O defeso começou em 30 de dezembro e vai até o dia 3 de abril, com variações entre os estados do Norte e Nordeste, onde se aplica

A carne do caranguejo-uçá (Ucides cordatus) é muito apreciada na culinária do norte/nordeste brasileiro. Em Fortaleza, por exemplo, há décadas caranguejada não é apenas sinônimo de praia no fim de semana ou de férias. A Quinta do Caranguejo leva fortalezenses e turistas a vários pontos da cidade onde a iguaria pode ser apreciada nas noites de quinta-feira também.
Mas o consumo intensivo e crescente ao longo dos anos e o desrespeito ao período reprodutivo da espécie, conhecido popularmente como “andada”, quando os caranguejos machos e fêmeas deixam suas tocas no manguezal para acasalar e liberar ovos, tem levado a um declínio significativo da sua população. Por esse motivo o governo instituiu uma regra, o defeso.
Janaína Oliveira dos Santos, bióloga marinha, especialista em Biologia Reprodutiva do caranguejo-uçá e coordenadora geral do Projeto UÇÁ, que conta com a parceria da Petrobras , por meio do Programa Petrobras socioambiental, destaca que os Estados do Norte e Nordeste, por apresentarem uma maior área contínua de manguezal, hoje são os principais produtores desta espécie.
Ela acrescenta que, devido aos estados do norte e nordeste apresentarem alta demanda turística, e ter esse recurso (caranguejo-uçá) com mais facilidade, o consumo realmente é mais alto nessas regiões. “Porém, em outros lugares do País, como o litoral de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, também se consome bastante esse recurso”.
Por fim, afirma que atualmente o caranguejo-uçá não está ameaçado de extinção, “mas, para continuar assim, é necessário que o período de defeso da espécie seja respeitado, assim como o tamanho mínimo de captura (6 cm de carapaça). Além disso, vale lembrar que, independentemente da época do defeso, é proibida a captura de fêmeas ovígeras (com ovas) do caranguejo-uçá, em qualquer época do ano”.
O defeso visa assegurar a proteção do ciclo reprodutivo do caranguejo-uçá, essencial para a sustentabilidade da espécie e para a manutenção dos ecossistemas de manguezais, em suma, evitar a sua extinção.
Para este 2025, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) publicaram a Portaria Interministerial MPA/MMA Nº 22/2024, que definiu o períodos de defeso de 30 de dezembro a 3 de abril, com variação de acordo com a localização, nos estados do Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, conforme a indicação abaixo.
Período de Defeso em 2024/2025
30/12/2024 a 04/01/2025
Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia
13/01/2025 a 18/01/2025
Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba
29/01/2025 a 03/02/2025
Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia
27/02/2025 a 04/03/2025
Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia
29/03/2025 a 03/04/2025
Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia
Para proteger essa fase crucial do ciclo reprodutivo da espécie, no período, proibidos a captura, o transporte, o beneficiamento, a industrialização e a comercialização do caranguejo-uçá.
A portaria também determina que pessoas físicas ou jurídicas que atuam com manutenção, conservação, beneficiamento, industrialização ou comercialização do caranguejo-uçá deverão apresentar uma declaração de estoque detalhada antes do início de cada período de defeso.
Mesmo durante o defeso, a comercialização dos estoques declarados será permitida em caráter excepcional, desde que comprovada a origem. Produtos de captura apreendidos pela fiscalização, quando vivos, deverão ser devolvidos ao habitat natural, de acordo com o Decreto Nº 6.514/2008.
Bahia de Todos-os-Santos
Nesta semana, a Caravana do Defeso, que percorre municípios da Baía de Todos-os-Santos e do Baixo Sul com o objetivo de fortalecer o diálogo com pescadores, marisqueiras e comunidades tradicionais, chegou a Valença (a 123,9 km de Salvador), onde promove debate sobre os riscos que afetam os ecossistemas costeiros e a necessidade de conservar a biodiversidade marinha. A iniciativa é coordenada pela Secretaria do Meio Ambiente (Sema) e pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema).
O encontro reuniu pescadores, marisqueiras e lideranças comunitárias para discutir questões cruciais, como a contaminação, a supressão dos manguezais, a bioinvasão e a pesca fantasma. Durante as discussões, especialistas e representantes das comunidades compartilharam experiências e apresentaram soluções para enfrentar esses desafios.
Segundo Carla Andrade, técnica do Inema, a deterioração dos manguezais afeta diretamente a reprodução de diversas espécies, como o caranguejo-uçá, elemento crucial para a manutenção do equilíbrio ecológico e para a economia local. “Os manguezais são berços naturais da vida marinha. A retirada de vegetação para ocupação desordenada e o descarte irregular de resíduos ameaça esse ecossistema essencial”, alertou.
Moradores da região também manifestaram apreensão em relação aos perigos ocultos no mar. A pescados Damiana da Silva destacou: “A gente que vive da pesca, conhece bem a contaminação e as dificuldades enfrentadas diariamente, mas desconhece os riscos que se escondem nas profundezas”.
Para Francisco, conhecido na região como Chico do Gelo e diretor de pesca do município de Valença, o encontro esclareceu a importância de preservar as espécies durante o período de defeso. “Se não houver conservação, essas espécies podem se extinguir, afetando diretamente os pescadores e marisqueiros que delas dependem”, afirmou.
Outro tema discutido foi a pesca fantasma, que ocorre quando redes e apetrechos de pesca abandonados continuam capturando animais marinhos acidentalmente. Representantes de colônias de pescadores destacaram a relevância da educação ambiental e de programas de reciclagem para reduzir esse impacto.
Bioinvasão e novas ameaças
A bioinvasão foi um dos tópicos centrais na roda de conversa, que focou a introdução de espécies exóticas que colocam em risco a fauna e a flora locais. Alice Reis, oceanógrafa e coordenadora de gerenciamento costeiro da Sema, explicou que espécies como o coral-sol e o coral-mole já foram identificadas na Bahia e estão sendo monitoradas para evitar sua expansão. “Esses corais competem com as espécies nativas e prejudicam a interação entre peixes e recifes. Os peixes não reconhecem esses corais invasores e acabam perdendo seu habitat natural, afetando toda a cadeia ecológica”, alertou.
Outro ponto que gerou considerável apreensão foi o avanço do peixe-leão, espécie recentemente identificada na costa baiana. Esse peixe possui 18 espinhos venenosos, capazes de causar dor intensa, inflamação e reações alérgicas graves. “Quem lança e recolhe a rede muitas vezes não percebe o que está capturando. Mas esse peixe machuca”, alertou Alice. Ela recomendou aos pescadores que evitassem o contato direto e que não o devolvessem ao mar.
Além da bioinvasão, o encontro em Valença abordou ainda outros riscos para a zona costeira, como a contaminação, o desmatamento e a pesca predatória por meio de bomba e arrastão.
Nesta semana a Caravana do Defeso também passou por Camamu (20) e hoje está em Jaguaripe para ampliar o diálogo com as comunidades pesqueiras e promover ações de conscientização ambiental.
O envolvimento da comunidade é essencial para a proteção dos recursos naturais e para a construção de um futuro sustentável para a pesca. O Inema destaca que, além do apoio direto, qualquer cidadão pode reforçar o combate à pesca ilegal por meio dos seus canais de denúncia, 0800 071 1400 (Disk Denúncia), que atende temporariamente no número (71) 3510-0607, e também pelo e-mail: denuncia@inema.ba.gov.br.