Nova Olinda / Santana do Cariri – CE. Pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Universidade Regional do Cariri (Urca) e da Universidade Federal de Viçosa (UFV) encontraram um novo fóssil de inseto voador na Formação do Crato, Bacia do Araripe, Sul do Ceará (Região do Cariri). Considerado raro pelos pesquisadores, esse é o segundo fóssil de adulto da família Oligoneuriidae a ser catalogado no mundo. O artigo que descreve o achado foi publicado na revista “PLOS One” nesta quarta-feira (28).
O fóssil é um representante da ordem Ephemeroptera, também conhecida como efêmeras. São insetos voadores que vivem poucos dias durante a vida adulta, às vezes até minutos. Durante a sua fase larval, as efêmeras são aquáticas. Ele foi coletado no município de Nova Olinda por uma equipe de paleontólogos da Urca. Trata-se de um inseto adulto que representa, além de uma nova espécie, um novo gênero e também uma nova subfamília, dadas suas peculiaridades. A rocha onde o fóssil foi encontrado é datada do Cretáceo Inferior, entre 113 e 125 milhões de anos atrás, quando a África e América do Sul ainda estavam se separando.
Por causa do padrão das veias de suas asas, o fóssil foi nomeado pelos pesquisadores de Incogemina nubila. Do Latim, A primeira parte significa geminação incompleta e a segunda nublado, dada a coloração acinzentada do calcário em que o fóssil se preservou. Segundo o entomólogo Frederico Salles, um dos autores do estudo, “a distribuição das veias das asas do Incogemina combina um padrão no qual algumas veias longitudinais tendem a se juntar, como na maioria dos representantes da família Oligoneuriidae, com um padrão ancestral, típico das demais efêmeras. Essa é principal característica que faz essa nova espécie ser única”.
Os fósseis desta ordem de insetos aquáticos são abundantes na Formação Crato, porém aqueles da família Oligoneuriidae, em particular, são muito raros. “Uma das explicações para a escassez de fósseis desse grupo pode se dar pelo seu hábito de vida. Durante a fase jovem, a maioria das larvas da família Oligoneuriidae vive em ambientes com fluxo de água corrente. Esse tipo de ambiente não é propício para a preservação de um inseto tão delicado, dado que a correnteza destruiria suas partes mais sensíveis, dificultando a fossilização”, explica a pesquisadora Arianny Storari, autora principal do estudo, fruto da sua pesquisa de mestrado no Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas da Ufes.
A paleontóloga Taissa Rodrigues destaca que o espécime no qual Incogemina nubila foi baseado é um dos poucos fósseis da Bacia do Araripe do qual se conhece a proveniência. “Apesar de outras espécies de efêmeras serem conhecidas para este depósito fossilífero, elas foram coletadas de forma ocasional, e não há nenhuma informação sobre o local do achado. Como conhecemos o local onde a Incogemina nubila foi encontrada, é possível planejar coletas para buscar mais fósseis dessa espécie rara”, comenta.
“Agora que a primeira escavação controlada na Formação Crato foi realizada pela equipe do Laboratório de Paleontologia da Urca, certamente novas informações acerca da evolução das efêmeras devem surgir, além de dados sobre o ambiente pretérito da Formação Crato, área de intensa exploração do calcário laminado”, explica o paleontólogo Antônio Álamo Feitosa Saraiva, da Urca.
Ele informa que esses fósseis são de um grupo de insetos mais basal, originados dos crustáceos e que dão origem às libélulas. “Poucas vezes na Paleontologia se tem da fase de ovo à vida adulta, o que permite uma análise ao longo do tempo, das mudanças climáticas, sazonalidades. É como uma janela para ver o passado”, destaca.
Os pesquisadores acreditam que as informações por meio da análise desses insetos podem ajudá-los a conhecer o ambiente em que essa espécie viveu e até os estresses climáticos que essas espécies podem ter experimentado, principalmente suas larvas aquáticas. Segundo eles, muitos representantes do grupo das efêmeras podem ser considerados importantes bioindicadores de qualidade da água, já que são sensíveis às variações do meio onde vivem.
Operação Santana Raptor
Em entrevista exclusiva à Eco Nordeste, o professora Álamo Saraiva também comentou a Operação Santana Raptor, da Polícia Federal (PF), que culminou com 17 mandatos de busca e apreensão em Santana do Cariri e Nova Olinda, no Ceará; e dois no Rio de Janeiro, no dia 22 passado.
A investigação foi iniciada pelo Ministério Público Federal (MPF), em 2017. Segundo informações da PF, o esquema consistia na extração ilegal de fósseis por trabalhadores em pedreiras para a comercialização com a atuação de empresários, servidores públicos e atravessadores que negociavam esses fósseis e com a participação de um professor / pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A legislação brasileira, em vigor desde 1942, estabelece os fósseis como bens da União, vetando a retirada sem autorização, assim como a comercialização. A regulamentação da extração de fósseis no Brasil para estudo científico é da competência do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) / Agência Nacional de Mineração (ANM). Os investigados podem responder pelos crimes de organização criminosa, usurpação de bem da União e crimes ambientais, com penas de até 16 anos de prisão.
Em nota, a UFRJ afirmou que os fósseis sob sua guarda estão legalmente cadastrados e catalogados na Instituição e notificados aos órgãos responsáveis e que todos os docentes e o Instituto de Geociências têm documento de autorização para coleta e pesquisa de fósseis na Bacia do Araripe.
O professor Álamo classifica o ocorrido como “fogo amigo”. “Nós pesquisadores vivemos de publicações científicas e há muita vaidade, o que é muito ruim para a pesquisa. Temos aqui a principal bacia do Cretáceo, mas ainda há uma visão colonizadora”, afirma.
Segundo o professor / pesquisador, com a criação do Geopark Araripe, em 2006, foi feito um planejamento de desenvolvimento regional com o uso do patrimônio geológico para o turismo de aventura, científico, cultural e religioso. “Temos trabalhado para sempre termos novidades no museu. Mas há quem pense que essas peças não devem ficar num museu do interior do Nordeste”, pondera.
E continua: “se reproduz um discurso de terra arrasada, de pobreza, de fome, de um lugar onde a ignorância impera e onde a ciência não tem como se desenvolver”. O professor conta que houve um programa, o Geopark na Escola, em que funcionários do Geopark e da Urca recolhiam fósseis em Nova Olinda e Santana do Cariri e depositavam no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri. Em troca, forneciam um certificado: “Isso funcionou bem 2012, 2013, 2014. Depois ouvimos deles: ‘Vocês só dão papel. Eles dão brinquedo’.” Isso deflagrou a denúncia que gerou a investigação da PF. “Dá desânimo, tristeza mesmo esse preconceito de quem tem mestrado, doutorado e pós-doutorado”, desabafa o professor.
Com informações da Agência Bori