MPs se unem para proteger o único bioma exclusivo do Brasil

Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) está lançando o Projeto Caatinga Resiste

A imagem mostra uma paisagem natural com formações rochosas escuras e distintas, emolduradas por árvores com folhagem verde e amarela, sob um céu azul claro com nuvens brancas
O Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, contribui para a conservação de uma porção deste singular bioma | Foto: Maristela Crispim

Entre 1985 e 2023 (Inpe), o bioma Caatinga perdeu aproximadamente 8,6 milhões de hectares, o equivalente a 14% de sua cobertura vegetal original. Atualmente, das áreas remanescentes, menos de 9% estão protegidas por unidades de conservação – federais, estaduais ou municipais. No entanto, destas, apenas 1,3% estão integralmente protegidas como áreas de uso restrito.

Para fortalecer a proteção e recuperação da vegetação nativa e da biodiversidade da Caatinga, o único bioma exclusivamente brasileiro e um dos mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) está lançando o Projeto Caatinga Resiste. A iniciativa reunirá esforços dos Ministérios Públicos de nove estados inseridos no bioma – Bahia, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Minas Gerais –, em parceria com órgãos estaduais de fiscalização.

Na Caatinga, a Bahia liderou o desmatamento em 2023, com 93.437 hectares – um aumento de 34% em relação a 2022. Em segundo lugar vem o Ceará com 32.486 hectares desmatados, um acréscimo de 40% em relação ao ano anterior. Esses dados, do Relatório Anual de Desmatamento (RAD) 2023, da plataforma MapBiomas, foram destacados, em entrevista exclusiva, para a Eco Nordeste, por Aldeleine Barbosa, promotora do Ministério Público do Estado de Sergipe (MP-SE) e coordenadora do Projeto.

Ela revela que a principal causa do desmatamento tem sido o avanço da agropecuária sobre essas áreas e que, nos últimos anos, detectou-se também o aumento das áreas de implantação de empreendimentos do setor de energias renováveis: 24% de 2022 para 2023.

Reforço na transparência

Além de fortalecer as fiscalizações por meio desse trabalho conjunto, o Projeto visa promover a transparência e a correta atualização dos dados no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) e das Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV), conforme as diretrizes estabelecidas em Nota Técnica pela Abrampa. Prevê, ainda, o levantamento dos principais remanescentes da Caatinga e das Áreas Prioritárias para Recuperação do bioma, bem como fomentar o processo de validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) no bioma.

Já que esse avanço do desmatamento tem ocorrido a despeito das atividades de órgãos ambientais estaduais e municipais, a promotora afirma que inicialmente, a ideia é fortalecer, em todos os estados que possuem o bioma Caatinga, as ações fiscalizatórias, de forma integrada e concomitante, considerando, sobretudo, os alertas emitidos pelo Mapbiomas.

“Pretende-se, ainda, uma atuação integrada com os Ministérios Públicos e órgãos públicos ambientais, visando à transparência e adequada alimentação de dados do Sinaflor e à conformação dos processos de Autorizações das Supressões de Vegetação ao ordenamento jurídico”, ressalta.

Aldeleine explica que a Coordenação Nacional do Projeto promoverá uma articulação junto aos Ministérios Públicos para adoção das sugestões da Nota Técnica Conjunta N° 01/2022, da Abrampa, Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Comissão do Meio Ambiente (CMA) e Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), de 29 de março de 2022, sobre a necessidade de assegurar a transparência dos dados ambientais de estados e municípios e do Sinaflor com alimentação de dados e transparência do Sinaflor ou sistema a ele integrado, assim como sobre a necessidade de adequação dos requisitos e procedimentos relacionados às autorizações relacionadas à supressão de vegetação.

