Por Alice Sales
Colaboradora

A população desta ave vem crescendo gradativamente, e pouco a pouco, deixa a situação de perigo de extinção | Foto: Fábio Nunes

Guaramiranga- CE. Atualmente classificada como Em Perigo (EN) pelo Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, o Periquito Cara-suja  (Pyrrhura griseipectus) é uma espécie  endêmica do Nordeste, que hoje só é avistada no Estado do Ceará. Graças a um trabalho de conservação realizado pela Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), a população desta ave vem crescendo gradativamente, e pouco a pouco, deixa a situação de perigo de extinção. É o que apontam os resultados do 3° Censo do Periquito Cara-suja, realizado na Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra de Baturité, no último fim de semana, que contabilizou 675 indivíduos.

Segundo Fábio Nunes, biólogo e coordenador do Projeto Periquito Cara-Suja, este número é bastante otimista, pois representa um incremento de 30% na população em relação ao censo do ano passado, que contabilizou 456 exemplares. Segundo ele, o número possivelmente reflete também em uma taxa de sobrevivência de novos indivíduos nascidos em ninhos artificiais. Em 2017, voaram 165 jovens periquitos cara-suja dos ninhos; e em 2018, 234 indivíduos. Já neste ano, 324 filhotes voaram dos ninhos artificiais na Serra de Baturité. No total dos últimos dez anos, 1.165 exemplares voaram dos ninhos artificiais.

Para Weber Girão, biólogo e membro fundador do Projeto, os três censos realizados anualmente desde 2017 refletem o resultado de uma década de esforços para a conservação, com a espécie aumentando de contingente na natureza em consonância com o incremento de aves nascidas em caixas-ninho. “Para a espécie a importância é a sua sobrevivência, para a nossa sociedade a conquista é saber que podemos ajudar a natureza, apesar dos cenários tristes que temos observado”, comemora.

A ave, que antes era comum em áreas dos estados do Ceará, Alagoas e Pernambuco, enfrenta o desafio de se reproduzir e sobreviver aos efeitos da captura ilegal para o tráfico e o desmatamento das florestas de onde é nativa. Por causa do desmatamento no passado, a floresta da Serra do Baturité, onde também há uma Unidade de Conservação (UC) na categoria de Refúgio de Vida Silvestre (RVS) do Periquito Cara-Suja, ainda é relativamente jovem e não possui tantas árvores com condições favoráveis para a formação de ninhos naturais. Daí a necessidade de instalar caixas-ninho em diferentes pontos da mata para facilitar o abrigo e reprodução desta espécie, que possui o hábito de se aninhar em ocos de árvores.

Além da contagem na Serra do Baturité, neste ano o Censo do Periquito Cara-Suja contou com o auxílio dos resultados dos estudos de Werlyson Pinheiro, que durante o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na Universidade Estadual do Ceará (Uece) realizou o censo nas outras áreas onde a espécie ocorre: Serra do Mel, em Quixadá; Serra Azul, em Ibaretama; e Serra do Parafuso, em Canindé. O total nessas três áreas resultou na contagem de 114 indivíduos.

A ave, que antes era comum em áreas dos estados do Ceará, Alagoas e Pernambuco, enfrenta o desafio de se reproduzir e sobreviver aos efeitos da captura ilegal para o tráfico e o desmatamento das florestas de onde é nativa | Foto: Fábio Nunes

O censo tem como intuito elucidar a dinâmica da taxa de sobrevivência, além de mensurar tendências populacionais, assim como o impacto dos ninhos artificiais instalados na área como ferramenta aliada à conservação. Além disso, o evento funciona como uma estratégia para engajar a comunidade local e estudantes. Na ocasião, os participantes estiveram envolvidos nos três dias de atividades que contaram com palestras, treinamentos, observação e contagem simultânea das aves.

