Museu Virtual Marítimo do Extremo Oriental das Américas resgata histórias não contadas

Conteúdos apresentam fatos ocorridos no Oceano Atlântico na Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.

Por Márcia Dementshuk
Colaboradora

João Pessoa – PB. Entre os meses de julho e agosto de 1914 três navios mercantes alemães navegavam próximos ao litoral da Paraíba enquanto iniciavam os conflitos da Primeira Guerra Mundial na Europa. Os navios transportavam cargas diversas e passageiros e o destino final era São Paulo e Rio de Janeiro. Temendo um ataque em alto mar nesse trajeto, os comandantes decidiram atracar no local mais perto e seguro: adentraram o estuário do Rio Paraíba e “arribaram” na Vila de Cabedelo, esperando um momento mais adequado para seguir viagem. Depararam-se com uma reclusão forçada pelos próximos três anos, até 1917.

O que aconteceu com os passageiros? Com os produtos que os barcos transportavam? E a tripulação? Os relatos inéditos dos acontecimentos depois que as embarcações alemãs Salamanca, Minneburg e Persia ficaram retidas, com fotos e mapas, estão reunidos na exposição online “A navegação mercante em tempos de guerra”, no Museu Virtual Marítimo do Extremo Oriental das Américas (Museu Exea). Essa é uma das exposições às quais o público tem acesso livre pela Internet pelo endereço eletrônico museuexea.org.

Os dados que deram início ao Museu Exea foram resultado de uma pesquisa de doutorado feita pelo professor Ticiano Alves, em Arqueologia, pela Universidade de Coimbra, em Portugal. E foi em Coimbra que Ticiano e Camila Rios Ribeiro, historiadora com especialização em Museologia, começaram os primeiros planejamentos para construção do museu que teria a missão de dar “enfoque à preservação, comunicação e às diversas formas de expressões do patrimônio cultural marítimo que foram essenciais à formação da memória marítima da região”.

Está gostando deste conteúdo? Apoie a Eco Nordeste e fortaleça o jornalismo de soluções independente e colaborativo!

“A partir da tese, abrimos a mente para a possibilidade de levarmos essa informação até as pessoas”, explica Ticiano Alves, o diretor geral do Exea. O que temos lá hoje extrapolou o conteúdo inicial. Em nossa equipe do museu temos a contribuição de pesquisas feitas pelo professor George Henrique de Vasconcelos Gomes; o historiador e arqueólogo Daniel Réquia; o professor Leandro Vilar Oliveira, do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (Neve) / Universidade Federal da (UFPB); Eduardo Moleiro, além do pessoal que presta o apoio jurídico, como, por exemplo, direitos autorais, o uso de imagens, entre outros. Temos pessoas dedicadas à formalização de parcerias, assuntos administrativos, design gráfico e comunicação. O museu é virtual, mas o trabalho gera suor físico”, revela.

O desenvolvimento de parcerias impulsionou a oferta de conteúdo do museu. O Exea elabora ações conjuntas com o Instituto Politécnico de Tomar, com o Museu da Pessoa e conta com o apoio institucional da Marinha do Brasil.

Os museus de ciências são ferramentas eficientes para a popularização e divulgação científica, o que se aplica ao Exea. O Oceano Atlântico é o pano de fundo de pesquisas e investigações metódicas. O material é tratado e apresentado por meio de uma narrativa simplificada, ilustrada com imagens. Os primeiros conteúdos provêm de um banco de dados ligados à pesquisa de doutorado concluída em Coimbra. Atualmente, apresenta fatos ocorridos na Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.

Acessível ao grande público

Ticiano Alves ressalta que as atividades do Exea estão sustentadas em três verbos: “Investigar é o primeiro, porque a ciência é responsável pela produção de conhecimento. Nosso segundo verbo é o ‘educar’. Depois é o ‘publicar’, porque esse conhecimento tem que chegar ao público. Nós temos uma regra que deve ser cumprida à risca – todo o conhecimento produzido no museu tem que estar acessível para a sociedade. Tem que estar em um linguajar de modo que a pessoa de qualquer nível educacional, sabendo ler, possa entender o que está escrito”.

As imagens também são decorrência de pesquisas em banco de dados que permitem o uso para fins educativos, desde que citadas as fontes. Esse foi o esforço para ilustrar outra exposição virtual aberta no Exea, “A costa nordestina no Brasil holandês”, cujo curador é o professor Leandro Vilar Oliveira. As gravuras são de Frans Post, datadas do século XVII. Foram obtidas por meio da Biblioteca Nacional de Portugal e da John Carter Brown Digital Library, nessas condições.

