‘Esperamos que a terra seja nossa’: a demarcação territorial e o impacto positivo no meio ambiente

As terras indígenas contêm 109,7 milhões de hectares de vegetação nativa, correspondendo a quase 20% de toda a vegetação nativa no Brasil em 2020.

Na foto, são mostradas as pernas e cintura de um homem indígena caminhando sob uma estradinha de barro, ao redor, pequenos matinhos

Francisco Carlos Mesquita Alves mantém uma relação com a terra, um cuidado e aprendizado passado de geração em geração | Foto: Natali Carvalho

Por Natali Carvalho
Programa Acelerando a Transformação Digital

Caucaia / CE. Desde pequeno, Francisco Carlos Mesquita Alves mantém uma relação com a terra, cuidado e aprendizado passados de geração em geração. Ele faz parte do Povo Tapeba, que vive no Ceará. “A vida do Povo Tapeba sempre foi complicada, pois é uma luta que se arrasta há mais de 30 anos. Para mim, trabalhar com a terra é excelente, pois tiramos o sustento e nossa vida dela. Temos o desejo pela demarcação pois esperamos que um dia esta terra realmente seja nossa”, explica.

A área de plantio de milho e feijão hoje usada pelos Tapeba é resultado de uma retomada feita anos atrás, com o propósito de proteger o espaço de direito deles e proporcionar aos indígenas um local onde pudessem plantar e colher. “Tínhamos medo de plantar em outros locais, porque não tinha segurança, os posseiros estavam nas mãos deles. Embora a terra fosse nossa, nós tínhamos muito medo de ter confusão”, afirma Francisco.

Hoje no Brasil há um total de 724 Terras Indígenas (TI) com processo administrativo de demarcação aberto ou encerrado, como a dos Tapeba, que já foi declarada e aguarda a homologação do presidente. Enquanto 67,27% das áreas já se encontram reservadas ou homologadas, pouco mais de 16% ainda estão em alguma das fases do longo processo de demarcação.

Homem indígena sorrindo, com blusa branca e colar de proteção. Próximo ao tronco de uma árvore, ao longe uma plantação de milho

“A vida do povo Tapeba sempre foi complicada, pois é uma luta que se arrasta há mais de 30 anos”, afirma Francisco Carlos Mesquita| Foto: Natali Carvalho

Processo este que enfrenta um pensamento carregado de preconceito que move a bancada ruralista deste País. Utilizando o argumento que tem “muita terra para pouco índio”, o agronegócio luta para engolir todo o território brasileiro. Estudos populacionais recentes, no entanto, mostram que as terras indígenas apresentam densidade demográfica acima da média do seu entorno.

“É um equívoco esse pensamento”, afirma Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA). Afinal, diz ela, as terras indígenas prestam um serviço ecossistêmico que beneficia todo mundo. “Temos estudos que mostram que devido às áreas florestadas no Mato Grosso, temos um volume de chuvas maior do que teríamos se ela tivesse sido desmatada, por exemplo”.

Esses territórios existentes no País são essenciais para a regulação climática, regulação das chuvas, enfim. “Não adianta as pessoas pensarem que se acabar as terras indígenas, desmatar tudo e cimentar, que suas vidas continuarão as mesmas, porque teremos impactos nas vidas individuais, nas chuvas, no clima, na temperatura”, conclui a advogada.

Serviços ecossistêmicos

Mãos masculinas seguram pedaços de palha de carnaúba de tom marrom

Para Francisco, trabalhar com a terra é excelente, pois é de lá que ele tira o sustento e a vida | Foto: Natali Carvalho

Juliana enfatiza que falta uma conscientização da sociedade sobre os serviços ecossistêmicos que as terras indígenas prestam para toda a humanidade. Só as terras indígenas da Amazônia brasileira produzem mais carbono que as florestas tropicais do Congo. E a perda disso poderia causar mudanças climáticas em nível continental, no regime de chuvas e na temperatura.

As terras indígenas ocupam 13,9% do território brasileiro e contêm 109,7 milhões de hectares de vegetação nativa, correspondendo a quase 20% de toda a vegetação nativa no Brasil em 2020.

Quando analisamos a perda de vegetação nativa no Brasil nas últimas três décadas, (1990-2020), chegamos ao número de 69 milhões de hectares. Dentre as categorias fundiárias, as TI estão entre as áreas mais protegidas.

Apenas 1,1 milhão de hectares desmatados estão nessas áreas, equivalendo a 1,6% de toda a perda de vegetação nativa nos últimos 30 anos. Por outro lado, nas áreas privadas a perda de vegetação nativa chegou a 47,2 milhões de hectares, o que representou 68,4% de todas as perdas.

MAPA: DESMATAMENTO [CAMADA COM TERRAS INDÍGENAS]

“Quando a Amazônia estava queimando, o céu de São Paulo ficou preto, três horas da tarde. Existe conexão, não é só porque estamos longe da Amazônia que isso não afeta nossa vida”, conclui Juliana.

MAPA: CICATRIZES DE FOGO [CAMADA COM TERRAS INDÍGENAS]

Demarcar é proteger

Uma área de plantio de milho, ao longe cajueiros podem ser vistos

A área de plantio de milho e feijão hoje usada pelos Tapeba é resultado de uma retomada feita anos atrás | Foto: Natali Carvalho

Para Lindomar Terena, liderança do Conselho Terena no Mato Grosso do Sul, além de preservar a cultura, os uso e costumes, as tradições dos povos indígenas e das distintas regiões do País, a demarcação das terras indígenas no Brasil também contribui para a proteção da natureza.

“É também fazer com que a cultura da humanidade possa se estender de gerações e gerações. Para que a natureza não esteja tão irada como estamos observando atualmente, com os transbordamentos de rios, os vendavais, todo esse tipo de coisa. Demarcar é também contribuir com a preservação da natureza”, afirma Terena.

“Onde tem terra indígena, tem floresta, pois esses territórios indígenas colocam freios no desmatamento”, explica a antropóloga Luísa Molina, que reforça o argumento de que além da preservação dos povos originários, a demarcação territorial tem um papel expressivo na preservação da natureza.

Sendo a grande contribuição da demarcação, não apenas de produção para os povos indígenas, mas para proteção de florestas e rios, até mesmo a nossa segurança hídrica, que em grande medida está assegurada pela demarcação de terras indígenas e pela proteção das unidades de conservação das florestas internacionais, explica ainda Luísa.

Quanto mais áreas demarcadas e protegidas do avanço incessante da produção de monocultura, da produção agrícola intensiva, maior será a segurança dos povos indígenas.

“As terras indígenas demarcadas são absolutamente fundamentais para a garantia da vida autônoma das comunidades indígenas e da segurança física, cultural e ambiental dessas comunidades. Essas coisas estão todas ligadas. Quanto mais vulnerável for a terra, sem garantias de demarcação, de proteção por parte do Estado, mais suscetível ela fica de ser palco de investida do crime ambiental, por exemplo, da exploração predatória ilegal de madeira, garimpo e outras coisas”, relata Luísa.

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