Como é feita a contagem

Em dois dias de intensas atividades em prol da contagem dos indivíduos, o censo reuniu 158 voluntários que se distribuíram em 147 pontos da Serra do Baturité. Os pontos correspondem a ninhos naturais e caixas-ninho, que as aves procuram para ocupar. O procedimento é feito ao fim da tarde, quando aos poucos os exemplares vão chegando para dormir nos ninhos.

Assim começa um exercício que requer silêncio e concentração por parte dos voluntários, que procuram ficar o mais escondidos possível para que as aves não notem sua presença e debandem. Com o auxílio de binóculos e câmeras fotográficas de longo alcance, os voluntários contam quantos indivíduos entram nos ninhos e quantos saem, em um intervalo de tempo que dura do início da tarde ao anoitecer. O resultado da contagem de cada ponto é a diferença entre o número de indivíduos que entram nas tocas e o número dos que saem. Aqueles periquitos que entram nos ninhos e em seguida vão embora, irão dormir em outro ponto e serão contabilizados por outro observador.

Em dois dias de intensas atividades em prol da contagem dos indivíduos, o Censo reuniu 158 voluntários que se distribuíram em 147 pontos da Serra do Baturité | Foto: Heideger Nascimento

Ao final dos dois dias de evento, é feita a soma da contagem de todos os pontos mapeados. Segundo Fábio Nunes, o trabalho com o Censo na Serra de Baturité começa em agosto, quando diariamente a equipe do Projeto Periquito Cara-Suja faz checagem e buscas de dormidas da ave por toda a serra, para mapear os pontos de contagem. “Todos as áreas de dormidas são dentro dos limites da Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra de Baturité, apesar de a espécie já ter sido registrada se alimentando fora da Unidade de Conservação”, destaca.

Programação do Evento

Durante os dois dias de atividades, os voluntários ficaram alocados na Estação Ecológica da Uece, no município de Pacoti. Durante o evento, o público participou de palestras sobre diferentes temas voltados para a conservação. Na manhã do sábado (30), Emanuel Barreto, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), apresentou o Plano de Ação Nacional Para a Conservação de Aves da Caatinga. Em seguida, os biólogos da Aquasis, Onofre Monteiro e Gabriela Ramires apresentaram o Projeto de Conservação de Aves Migratórias, realizado pela instituição, no Banco dos Cajuais, no município de Icapuí.

Um ponto alto do evento foi a solenidade de entrega de uma coleção de aves brasileiras taxidermizadas, ou seja, empalhadas para fins científicos, que agora pertencerá ao recém-inaugurado Museu de História Natural do Ceará Professor Dias da Rocha. Esta iniciativa é uma parceria entre a Aquasis, Museu Nacional e o Museu de História Natural do Ceará.

No segundo dia de evento, os participantes tiveram a oportunidade de conhecer o trabalho do Parque das Aves para ações de Conservação na Mata Atlântica, apresentado por Paloma Bosso. Ainda no domingo (1º), os pesquisadores do Museu Nacional, Renata Stopiglia e Marcos Raposo, palestraram sobre a Nomenclatura Trinominal de Aves e seus efeitos na taxonomia e conservação.

O Censo do Periquito Cara-Suja em 2019 contou com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, Uece, ICMBio, Parque das Aves, Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Museu de História Natural do Ceará, Prefeitura de GuaramirangaLoro Parque Fundación e Zoologischen Gesellschaft für Arten und Populationsschutz (ZGAP).

1 Comentário
  1. Ao ler esta ampla reportagem, da Alice Sales, na qual se desenha com precisão, o empenho de um grupo de mais de cem voluntários, “apenas” para fazer o Censo do Periquito Cara-Suja, rica em detalhes sobre essa ave que possui o hábito específico de se reproduzir em ocos de árvores, assim como o registro de toda a estrutura dos órgãos ambientalistas, que deram suporte a esse Censo, me leva a crer que a natureza sobreviverá, ao ataque do sádico inimigo Jair.

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