A proteção até existe, mas a maior parte das áreas protegidas é de uso sustentável, o que não garante uma conservação efetiva da biodiversidade desses locais
A Bacopa cochlearia é uma planta inicialmente conhecida no litoral de cearense e depois mapeada também nas zonas costeiras do Maranhão e do Piauí. É uma espécie típica da região costeira nordestina que até hoje não tem registro fora deste escopo, porém, ocorre em áreas alagáveis próximas ao mar, ambientes muito pressionados pela ocupação urbana por loteamentos e resorts. Essas informações são do professor Marcelo Freire Moro, do curso de Ciências Ambientais do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC) e se conectam com a pesquisa de uma orientanda sua do Doutorado em Ciências Marinhas Tropicais.
Ingrid H’Oara é bióloga, mestre em Ecologia e professora do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) – Campus Acaraú, e estuda o progresso do Brasil na implementação de Áreas Costeiras e Marinhas Protegidas.
Dentre os objetivos estratégicos das Metas de Aichi, acordo firmado em 2010 para a implementação do Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020 das Nações Unidas, no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), 194 países signatários, incluindo o Brasil, comprometeram-se a ampliar a cobertura de seus territórios costeiros e marinhos em pelo menos 10%, por meio da criação de novas Áreas Protegidas (APs). A Meta 11 de Aichi visa melhorar a situação da biodiversidade, por meio da proteção de ecossistemas, espécies e a diversidade genética. Além disso, a meta também inclui exigências qualitativas, com o objetivo de efetivar a conservação. E é sobre isso a pesquisa de H’Oara.
A pesquisadora conta que, embora não seja o objetivo principal do seu estudo, um dos artigos avaliados para a parte metodológica da revisão sistemática de literatura destacou que a meta de cobertura global foi atingida pela ecorregião Nordeste do Brasil, muito embora algumas espécies importantes ainda não estejam protegidas pelas UCs de proteção integral dentro dessa região, o que destaca a necessidade urgente de expandir a cobertura das APs para melhorar a representação ecológica e evitar mais perdas de biodiversidade. Este dado reforça a discussão de que, mesmo com a cobertura atingida, a conservação ainda não é efetiva.
“A motivação para este estudo surgiu da inquietação em compreender como o Brasil progrediu ao longo do tempo nessas questões, uma vez que diversos autores apontam falhas significativas na qualidade da proteção. Nesse contexto, surgiu a ideia de avaliarmos, em conjunto, os avanços na designação de APs e as dimensões qualitativas reconhecidas na literatura, que incluem aspectos sociais, ecológicos, econômicos e de governança. Nosso objetivo foi avaliar a eficácia dessas áreas para identificar progressos, limitações e a situação atual da conservação costeira e marinha no Brasil, com base na literatura publicada e em dados oficiais”, explica a professora.
Menos proteção
Resumindo a situação, espécies únicas, que provavelmente só existe em determinado trecho do litoral brasileiro, como a Bacopa cochlearia, podem desaparecer por carência de proteção efetiva para esses ecossistemas: “as principais constatações indicam que o Brasil teve avanços significativos na ampliação da cobertura de seu território por APs. No entanto, a maioria dessas áreas pertence à categoria de Área de Proteção Ambiental (APA), que apresenta menor grau de proteção legal. Em contrapartida, as áreas de proteção integral, que garantem maior nível de proteção, representam apenas 3,5% da extensão costeira e marinha do País”, acrescenta.
A pedido da Eco Nordeste, a pesquisadora calculou um recorte da proteção nesses territórios na Região: “no Nordeste são 88 Unidades de Conservação (UCs) dentro do sistema costeiro e marinho, sendo 25 de Proteção Integral (PI) e 63 de Uso Sustentável (US). Juntas elas somam 990.874 km² de cobertura. Vale destacar que 88% desse total são cobertos por UCs de US e 12% por UCs de PI”.
Por fim, ela destaca que ainda há pouca investigação sobre muitos aspectos qualitativos que são cruciais para a efetividade da conservação nas APs: “as análises realizadas concentram-se, majoritariamente, nas dimensões ‘Ecológicas’ e de ‘Governança’, e deixam lacunas em outras dimensões importantes. Além disso, constatamos que o Brasil carece de uma estrutura padronizada e prática para avaliar de forma integrada os aspectos quantitativos e qualitativos das APs, com foco na mensuração do progresso em direção às metas globais de conservação”.
H’Oara pontou, ainda, que essas discussões são uma parte da sua tese, somente, que também avaliará outros aspectos relacionados ao ambiente costeiro e marinho.