A situação dos recifes de corais já é considerada crítica em diversos locais do Brasil, como é o caso do Rio Grande do Norte, onde 80% dos corais já estão branqueados.
Por Júlia Magalhães *
Recentemente, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA), emitiu um comunicado com alertando de que, entre março e julho de 2024, alguns pontos do Planeta teriam 90% de chance de sofrer com o branqueamento de corais. Isso se deve, principalmente, ao aumento na temperatura do mar.
No Brasil, esse fenômeno está sendo detectado da costa do Espírito Santo até o Rio Grande do Norte, com maior gravidade e extensão, até onde se sabe, na região Nordeste. Das sete áreas monitoradas pela agência, seis estão em nível de alerta.
Os sítios do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (Peld) / Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Costeiro Marinho Tamandaré Sustentável (TAMS), Costa Semiárida do Brasil (CSB), Costa dos Corais Alagoas (CCAL), Ilhas Oceânicas (ILOC), Abrolhos (ABRS) e Habitats Costeiros no Espírito Santo (HCES) já fazem um trabalho constante de pesquisa e análise nos recifes de quase toda a costa brasileira, e divulgam resultados dos impactos preocupantes dessa atual onda de calor.
Pontos críticos
O pesquisador Guilherme Longo, do Projeto Coral Vivo, relata que, no Rio Grande do Norte, 80% dos corais já estão branqueados, o que leva a região a um alerta de nível 2 da NOAA. A previsão é que a situação seja bem similar ao evento de branqueamento que aconteceu em 2020.
O Peld Ilhas Oceânicas, com informações de Fernando de Noronha, faz parte da Rede Coral Vivo que está monitorando o branqueamento em nível nacional, e conta com uma boia oceanográfica que registra em tempo real a temperatura da superfície e do fundo do mar. Os dados apontam que a região também está em Nível 1 de alerta (NOAA).
Os pesquisadores do Peld ILOC presentes na expedição são Marina Sissini, pós-doutoranda da Universidade Federal Fluminense (UFF), e o professor Paulo Horta, da Federal de Santa Catarina (UFSC) foram convidados pelo ICMBio-Noronha para fazer um monitoramento extra neste mês de abril.
Em Tamandaré, Pernambuco, o projeto TAMS já identificou várias espécies afetadas pela onda de branqueamento, e chama a atenção para um possível evento de grandes proporções.
No último dia de verão, boa parte dos recifes da região de Abrolhos, na Bahia, entrou no sistema de Alerta Nível 1 da NOAA para branqueamento. O professor Rodrigo Leão de Moura, coordenador do Peld ABRS, explica que o outono, estação em que acabamos de entrar, é justamente o período mais crítico para a saúde dos corais, por ter maior calor acumulado na água.
Já a região oceânica da Paraíba estava em alerta nível 2, o de maior gravidade, no ano passado. Em 2024, o indicador de aquecimento do oceano está retornando ao nível 1, mas isso não significa que a situação não continua crítica. Karina Massei, pesquisadora pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema) na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que estuda a restauração ecológica dos corais, explica que “o adoecimento dos corais é grave, pois provoca um efeito cascata, ou seja, compromete os outros seres vivos que possuem alguma relação com o sistema recifal”.
Mais ao Sul, no Espírito Santo, o Peld HCES registrou um aumento gradual do branqueamento a partir de outubro, com máxima em dezembro e uma redução da biomassa das algas, também neste mês.
Uma questão curiosa e preocupante: os pesquisadores encontraram organismos que são comumente associados a uma maior resiliência apresentando sinais de “estresse térmico”. A relação entre o aumento de calor e esses sintomas ainda vai ser testada, mas já foram registradas temperaturas de até 31°C nas águas dessa região, o que leva a um estado de alerta.
Real situação dos corais
As análises feitas pelos sítios Peld e demais pesquisadores e todas as informações coletadas, mesmo sendo preliminares, estão sendo de suma importância para mapear a real situação. Mais adiante, será possível ter uma concepção mais ampla do cenário.
“Ainda não se pode falar em branqueamento em massa neste momento, mas o prognóstico não é bom para os recifes de Abrolhos, que sofreram com o fenômeno em 1993, 1998, 2003, 2010, 2016-17 e 2019. Mais do que registar o branqueamento, a base de dados do Peld Abrolhos, a maior sobre recifes coralíneos no Atlântico Sul, vem permitindo estudar os efeitos cumulativos das ondas de calor, cujas consequências sobre o ecossistema recifal já podem ser categorizadas como catastróficas”, pontua Rodrigo Moura.
A onda anterior mais recente, entre 2019 e 2020, também foi grande e causou danos em diferentes partes da costa brasileira. Beatrice Padovani, coordenadora do Peld TAMS, destacou para a Agência Brasil que esses eventos estão cada vez mais frequentes, e são um aviso sobre a questão climática. “Eles podem nos dar alertas importantes sobre as mudanças climáticas. Não vão ser só os recifes de coral que serão afetados. É um alerta para a humanidade”, explica.
A dimensão do problema
Os corais são animais invertebrados (sem esqueleto ósseo). Não são plantas e nem fungos, como muitos podem pensar. Os recifes onde habitam formam ecossistemas extensos e ricos em biodiversidade, responsáveis por abrigar boa parte dos seres vivos marinhos. Portanto, os corais são essenciais para a vida. Apesar de conseguirem se alimentar sozinhos, eles baseiam grande parte de sua dieta numa relação simbiótica com algas zooxantelas – ou seja, os corais e essas algas vivem numa relação que é benéfica para os dois lados. Enquanto as algas fazem fotossíntese e passam nutrientes para os recifes, os corais oferecem abrigo e alimentação inorgânica.
O branqueamento ocorre quando a alga deixa o coral. Isso porque são os seus nutrientes que dão cor ao animal. Sem as zooxantelas, os corais se alimentam com deficiência, trazendo uma série de problemas que podem levar à morte.
Uma alga abandona o coral, geralmente, quando a temperatura do mar sobe, pois elas não conseguem continuar no habitat. Esse fenômeno pode ser natural e acontecer por diversos motivos. Mas, no caso que está sendo observado agora, a causa é uma anomalia térmica, isso porque os corais estão sofrendo em grupos numerosos, em diferentes locais do País e do mundo.
Espécies diversas compõem um recife de corais, o que significa que as reações a essas condições também são diferentes. Os corais-de-fogo (Millepora sp), são mais sensíveis e já apresentam branqueamento extenso.
* Júlia Magalhães é graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e é bolsista em iniciação científica (Pibic) com atuação no Projeto de Comunicação Pública da Ciência (Peldcom) do Peld/CNPq e foi orientada, nesta reportagem, pela jornalista Márcia Dementshuk.