Ela detalha a previsão de interlocução dos MPs com os órgãos públicos ambientais para: recomendar completa transparência e adequada alimentação de dados do Sinaflor (ou de sistema a ele integrado); obter informações sobre as autorizações já concedidas pelos órgãos ambientais estaduais e municipais; e recomendar os ajustes necessários, sem prejuízo da adoção de providências em relação às autorizações emitidas em desacordo com o ordenamento jurídico, com prioridade às autorizações em relação às quais ainda não houve a supressão da vegetação nativa.

Por fim, afirma que um dos objetivos do projeto é o mapeamento dos principais remanescentes de Caatinga para definição de áreas prioritárias à conservação e recuperação: “a referida iniciativa já está sendo executada por um consultor contratado pela Abrampa. A consultoria seguirá alguns critérios de importância, como grau de conservação das áreas, vulnerabilidades, áreas críticas do ponto de vista hídrico, dentre outros. Os resultados que serão obtidos podem gerar indicações para criação de novas Unidades de Conservação como uma das estratégias para potencializar a preservação da Caatinga”.

A imagem captura uma formação rochosa imponente e alongada, com tons terrosos e camadas visíveis, que se eleva em meio à vegetação verde exuberante. O céu azul claro serve de pano de fundo
Os MPs defendem o mapeamento de áreas remanescentes para criação de novas unidades de conservação, como o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí | Foto: Maristela Crispim

“O alto índice de desmatamento irregular na Caatinga demonstra a necessidade urgente de ações coordenadas entre os Ministérios Públicos e os órgãos ambientais. Nossa meta é aprimorar o controle sobre a supressão de vegetação, assegurar maior transparência na regularização ambiental e impulsionar a responsabilização de infratores, contribuindo para a proteção desse bioma tão singular e essencial para o equilíbrio climático e para as comunidades que dele dependem”, sintetiza Alexandre Gaio, promotor de Justiça, presidente da Abrampa e idealizador do projeto.

Aldeleine Barbosa, acrescenta: “considerando a importância do bioma como sumidouro natural de carbono, sua preservação é urgente e essencial, não apenas para proteger sua biodiversidade única, mas também para promover a sustentabilidade das comunidades do Semiárido brasileiro, combater a crise hídrica na região e integrar uma estratégia de adaptação climática em um contexto global, dando especial atenção ao controle e reparação dos processos de desertificação nas áreas mais críticas do bioma, as quais têm avançado significativamente nos últimos anos”.

Entre os dez estados onde a Caatinga está presente, predominantemente na região Nordeste, o Ceará é o único totalmente coberto pelo bioma, seguido pelo Rio Grande do Norte (96%), Paraíba (92%), Pernambuco (84%), Bahia (62%), Sergipe (55%) e Alagoas e Piauí, ambos com 47%.

No Sudeste, Minas Gerais é o único Estado com cobertura de vegetação semiárida, ocupando 5% de seu território. Com a menor cobertura do bioma (1%), o Maranhão não registrou alertas de desmatamento para a Caatinga nos últimos anos e, portanto, não integrará a força-tarefa do projeto Caatinga Resiste.

O projeto será lançado em Fortaleza nesta semana, durante o XXIII Congresso Nacional do Ministério Público de Meio Ambiente, realizado pela Abrampa em parceria com o Ministério Público do Ceará (MPCE), que começa hoje (14) e vai até quarta-feira (16), no auditório da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec).

Cenário do desmatamento

A imagem retrata uma paisagem árida com solo avermelhado e vegetação rasteira, sob um céu azul vibrante com nuvens brancas
Área em avançado processo de desertificação em São João do Cariri, na Paraíba | FOTO: Camila de Almeida

A perda de vegetação nativa na Caatinga nos últimos anos tem sido crescente. As pressões das atividades econômicas, da exploração desenfreada dos recursos naturais e dos impactos evidentes das mudanças climáticas, como o aumento das temperaturas e as alterações nos ciclos hidrológicos, estão reduzindo sua capacidade de auto regeneração.