“Descobrimos ‘acidentalmente’ que a plataforma Unsplash está sendo usada por museus e bibliotecas para divulgar suas imagens, e o Unsplash se tornou uma fonte para dar início às buscas. Em outro momento, tive acesso a fotografias exclusivas de 1808, 1810, originais. Um navio à vapor, atracado no porto da capital paraibana, onde hoje está a comunidade do Porto do Capim. Esse era um local comum para a chegada de pessoas à capital da Paraíba. Estamos usando essas imagens em uma Seção Especial do Exea e vamos disponibilizar outras, em seguida, com alta resolução, para pesquisa”, relata o professor Ticiano.

O comando da Capitania dos Portos da Paraíba também disponibilizou fotografias históricas com autorização para utilização para fins educativos; além de fotografias obtidas com colaboradores, que retratam imagens de embarcações e da movimentação de funcionários nas primeiras décadas do século XX, por volta de 1910 e 1920, na Paraíba.

O Museu Exea apresenta as exposições, montadas por edições; as seções especiais, que são dinâmicas e recebem conteúdos, conforme as conclusões dos levantamentos; aborda os naufrágios na costa brasileira e mantém o acervo virtual.

Fortaleza de Santa Catarina

Neste mês de janeiro de 2022, o Museu lança uma timeline da Fortaleza de Santa Catarina. Os historiadores George e Leandro fizeram um levantamento dos fatos marcantes da fortaleza desde a construção, no século XVI, até o presente momento, no século XXI.

A timeline interativa integra a seção especial da Fortaleza de Santa Catarina. Registra eventos como a construção, o domínio holandês, a Insurreição de 1817, a instalação da Cia. Aprendizes Marinheiros, a campanha pela restauração do espaço na década de 1970 e as atividades atuais realizadas no local.

Eventos e campanhas de preservação

Assim como os museus físicos, o Museu Virtual Exea também é dividido em “alas”:

  • Ala Investigação – concentra a produção do conhecimento científico
  • Ala Banco de Dados “Acervo Virtual” – reúne os dados provenientes das pesquisas
  • Ala Educação – tem como tema o patrimônio cultural marítimo
  • Editora Exea – trata da divulgação das pesquisas realizadas pelos investigadores associados e parceiros do museu

O Museu Exea promove cursos, eventos, mantém a publicação de uma revista científica, campanhas para a preservação de documentos e o patrimônio histórico e outras ações na área de educação. Recentemente aplicou o curso online “Patrimônio Cultural Marítimo: Brasil, Portugal e Moçambique, com ampla participação dos moçambicanos”, apesar da diferença de horário entre os países.

Fatos da história da Paraíba ratificados

A tese de doutorado defendida por Ticiano Alves contempla o ponto de vista de como a navegação ocorria no Estado da Paraíba entre os anos de 1850 e 1950. Como a embarcação entrava na Paraíba? Existiam faróis, boias de sinalização, práticos? Como se dava esse percurso?

Daí algumas curiosidades apareceram. Até 1950, os jornais, inclusive o jornal A União, registravam o movimento dos portos na Paraíba. Entrada de navios, desembarque de passageiros de relevância social e cargas. De 1950 em diante, o mar, a navegação, deixou de ser assunto nos jornais por causa da popularização da aviação civil comercial. Por esses registros o pesquisador descobriu que a carga que chegava à Paraíba era heterogênea: roupas, móveis, produtos variados fabricados, prontos para o consumo. E retornava com algodão.

Partindo desse fato, a pesquisa também ratificou que a motivação para a produção de algodão na Paraíba foi a Guerra de Secessão nos Estados Unidos, no século XIX. A matéria-prima para a fabricação de tecidos na Inglaterra, o algodão, vinha dos Estados Unidos. Com a guerra, o acesso pelo Atlântico ficou impedido e a solução era produzir o algodão na América do Sul. A Paraíba, então, era fortalecida como produtora e os portos do Estado retomaram a autonomia de operação, perdida pela política administrativa da época .

Outro registro histórico nesse período foi a passagem do presidente eleito, Epitácio Pessoa, pela Paraíba, em 1919. Epitácio Pessoa residia nos Estados Unidos quando foi eleito. A Marinha dos Estados Unidos honrou o novo presidente destinando um encouraçado para transportá-lo ao Brasil. O Encouraçado Idaho atracou em Cabedelo, apesar de ainda não existir porto no local. Epitácio passou o dia na capital e, ao anoitecer, ele retornou ao barco e seguiu para o Rio de Janeiro. O registro e detalhes da entrada do Idaho estão no acervo do Exea.

Quer a apoiar a Eco Nordeste?

Seja um apoiador mensal ou assine nossa newsletter abaixo: