como forma de homenagear a ornitóloga alemã Emilie Snethlage. A cientista dedicou-se a estudos sobre espécies de aves amazônicas, percorrendo diversas localidades no entorno do Rio Juruá, que nasce no Peru e banha os estados do Acre e Amazonas.

Na ocasião, as cientistas registraram 390 espécies, além de gravarem os cantos, capturarem pássaros para retirar amostras de sangue e DNA e coletarem alguns indivíduos para estudo em museus de história natural.

Segundo Bruna Costa, bióloga pernambucana que participou da expedição, os resultados do estudo realizado serão publicados em um artigo científico em breve. Para ela, na Amazônia há sempre algo a aprender. “ Lá é um laboratório aberto”, comenta.

“Subimos o rio, coletando, vendo espécimes, fazendo ponto de escuta, fizemos coleta para museu e foi um aprendizado muito enriquecedor. Nessa expedição, descobrimos vários padrões de espécies, que já tínhamos em mente que existiam, mas que precisávamos comprovar. O Juruá é um rio bastante propenso para encontrar uma variedade de espécies. No campo em si, andamos, carregamos peso, mantimentos e materiais de campo em geral. Andamos muitos quilômetros e em uma determinada área, tivemos que dormir em uma das comunidades”.

Ser mulher em campo

Um dos grandes desafios encontrados pelas cientistas e observadoras de aves nos dias de hoje é lidar com problemas oriundos de uma área de atuação ocupada majoritariamente por homens. Medo, insegurança, preconceito, desrespeito e incredibilidade com relação ao trabalho que realizam são alguns incômodos enfrentados pelas mulheres que escolhem dedicar-se à ciência e à observação de aves.

“Todas as vezes que fiz atividade de campo sozinha, tive problemas. Durante a pesquisa do meu trabalho de conclusão de curso da graduação tive que adaptar a metodologia para não ficar tanto tempo exposta a essas situações. Sempre que eu estava em campo sozinha, aparecia algum homem. Eles sempre tentavam me importunar de alguma forma, faziam algum comentário sobre as minhas roupas mesmo eu estando sempre de calça, blusa de mangas cumpridas e chapéu”, relata Juliana Moraes.

A bióloga conta que, em uma de suas pesquisas, costumava ir a campo com sua orientadora e era comum aparecer algum homem no local para importuná-las. “Sempre aparecia algum homem falando que não estávamos fazendo o nosso trabalho direito, querendo explicar para nós o nosso próprio trabalho, como se não fossemos capazes de fazer sozinhas. E isso é muito recorrente e nos incomoda bastante. Há sempre olhares, comentários e aproximações que não são legais”.

Juliana Moraes, bióloga engajada em divulgação científica sobre aves, por meio do perfil no Instagram @meninadospassarinhos

A bióloga Cecília Licarião enfatiza que, por ser mulher, se sente insegura para estar sozinha em campo. “Meu conselho é não deixar se intimidar. A mulher historicamente está em um lugar de repressão. Basta olharmos para a história para vermos o que nós não podíamos fazer. A gente vai continuar sofrendo preconceito, vai continuar sentindo medo, mas eu acho que aos poucos estamos ocupando um espaço muito bonito e fazendo a diferença na ciência, na academia, no campo, nas mídias sociais”.

Observação para a conservação

Uma das principais motivações para os praticantes da observação de aves é que essa atividade é uma grande aliada ao processo de conservação. De acordo com a bióloga Thaís Camboim, essa prática, aliada à divulgação científica, são estratégias muito importantes para ajudar a despertar a consciência ambiental, tanto no sentido emocional das pessoas, como racional.

“Ambas as atividades permitem que as pessoas se conectem com a natureza que há à sua volta, o que gera um vínculo entre nós e a vida que nos cerca e da qual fazemos parte. Vivemos em uma sociedade que insiste em separar o ser humano da natureza, por diversos motivos. Criar um vínculo com a natureza é essencial para despertarmos nossa consciência ambiental porque nós só nos importamos com aquilo que temos alguma ligação”, ressalta.

Bióloga Thaís Camboim, durante pesquisa de campo

“Conhecer para conservar” é uma premissa comum àqueles que lutam pela conservação das espécies e dos ecossistemas. De acordo com a bióloga, a pratica de “passarinhar” é uma atividade relativamente acessível, que pode ser atrativa a diversos públicos por ser bastante divertida e por promover diversos benefícios para a nossa saúde.

Além da criação do vínculo com a natureza, segundo Camboim, outra estratégia para ajudar nesse “despertar” é mostrar às pessoas informações que as levem a refletir e perceber o quanto as aves são importantes para o equilíbrio do ambiente e, consequentemente, para os seres humanos. “Para isso, é necessário que essas informações saiam dos livros e artigos científicos e cheguem até as pessoas, em uma linguagem traduzida para o público leigo. E é disso que se trata a divulgação científica”.

Além de ajudar na conservação das espécies, a atividade de observação de aves pode trazer inúmeros benefícios para quem pratica. Cristine Prates ressalta que já existem estudos científicos que comprovam que a observação de aves e o contato com a natureza aliviam o estresse e podem curar casos de depressão.

“Você faz exercício que nem sente andando por trilhas e correndo atrás de um passarinho veloz para fotografá-lo. Além disso, as aves te fazem rir, chorar, pular de emoção. Te fazem viajar para lugares incríveis que você nunca teria imaginado ir se não fosse por elas. Te apresentam novos amigos que são loucos por passarinhos e te entendem perfeitamente. Te proporcionam compartilhar fotos incríveis e ensinar para outras pessoas o quão diversa e linda é a nossa natureza”, finaliza.

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