Dados do MapBiomas indicam que, em 2023, a Caatinga registrou um aumento de 43,3% no desmatamento em relação ao ano anterior, um total de 201.687 hectares de vegetação nativa perdidos, o que representa 11% do total de desmatamento no Brasil. Pernambuco foi o único Estado que apresentou redução, com queda de 35%. Em todo o bioma, apenas 2,81% das áreas desmatadas não tiveram indícios de irregularidades, a menor porcentagem entre todos os biomas (MapBiomas).

A perda de vegetação, associada à fragmentação, às mudanças de uso da terra e às condições climáticas áridas e semiáridas, compromete a capacidade do solo de reter água e nutrientes e aumenta o risco de desertificação. Dados do MapBiomas revelam que 112 municípios da Caatinga classificados como Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD) nos níveis “Muito Grave” e “Grave” já perderam aproximadamente 300 mil hectares de vegetação nativa, o que representa cerca de 3% da perda total no bioma.

Embora a expansão agropecuária tenha sido um dos principais impulsionadores do desmatamento na região, o avanço de empreendimentos de geração de energia solar e eólica tem ampliado as ameaças ao bioma. Em 2023, a supressão de vegetação relacionada apenas a este setor aumentou 24%, somando 4.302 hectares. O Rio Grande do Norte foi o Estado que mais desmatou (1.369 hectares) com essa finalidade, um aumento de 372% em relação ao ano anterior (MapBiomas).

Os dados reforçam a urgência de medidas de fiscalização e controle, não apenas para coibir o desmatamento ilegal, mas também para monitorar os impactos de atividades econômicas na vegetação nativa.

Estratégia de fiscalização

Entre 2019 e 2023, apenas 8,53% das áreas desmatadas na Caatinga (85.873 hectares) foram alvo de ações de fiscalização, segundo o MapBiomas. O Caatinga Resiste promete reverter esse cenário, ao fortalecer as políticas de combate ao desmatamento ilegal e implementar estratégias de fiscalização mais eficazes.

Inspirado na Operação Mata Atlântica em Pé, também coordenada pela Abrampa, em conjunto com o MPMG, o projeto utilizará monitoramento por satélite do MapBiomas Alerta para identificar áreas de desmatamento ilegal. A partir dos alertas, os dados são cruzados com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as Autorizações de Supressão de Vegetação (ASVs) para detectar irregularidades.

Depois, a fiscalização deve ser realizada por órgãos ambientais e polícias ambientais, tanto presencialmente quanto por meio de ferramentas de fiscalização remota. Se identificadas irregularidades, o Ministério Público deverá adotar medidas extrajudiciais e judiciais para garantir a reparação dos danos ambientais e responsabilização dos infratores, incluindo os danos causados ao sistema climático.

No fim da operação, está prevista a apresentação do balanço das áreas fiscalizadas, do número de processos instaurados e o total de multas aplicadas em reais.

Caatinga e mudanças climáticas

A Caatinga tem papel fundamental no sequestro de carbono. Ela funciona como um sumidouro natural que absorve dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera, inclusive durante o período de seca. A Abrampa destaca um estudo liderado pelo Observatório Nacional da Dinâmica da Água e do Carbono no Bioma Caatinga (OndaCBC) revelou que o bioma é um dos mais eficientes do mundo em armazenar carbono, e supera até mesmo as florestas da Amazônia em determinadas condições climáticas.

Segundo o mesmo estudo, ao longo de quase uma década, a Caatinga removeu, em média, 5,2 toneladas de carbono por hectare por ano, equivalente a 527 gramas por metro quadrado. A perda de vegetação nativa, no entanto, compromete essa capacidade, contribuindo para o aumento das emissões de gases de efeito estufa e agravando as mudanças climáticas.

O Ministério Público e o Meio Ambiente

A Abrampa é uma associação que reúne membros do Ministério Público de todo o Brasil, com o objetivo de promover a defesa do meio ambiente, da ordem urbanística e da justiça socioambiental, com atuação de forma integrada em diversas frentes de proteção ambiental.

Com informações da Abrampa.

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