Povos indígenas denunciam avanço de petróleo e gás

Estudo da Apoinme revela 84 Terras Indígenas impactadas e falhas graves no licenciamento ambiental

Uma fotografia em plano médio, tirada de um ângulo ligeiramente baixo, captura um grupo de pessoas sentadas em uma estrutura aberta, com telhado de palha, que se estende para o lado direito da imagem. Em primeiro plano, no canto esquerdo, uma mulher indígena, com pintura facial tradicional e adornos de penas e contas no cabelo, é vista em perfil, olhando para a direita com uma expressão séria. Ela usa um top azul de crochê ou trançado e seu rosto tem traços de pintura preta geométrica. Atrás dela, uma fila de pessoas sentadas em bancos de madeira se estende horizontalmente. Algumas das pessoas na fila parecem usar cocares tradicionais, e a maioria está vestida com roupas casuais ou sociais. O interior do local é rústico e sombreado, com a luz do dia entrando pelas laterais abertas e iluminando as pessoas. O telhado, feito de palha ou materiais vegetais secos, tem uma estrutura de vigas de madeira visível
Reunião para tratar da temática com o Povo Pataxó, no Sul da Bahia | Foto: Graciela Guarani

Às vésperas da COP 30, a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) lança um alerta sobre a expansão da indústria do petróleo e gás em territórios indígenas. A pesquisa inédita da entidade identifica 84 Terras Indígenas (TIs) potencialmente afetadas por empreendimentos do setor energético, tanto marítimos quanto terrestres, e aponta falhas estruturais no licenciamento ambiental, ausência de transparência e violação ao direito de consulta prévia, livre e informada.

Dos 423 empreendimentos mapeados, 22 estão com licenças vencidas e em mais de 200 não há informações públicas disponíveis sobre o processo de licenciamento, conforme levantamento com base em dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Além dos números, o estudo reúne relatos de lideranças indígenas colhidos durante o Acampamento Terra Livre (ATL) em 2024 e 2025, que descrevem impactos cotidianos e persistentes nas comunidades afetadas.

“Esses projetos chegam às nossas terras sem consulta, sem diálogo, sem transparência. Muitos gasodutos e poços foram instalados antes mesmo de existirem regras claras de licenciamento, e os impactos continuam sendo sentidos até hoje”, afirma Paulo Henrique (Tupinikin), coordenador político da Apoinme.

Nordeste é epicentro de impactos

O Nordeste concentra a maior parte dos empreendimentos analisados pela pesquisa. Somente na Bacia Potiguar, entre o Rio Grande do Norte e o Ceará, foram registrados 97 empreendimentos, sendo 11 marítimos (cinco em produção e seis em devolução) e 86 terrestres, em diferentes estágios de exploração.

No Recôncavo Baiano, uma das bacias mais antigas do País, há 94 empreendimentos terrestres, a maioria em produção ativa. Já nas Bacias de Sergipe e Alagoas, o estudo contabiliza 46 empreendimentos, incluindo campos em teste, desenvolvimento e devolução.

Essas áreas coincidem com territórios de povos como Tremembé, Potiguara, Pataxó e Tupiniquim, cujos relatos registrado na cartilha “Terras Indígenas Impactadas por Empreendimentos de Petróleo e Gás”, da APOINME (2025) revelam como a exploração compromete o meio ambiente e a segurança das comunidades. “O gasoduto passa entre as casas, e ninguém explica o que está acontecendo. A gente vive com medo”, relata uma liderança Potiguara do Rio Grande do Norte.

“Minha mãe foi afetada por causa do marisco. Ela é marisqueira e trabalha pegando marisco. Toda vez que ia pegar, o marisco estava melado de óleo. Ela acabou parando de tirar”, afirmou uma mulher do povo Tremembé (CE).

Falta de demarcação
agrava vulnerabilidade

Em um close-up frontal, uma mulher indígena de pele morena e cabelos pretos lisos, vestindo uma túnica ou vestido azul com um padrão claro e segurando um microfone na mão direita, é retratada enquanto fala. Ela tem uma expressão séria e concentrada e usa um adorno de pescoço com penas coloridas, predominantemente amarelas e vermelhas/laranjas, e pulseiras escuras no pulso esquerdo. A mulher segura uma criança pequena, provavelmente um bebê, vestida com um casaco de lã rosa choque, que olha para baixo e brinca com o fecho ou a gola do casaco. A criança tem cabelos escuros e levemente cacheados presos em um coque com um pequeno enfeite. Elas estão sentadas em um ambiente rústico, com o fundo composto por paredes feitas de palha trançada ou bambu, com uma cadeira de plástico branca parcialmente visível no canto inferior esquerdo
Luana Pankararu e a filha Amara representam a força e a continuidade da luta dos povos indígenas frente aos impactos do petróleo e gás sobre seus territórios | Foto: Graciela Guarani

Das 84 Terras Indígenas identificadas, 44 não possuem nenhum avanço no processo de demarcação. Para Tupinikin, essa ausência de reconhecimento territorial é o que mais expõe as comunidades a violações: “a terra, quando está demarcada, está protegida. Quando não tem esse ato administrativo, está exposta a todo tipo de esbulho, colocando em risco a integridade física das pessoas e o espaço onde vivem”.

Em entrevista exclusiva para a Eco Nordeste, Paulo Henrique cita medidas que, em sua avaliação, poderiam contribuir para sanar a grave lacuna de transparência nos dados de licenciamento ambiental apontados na pesquisa: “penso que a primeira medida seria, antes de qualquer licenciamento, no caso de o empreendimento impactar terra indígena, deveria haver o processo de escuta, ou seja aplicar o artigo 6°da convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que é a consulta livre prévia e informada, claro que os indígenas deveriam fazer parte de uma comissão para acompanhar todos os processos de licenciamento e além disso devolver para as comunidades já o processo pronto para que possam analisar o mesmo”.

Ele reforça que o Brasil é signatário da Convenção 169 da OIT, mas não cumpre o direito de consulta prévia. “O que importa são os interesses econômicos. Temos recorrido a mobilizações, ocupações e denúncias em espaços da ONU (Organização das Nações Unidas) e da OEA (Organização dos Estados Americanos), porque o diálogo com o Estado é quase inexistente”, afirma Tupinikin.

Transição energética desigual

A pesquisa também denuncia o passivo histórico dos empreendimentos instalados antes da existência de regras de licenciamento. Para Tupinikin, é preciso rever esses processos e reconhecer que toda terra indígena deve ser consultada, independentemente da demarcação. “No Rio Grande do Norte, tem as maiores fazendas de energia eólica, mas os indígenas não têm sequer energia em casa. Falam em transição justa, mas justa para quem?”, questiona.

Vozes para a COP 30

Com a cartilha, a Apoinme pretende levar à COP 30, em Belém, uma mensagem de urgência e visibilidade. “O mundo fala da Amazônia, mas esquece da Mata Atlântica e da Caatinga – biomas únicos que também precisam de atenção. São eles, junto com a floresta amazônica, que fazem o Planeta respirar”, conclui Tupinikin.

O documento, produzido com apoio da Sociedade Brasileira de Ecologia Humana (Sabeh), combina dados técnicos e geográficos a depoimentos de campo, formando um retrato contundente sobre a expansão da fronteira fóssil e o desafio de construir uma transição energética verdadeiramente justa e inclusiva.

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