Operação leva peixe-boi Tico a adaptação ao ambiente natural

O processo de translocação do animal durou mais de 7 horas em um percurso de 200 Km entre Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza; e Icapuí, no extremo leste do litoral cearense

Por Lívia Priscilla
Colaboradora

O processo de translocação foi complexo e envolveu uma grande equipe para garantir a segurança e bem-estar do animal | Fotos: Mika Holanda / Acervo Aquasis

Caucaia / Icapuí – CE. O peixe-boi marinho Tico, de seis anos, é o quinto animal a ser translocado, neste ano, pela Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), organização não-governamental fundada há mais de 20 anos com o objetivo de proteger espécies ameaçadas e habitats importantes para a conservação da biodiversidade no Ceará.

Entre a noite do dia 9 de dezembro e a manhã do dia 10, o peixe-boi foi deslocado do Centro de Reabilitação de Mamíferos Marinhos (CRMM), no Serviço Social do Comércio (Sesc) Iparana, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF); para o Cativeiro de Aclimatação, na Praia da Peroba, no município de Icapuí, no extremo leste do litoral cearense.

A operação durou mais de sete horas, desde a saída de Iparana até a soltura do Tico no cativeiro, com distância percorrida de aproximadamente 200 Km. O comboio da translocação foi formado por técnicos e voluntários da Aquasis; membros do Corpo de Bombeiros, do Batalhão da Polícia Montada e da Polícia Militar do Ceará (PM-CE), estes atuando como batedores; além de voluntários da comunidade no local onde se localiza o cativeiro.

A equipe partiu de Iparana por volta das 23h da quarta e a soltura de Tico aconteceu por volta das 6h30 da manhã da quinta. Resgatado em outubro de 2014, o animal mede 2 metros e 68 cm, e pesa 346 quilos. Agora, Tico se une a Alva, Maceió, Maní e Pintada, outros quatro peixes-boi que já estão na aclimatação para se adaptarem ao ambiente natural.

A bióloga e vice-presidente da Aquasis, Cristine Negrão, explica que a translocação é o processo em que um animal é transportado de um cativeiro de reabilitação para um de aclimatação. Dessa forma, o peixe-boi é tirado do centro de reabilitação e colocado numa caixa de transporte especial, em cima de um caminhão, para ser levado, sedado, até o local de aclimatação.

Chegando ao litoral, o animal é retirado da caixa, colocado numa balsa e levado até o cativeiro, que fica a cerca de 200 metros da praia. “É uma operação bastante complexa, que envolve cerca de 40 pessoas, dependendo das dimensões do animal”, destaca Cristine. Como exemplo, a bióloga cita a operação anterior, em que foram levadas duas fêmeas de peixe-boi, sendo necessária uma equipe composta por 80 pessoas.

Reabilitação e aclimatação

O Centro de Aclimatação prepara para o ambiente natural o animal que foi reabilitado em cativeiro | Foto: Mika Holanda / Acervo Aquasis

O Centro de Reabilitação é uma estrutura voltada para que o animal trazido da natureza ou nascido em cativeiro possa se tornar apto para retornar ao mar. Durante este período, o peixe-boi recebe alimentação artificial e permanece em estrutura sem contato com a natureza e sem experiência com marés, ventos e embarcações.

Já o de Centro de Aclimatação vai preparar para o ambiente natural o animal que foi reabilitado em cativeiro, em um período que pode durar de seis meses a um ano, dependendo do indivíduo. Lá, o animal recebe alimento natural, com dieta variada composta por capim-agulha, algas e plantas de margens de rio e de manguezal.

Segundo Cristine Negrão, o protocolo de conservação da espécie orienta que o animal vá para o ambiente de aclimatação até por volta dos quatro anos. Como espécie que mama até os dois anos, o ideal é que o peixe-boi marinho seja levado para o cativeiro de aclimatação após o desmame. No entanto, isso não aconteceu no Ceará, pois estavam sendo buscados recursos para a construção do cativeiro de aclimatação.

“Estamos otimistas que o animal, mesmo em idade mais avançada, tenha condições de sobreviver na natureza. Eventualmente, se não se adaptarem, o protocolo é trazê-los novamente para a aclimatação, deixar mais um tempo e novamente soltar”, detalha a vice-presidente da Aquasis. De acordo com ela, se mais uma vez o animal não tiver boa adaptação, ele é capturado para ser definido o ambiente permanente, quer seja natural ou artificial.

Os animais que vão para a aclimatação passam por avaliações contínuas para verificar a saúde e para constatar se não leva nenhuma doença para a população nativa. Além do exame de sangue, são medidos o peso e o comprimento, bem como são observados aspectos como a existência de lesão na pele.

Antes de ser solto, o animal é marcado com um número para identificação e recebe equipamento de rastreio por satélite e por rádio, o qual vai permitir acompanhar a evolução dele, se está em local adequado, se está ferido ou se corre algum risco.

Já livre na natureza, outros fatores são analisados: se o indivíduo tem peso e tamanho adequados para a idade, se consegue se alimentar facilmente, se tem desenvolvimento corporal para ambiente de mar e se o comportamento está próximo ao natural da espécie.

A meta da Aquasis é que, no primeiro semestre de 2021, sejam iniciados os preparativos para a soltura dos primeiros animais, com o monitoramento e avaliação da adaptação e desenvolvimento deles em habitat natural. A translocação faz parte das estratégias de conservação adotadas pela Aquasis em prol dos peixes-boi marinhos no Ceará, por intermédio do Projeto Manatí.

A iniciativa conta com o patrocínio do Programa Petrobras Socioambiental e apoio do Sesc Ceará e Sistema Fecomércio. Além da equipe do projeto, o processo também teve auxílio da PM-CE, por meio do Regimento de Polícia Montada – Cavalaria (RPMON) e do Batalhão de Policiamento de Meio Ambiente (BPMA), da Secretaria de Meio Ambiente (Sema), do Corpo de Bombeiros e da Prefeitura de Icapuí.

Como contribuir para preservar

A bióloga Cristine Negrão explica que, como o peixe-boi que passa por reabilitação em cativeiro é mais dócil que o de vida livre, ele tende a se aproximar das pessoas porque tem o ser humano como referência. Porém, a bióloga orienta que população e turistas não interajam com os animais de nenhuma forma, caso eles se aproximem. Devido ao tamanho da espécie, o peixe-boi pode machucar pessoas ou causar acidente com embarcações, o que acaba com que ele seja malvisto e possa sofrer molestamento, com armas de fogo ou facadas. “Quanto menos interação, ele perde essa referência do ser humano, se torna mais selvagem”, afirma a pesquisadora.

Outra dica é a responsabilidade com os resíduos sólidos. Deve ser evitado ao máximo jogar sacos plásticos, canudos ou qualquer outro resíduo na natureza já que, eventualmente, isso vai para os oceanos e os animais marinhos podem ingeri-los. Aos pescadores, é recomendado, ainda, que os equipamentos de pesca não sejam abandonados no mar, pois a rede de pesca fantasma pode capturar acidentalmente uma série de animais, levando o peixe-boi, por exemplo, à asfixia e morte.

Por fim, a vice-presidente da Aquasis alerta que, caso alguém encontre animais como peixes-boi marinho, golfinhos e baleias, vivos ou mortos, encalhados na praia, não tente mexer neles ou levá-los de volta para o mar, principalmente em caso de filhotes de peixe-boi. A recomendação é que a pessoa entre em contato com a Aquasis para obter orientações.

Serviço

Aquasis – Orientação / Resgate 24 horas: (85) 9 9800-0109

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