Bióloga inicia, no Piauí, a criação do Museu da Caatinga

Este conteúdo é o primeiro de uma série de três especiais do jornalista Flamínio Araripe, em colaboração para a Eco Nordeste, fruto de viagem a São Raimundo Nonato, no Piauí, onde fez uma imersão na natureza do presente e do passado e em intervenções importantes e necessárias para a preservação de um patrimônio singular.

A imagem mostra uma mulher de cabelos grisalhos em pé ao ar livre em uma paisagem seca e rochosa com vegetação esparsa. A pessoa está vestindo uma camisa azul e carrega uma bolsa a tiracolo. Ao fundo, há colinas e um céu parcialmente nublado. A cena parece estar em uma região semiárida ou árida, possivelmente durante a estação seca, devido à vegetação marrom e seca.
Em visita ao Parque Nacional Serra da Capivara para realizar pesquisa, em 2013, a bióloga Rute Andrade se encantou com a paisagem da Caatinga e foi morar em São Raimundo Nonato | Foto: Flamínio Araripe

São Raimundo Nonato (PI). Foi iniciado no Piauí, na região do Parque Nacional Serra da Capivara, o projeto do Museu da Caatinga (Muscaa), inspirado no Museu da Amazônia (Musa), de Manaus. Concebido em 2007 por Ennio CandottI (1941-2023), então presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Musa nasce em 2009 no Estado do Amazonas, em área de reserva florestal, como um museu vivo, espaço de integração do bioma amazônico com a educação e a pesquisa da biodiversidade.

Ênio, quando diretor do Musa e presidente de honra da SBPC, deu a ideia de criar o Museu da Caatinga à bióloga Rute Maria Gonçalves de Andrade, amiga e secretária geral da SBPC na gestão em que foi vice-presidente desta entidade. O Muscaa seria, segundo ele, um “museu irmão do Musa”.

Em visita ao Parque Nacional Serra da Capivara para realizar pesquisa, Rute Andrade se encantou com a paisagem da Caatinga e foi morar em São Raimundo Nonato, em outubro de 2013. Um morador do município, ao saber do interesse de Rute Andrade na preservação da caatinga, lhe ofereceu uma área de pouco mais de 18 hectares, perto de uma das entradas do Parque Nacional Serra da Capivara.

Como o proprietário não podia desmatar a Caatinga, nem a terra servia à pecuária, ofereceu a venda dos 18ha por preço barato. Em 2017, Rute Andrade se mudou para a casa do antigo morador, na zona rural do Semiárido piauiense. Outro dono lhe vendeu nas imediações duas outras glebas, que somam pouco mais de 6 hectares, em iguais condições.

Para inibir os caçadores, ou a entrada de pessoas estranhas, de modo a não interferir no seu experimento de restauração ecológica, a bióloga cercou de arame a propriedade. Reproduziu fotos de animais do bioma no muro lateral no portão de entrada com os dizeres “Museu da Caatinga (Muscaa) – Reserva Natural Particular – Área em restauração ecológica – Fauna e flora em processo de recuperação”.

Eram áreas sem registro, apenas com documento de compra e venda. Neste ano, o Instituto de Terras do Piauí (Interpi) regularizou as propriedades localizadas no assentamento do Incra na Serra Vermelha, que inclui as três áreas de Rute Andrade. Agora, com o título definitivo de posse, recebido em setembro, ela vai dar entrada ao registro das três áreas como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Animais peçonhentos

Bióloga com especialização em Entomologia, ciência que estuda os insetos, lotada no laboratório de Imunologia do Instituto Butantã, onde estudava aranhas, a pesquisadora tem mestrado e doutorado em Saúde Pública na Universidade de São Paulo (USP). Em 2007, Rute soube da presença de aranha marrom, a mais venenosa no Brasil, na Serra da Capivara. Ao ministrar um minicurso sobre animais peçonhentos na Reunião Regional da SBPC em Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), em 2007, dois professores do curso de Arqueologia do campus da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) em São Raimundo Nonato, Pedro e Fátima, relataram a existência do aracnídeo. Uma jovem trabalhava no local e foi picada pela aranha.

A professora Fátima mostrou a Rute a foto da perna da garota com lesões graves no local da picada. O lançamento do edital para criação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), trouxe recursos para a pesquise de Rute. Com a instalação do INCT Toxinas, para estudo do veneno das serpentes, escorpiões e aranhas, a pesquisadora conseguiu aprovar seu projeto.

O coordenador do grupo de pesquisadores, Osvaldo Santana, do Instituto Butantã, designou Rute Andrade para coordenar o projeto da área de Biodiversidade no INCT Toxinas, e fazer o levantamento dos aracnídeos importantes na saúde na região da Serra da Capivara. O INCT patrocinou recursos para apoio técnico e bolsas para realizar a pesquisa no Sítio Boqueirão da Pedra Furada, onde são vistas mais de 1 mil pinturas rupestres e ocorrem escavações de pesquisa arqueológica.

Na área das escavações cercada por tapumes, vetada à visitação do público, por trás das passarelas por onde os turistas apreciam a diversidade de inscrições rupestres no paredão de rocha arenítica, Rute encontrou algumas teias de aranha. Ao examinar o local, encontrou dois exemplares (macho e fêmea) de uma espécie de aranha marrom, ainda não descrita na ciência, que veio a ser por ela denominada Loxosceles niedeguidonae.

O nome foi dado em homenagem a Niède Guidon, que criou o Parque Nacional Serra da Capivara e incentivou a abertura do campus da Univasf em São Raimundo Nonato. “Niède é uma desbravadora, pioneira. Mulher inteligente, sagaz que marca sua presença na ciência, na Arqueologia, no ambientalismo e nas pessoas que se relacionam com ela. Aprendo muito com ela. Sou sua admiradora”, afirma Rute Andrade, que hoje é secretária regional da SBPC no Piauí, representante da entidade no Estado.

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