Entidades civis temem impactos de eólicas no mar

Foto colorida feita do mar mostra jangadas de pescadores atracando em praia tendo atrás cenário de dunas cobertas de turbinas eólicas
Comunidade pesqueira de Enxu Queimado, em Pedra Grande (RN), é uma das impactadas pelos parques eólicos | Foto: Joelma Antunes / Coletivo de Assessoria Cirandas

Com a publicação, neste mês, da Lei Federal Nº 15.097, primeira a tratar da implantação de turbinas eólicas offshore no País, 50 projetos em tramitação no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) terão a chance de “sair do papel” e invadirem a paisagem marinha do Ceará (26), Rio Grande Norte (14), Maranhão (7) e Piauí (3). Entidades civis alertam para o risco da repetição, no mar, dos impactos ambientais e sociais provocados pelas turbinas eólicas no continente. 

“São muitos aspectos que podem impactar de forma negativa a vida dos povos e comunidades tradicionais de áreas cobiçadas pelos empreendimentos, como também a biodiversidade que estará exposta a esse processo de industrialização do mar”, afirma a bióloga e mestranda em Ciências Marinhas Tropicais da Universidade Federal do Ceará (UFC), Alanna Carneiro.

Integrante da organização Eco Maretório, com atuação no litoral cearense, Alanna cita o impacto acústico submerso, que pode afetar mamíferos marinhos e peixes, entre outros seres vivos, como tartarugas marinhas. “Elas dependem do campo eletromagnético para seu deslocamento para áreas de reprodução e alimentação”, afirma. Segundo a bióloga, aves migratórias podem sofrer com a colisão nas hélices.

Alanna defende a necessidade de demarcação de territórios pesqueiros, além da proteção e do investimento em políticas públicas que salvaguardem a categoria, como formas de evitar os impactos sociais das usinas offshore. “Antes de garantir estatística pesqueira e demarcação dessas áreas no mar, o governo priorizou lotear os espaços marinhos pro capital estrangeiro”, observa.

João Paulo Diogo, do  Coletivo Assessoria Cirandas, no Rio Grande do Norte, Estado com 14 empreendimentos de eólica offshore aguardando o licenciamento do Ibama, considera significativos os riscos das turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos offshore às pessoas e ao meio ambiente. O assistente social e especialista em Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais chama a atenção para a delimitação dos prismas, termo dado na nova Lei aos locais onde será permitida a instalação dos aerogeradores. 

“Os prismas restringem o acesso a áreas tradicionais de pesca, impactando diretamente a subsistência de comunidades pesqueiras”, alerta o ambientalista. Para ele, a instalação de turbinas, painéis e cabos subaquáticos alterará habitats e rotas de espécies marinhas, com a consequente redução da disponibilidade de recursos pesqueiros. 

Além disso, afirma João Paulo, as usinas representam riscos à transferência de saberes e conhecimentos tradicionais, ao promover mudanças no ecossistema e causar, consequentemente, mudanças culturais. “Na etapa de construção, esses impactos podem ser ainda mais acentuados”, adverte.

Por outro lado, o marco legal traz dispositivos de interesse de comunidades tradicionais, como a exigência de consulta livre, prévia e informada para grupos afetados (Art. 4º, inciso X) e a garantia da integração de políticas públicas para evitar conflitos de uso de áreas marítimas (Art. 6º). No entanto, diz João Paulo, apesar de prevista na Lei, a consulta prévia pode ser realizada de forma superficial ou não vinculante, e deixar comunidades vulneráveis a decisões que ignoram seus direitos e saberes.

A consulta livre, prévia e informada é estabelecida por convenção da Organização Mundial do Trabalho (OIT) ratificada pelo Brasil em 2002. Com o mesmo status de lei, a Convenção Nº 169 da OIT foi promulgada em 1989 pelo organismo das Nações Unidas voltado aos trabalhadores e assegura aos povos e comunidades tradicionais o direito de serem consultados previamente sobre empreendimentos que possam alterar seu modo de vida ou território. Também determina que essa consulta seja continuada.

Foto colorida mostra cerca de arame farpado separando vegetação nativa de área de parque eólico com várias turbinas
Problemas sociais e ambientais causados pelos parques eólicos também são relatados na comunidade de Jurema, em Amontada, no Ceará | Foto: Daniel Correia / Plano Nordeste Potencia

Vetos

A lei foi publicada com vetos presidenciais aos chamados jabutis (trechos incluídos em um projeto de lei mesmo sem ter relação com o tema), incluídos por parlamentares que fazem lobby no Congresso para empresas do setor de combustíveis fósseis.

Ao todo a nova lei teve 17 vetos, mas dois deles – dos artigos 22 e 23 – estão entre os mais relevantes, pois tratavam de incentivos a combustíveis fósseis. Na justificativa dos vetos, a Presidência da República explicou o motivo da remoção dos jabutis incluídos pelos congressistas: “(…) Por fim, a possível ampliação da contratação de fontes fósseis não é compatível com os compromissos internacionais assumidos pelo País ou com as políticas públicas voltadas à transição energética, à mitigação das mudanças climáticas e à descarbonização da matriz energética brasileira”

“A posição do Presidente Lula em aprovar o PL 576/2021, vetando os jabutis, é um claro aceno institucional do Governo Brasileiro de que estará empregando esforços para cumprir os compromissos firmados na COP 28”, opina João Paulo, do Assessoria Cirandas.

Cecília Oliveira, co-coordenadora do Plano Nordeste Potência, iniciativa voltada à transição energética sustentável e justa, avalia os vetos como uma demonstração de que o Governo Federal está alinhado à sua agenda de sustentabilidade e principalmente aos reflexos da realização, no Brasil, da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. 

A COP 30, que debaterá e estabelecerá metas de redução de emissão de gases do efeito estufa, será realizada em Belém (PA), em novembro. “Além disso, os vetos também demonstram um alinhamento com a agenda de transformação ecológica do Ministério da Fazenda, o que é muito importante para que a transição energética ocorra de forma que os empreendimentos do setor de renováveis cada vez mais contemplem a redução dos danos ambientais e sociais”, diz Cecília.

No Brasil, 103 projetos de usinas offshore estão em processo de licenciamento no Ibama, 30 no Rio Grande do Sul, 26 no Ceará, 16 no Rio de Janeiro, 14 no Rio Grande do Norte, 7 no Piauí, 6 no Espírito Santo, 3 no Maranhão e 1 em Santa Catarina.

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