
Publicado no Diário Oficial da União no início de novembro, o Decreto Nº 12.705 marca uma virada no modo como o Brasil define o que é, de fato, um investimento sustentável. A norma institui a Taxonomia Sustentável Brasileira, um guia técnico elaborado pelo Ministério da Fazenda para orientar financiadores e empreendedores sobre critérios sociais e ambientais que devem acompanhar projetos de baixo carbono. Pela primeira vez, o País estabelece parâmetros específicos para que empreendimentos de energia eólica e solar sejam considerados sustentáveis, ampliando o foco antes restrito às emissões de gases de efeito estufa.
O decreto é acompanhado de 13 cadernos temáticos que tratam de mitigação climática, proteção da biodiversidade e salvaguardas sociais. As diretrizes determinam, por exemplo, que usinas eólicas projetem turbinas para reduzir ruídos e efeitos de sombreamento e que usinas solares priorizem áreas já degradadas, evitando conversão de vegetação nativa.
Um novo norte para
o financiamento verde
Em entrevista exclusiva à Eco Nordeste, o consultor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Rárisson Sampaio, afirmou que a medida pode redefinir o modo como o mercado financeiro enxerga a sustentabilidade. Para ele, a Taxonomia Sustentável Brasileira estabelece um norte para o destino dos recursos públicos e privados voltados a atividades de menor impacto ambiental e maior responsabilidade social. “A definição de critérios básicos auxilia instituições financeiras a classificar o que é ou não sustentável e ajuda a reduzir práticas de greenwashing. No caso das energias renováveis, o avanço está na implementação de salvaguardas socioambientais, algo pouco observado até então”, avaliou.
Sampaio considera, no entanto, que a efetividade do instrumento dependerá da criação de mecanismos de monitoramento, relato e verificação que permitam aferir o cumprimento das regras. Segundo ele, os critérios estabelecidos ainda carecem de instrumentos de fiscalização claros e de indicadores mensuráveis.
Lacunas sociais e
ausência de consulta prévia
O consultor também chama atenção para o princípio de “não prejudicar significativamente”, considerado essencial para que atividades sustentáveis não gerem danos em outras dimensões. Apesar de representar um avanço, o conceito ainda é genérico. “Há menção a não gerar impacto social negativo, mas sem diretrizes específicas que orientem o agente financeiro na verificação dessa condição. As obrigações se aplicam principalmente a grandes empresas, deixando de fora as médias e pequenas, que também podem causar impactos relevantes nos territórios”, explicou.
Sampaio acrescenta que a taxonomia ainda não responde a situações denunciadas por comunidades atingidas pela expansão das renováveis, como cláusulas abusivas em contratos de arrendamento e danos à saúde de moradores. “O compromisso de não gerar impactos sociais negativos é genérico e não assegura relações mais equilibradas com os territórios. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ainda não possui diretrizes específicas para garantir que a geração de energia ocorra sem violação de direitos”, afirmou.
Para ele, outro ponto frágil é a ausência de força normativa para o direito de consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção 169 da OIT. “O caderno de salvaguardas apenas encoraja o respeito à consulta, sem torná-la obrigatória. No setor elétrico, sequer há menção expressa a esse direito. A escuta a povos e comunidades tradicionais é essencial para garantir direitos e participação. Sem isso, a expansão das renováveis tende a reproduzir desigualdades e conflitos”, destacou.
Potencial para liderar,
mas com ajustes urgentes
Mesmo com as lacunas identificadas, o especialista acredita que o Brasil pode ocupar uma posição de liderança internacional em financiamento climático e justiça socioambiental. “Temos todas as condições para consolidar um papel de destaque, mas isso exige planejamento, respeito aos direitos humanos e atenção às pessoas que vivem nos territórios. Uma economia de baixo carbono só será robusta se estiver ancorada na proteção dos recursos naturais e da soberania nacional”, concluiu.
As falas de Rárisson Sampaio evidenciam que a Taxonomia Sustentável Brasileira é um avanço importante, mas ainda insuficiente. O decreto reconhece que sustentabilidade vai além da redução de emissões, mas deixa sem resposta a questão central, como garantir que a transição energética brasileira também seja socialmente justa.


