Comunidade luta pelo mangue na Baía de Todos os Santos

No Dia Mundial de Proteção aos Manguezais, conheça o projeto Recife das Pinaúnas, iniciativa que une escolas, empresas e comunidades de diversos municípios da Baía de Todos os Santos em ações de regeneração ecológica e fortalecimento comunitário.

Três crianças, vestindo camisetas verdes e bermudas azul-escuro com listras amarelas, estão agachadas em um manguezal, sobre o solo lamacento e repleto de raízes aéreas. Elas interagem atentamente com o ambiente: tocam o solo, observam plantas e manipulam pequenos galhos, demonstrando curiosidade e cuidado. O mangue ao redor é denso, com raízes entrelaçadas e vegetação verde
O projeto parte da escuta ativa, do reconhecimento dos saberes locais e do envolvimento de jovens como protagonistas ambientais | Foto: Dakorô

“O mangue não é lugar sujo. É berço. É filtro. É alimento. É sagrado”. A frase da educadora ambiental Deusdélia Andrade, mentora do projeto Recife das Pinaúnas, não é apenas uma defesa apaixonada de um ecossistema ameaçado, mas um manifesto sobre território, pertencimento e vida. Na Baía de Todos os Santos (BTS), onde o avanço urbano e industrial pressiona os manguezais, ela e sua equipe vêm formando uma geração que aprende, desde cedo, a ver no mangue um espaço de cuidado e resistência.

Com uma área de aproximadamente 1.100 km² e mais de 200 km de perímetro, a Baía abriga uma das maiores extensões de manguezais do Brasil. Em 2007, pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) mapearam 177,6 km² de manguezais e 10,2 km² de apicuns na região, com uso de imagens CBERS-2 e o software SPRING. Três anos depois, com base em imagens áreas de alta resolução, um novo levantamento realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) estimou a redução das áreas vegetadas: os manguezais somavam cerca de 59,7 km² e os apicuns, 9,5 km².

Essa retração, segundo os estudos, está associada ao avanço da urbanização, da indústria petrolífera e de empreendimentos como a carcinicultura. Mas também reflete mudanças climáticas e alterações na dinâmica das marés. No chão – ou melhor, no lodo – o impacto se traduz em menor biodiversidade, perda de território tradicional e ameaça direta à segurança alimentar das comunidades costeiras.

Educação ambiental no território

É nesse contexto que, em 2023, nasceu o Recife das Pinaúnas, um projeto de educação ambiental e mobilização social que atua com escolas públicas nos municípios de Vera Cruz, São Francisco do Conde, Madre de Deus e Candeias, entre outros do entorno da Baía. A iniciativa é liderada por educadoras e educadores locais, e foi implementada inicialmente em parceria com o empreendimento Village Itaparica, em uma escola da comunidade de Conceição, na Ilha de Itaparica.

O que o mangue ensina

A imagem mostra uma paisagem de manguezal, com árvores de raízes aparentes e troncos retorcidos em primeiro plano. Entre os galhos e folhagens, é possível ver ao fundo uma pessoa vestindo colete amarelo caminhando sozinha em uma área rasa de lama e água, provavelmente durante a maré baixa. O cenário é natural, com contrastes entre o verde intenso das árvores, o mar ao fundo e o solo escuro do mangue
O Recife das Pinaúnas é um projeto de educação ambiental e mobilização social que atua com escolas públicas nos municípios de Vera Cruz, São Francisco do Conde, Madre de Deus e Candeias, entre outros do entorno da Baía de Todos os Santos | Foto: Deusdelia Andrade

Para Deusdélia Andrade, trabalhar com o mangue é um ato pedagógico e político. “O manguezal é um espaço de resistência e de vida. Um lugar que alimenta, protege, ensina. Trabalhar com ele é também ensinar política, justiça, ancestralidade”.

Ela explica que o projeto parte da escuta ativa, do reconhecimento dos saberes locais e do envolvimento de jovens como protagonistas ambientais. “Nosso trabalho é garantir que esse legado não se perca. O mangue ensina sobre equilíbrio, pertencimento e cooperação. E é isso que levamos para a sala de aula – ou melhor, para a maré”, resume.

O projeto utiliza estratégias pedagógicas que conectam ciência e cultura: aulas práticas no mangue, visitas guiadas, oficinas criativas e ações de reflorestamento. Adolescentes formados pelo projeto atuam como monitores de crianças mais novas, promovem trocas intergeracionais e valorização dos saberes tradicionais. As ações são realizadas sempre em diálogo com a realidade das comunidades envolvidas.

“Já tivemos adolescentes que se tornaram mobilizadores ambientais nas suas comunidades. Gente que hoje puxa mutirão, organiza campanha, discute política ambiental na escola”, celebra orgulhosa Deusdélia.

Corresponsabilidade e escuta ativa

Entre os diferenciais do Recife das Pinaúnas está o envolvimento de empresas que atuam em áreas ambientalmente sensíveis. O Village Itaparica, por exemplo, decidiu ir além da obrigação legal de manter a vegetação nativa preservada dentro de sua propriedade e se comprometeu com a regeneração do mangue por meio da educação.

“Assumimos um papel que ultrapassa o econômico: nos tornamos co-responsáveis pela regeneração ambiental e pela justiça social no território onde atuamos”, afirma Adriana Muniz, gerente de ASG do empreendimento. Ela destaca que o trabalho realizado por meio da parceria com o Recife das Pinaúnas não é um projeto de marketing, mas um pacto vivo entre empresa, natureza e comunidade. “Partimos do princípio de que a comunidade é protagonista da mudança e que a empresa está ali para aprender, apoiar e fomentar essa potência”, explica.

Além do Village Itaparica, o projeto conta com o apoio de outras empresas que vêm fortalecendo as ações em escolas públicas e áreas de manguezal em diferentes municípios do Recôncavo e da Região Metropolitana de Salvador.

Proteger, regenerar e inspirar

O nome Recife das Pinaúnas foi escolhido para refletir a riqueza e biodiversidade dos recifes de corais da Ilha de Itaparica, conhecida pela diversidade do ouriço Pinaúna com cinco espécies diferentes que habitam os recifes da ilha. Mais do que uma homenagem, o nome simboliza a importância da preservação desses ecossistemas para a comunidade e para a biodiversidade regional.

Para Deusdélia, cuidar do manguezal é também proteger os recifes, garantir a pesca, a biodiversidade e a vida em comunidade. Portanto, celebrar o Dia Mundial de Proteção aos Manguezais, segundo ela, é muito mais do que plantar mudas. “O mangue me ensina todo dia. Ele resiste, mesmo quando tudo à sua volta é ameaça. Ele se refaz. É essa força que queremos que os jovens levem com eles. É um compromisso com o território, com a memória e com o futuro”, finaliza.

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