Culinária da Caatinga cria novas possibilidades a partir do sertão sergipano

A Agência Eco Nordeste está veiculando uma série especial com histórias inspiradoras de Convivência com o Semiárido, colhidas a partir do 6º Seminário Internacional de Convivência com o Semiárido, do Centro Xingó / IABS, em Piranhas (AL). A terceira história é sobre como o chef Timoteo Domingos, que vem trabalhando a biodiversidade da Caatinga para criar um novo nicho de mercado entre produtores e a alta gastronomia.

Por Maristela Crispim
Editora

Timoteo Domingos vem inovando na culinária da Caatinga com o objetivo de conectar produtores e chefs por meio da sua biodiversidade | Foto: Mariana Azevedo

Piranhas – AL / Canindé de São Francisco – SE. “Você sabe o que mais se desperdiça na cozinha? Água”. Essa é a pergunta e a resposta de quem, na infância, bebia a mesma água barrenta que era dada ao gado e que só tomava dois a três banhos por semana para economizar esse bem tão precioso.

Hoje chef, Timoteo Domingos trabalha com regionalidade fugindo do óbvio, numa inovação gastronômica no Semiárido. “A visão comum da gastronomia nordestina é de que só se come uma coisa e que não tem mais nada. Isso não é verdade. Nenhum outro semiárido do Planeta tem a mesma biodiversidade. Meu objetivo é comprovar cientificamente o valor nutricional das nossas espécies, assim como suas texturas e sabores”, resume.

Domingos apresentou uma aula-show de Gastronomia da Caatinga e lançou seu segundo livro, “Subsistência: a natureza, o alimento e a seca” no 6º Seminário Internacional de Convivência com o Semiárido, realizado pelo Centro Xingó de Convivência com o Semiárido, no fim de novembro. Depois, na primeira quinzena de dezembro, no 5º Curso Internacional de Convivência com o Semiárido, mergulhou nas possibilidades, em atividades de campo, com os participantes.

“O mandacaru é mais amargo; o xique-xique, mais suave; já a palma é mais cítrica”, conta entre os relatos das suas vivências. Um dos objetivos do chef é beneficiar os agricultores familiares que produzem cactos com foco na alimentação humana. Para viabilizar a publicação, ele contou com a parceria do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e de chefs amigos.

“Eu enviei para 45 chefs porções de espécies com potencial e os desafiei a criar. Essa ação teve como objetivo levar a sustentabilidade para a produção. Trata-se de um negócio de impacto social. Criar demanda para esses produtos. Depois busquei empresas como parceiras, inclusive cervejaria e sorveteria. Tenho a meta de criar uma linha natural / fitness com escala ampliar a demanda”, revela. Até 2025, Timoteo pretende abrir o próprio restaurante, numa casa de taipa, com chão batido, ingredientes regionais e técnica francesa e sem desperdício de água.

Da roça à cozinha

Timoteo Domingos conta que começou como muitas crianças sertanejas, picando palma para dar às cabras. A avó, que cozinhava muito bem, foi a sua primeira professora entre as panelas. Aos 10 anos, começou a vender cocada na escola, depois passou aos bolos e tortas. Em 2013, aos 16 anos, ganhou os dois concursos do Festival da Goiaba e do Quiabo de Canindé de São Francisco, cidade que margeia o Rio São Francisco, em Sergipe.

O festival surgiu por causa dos projetos de irrigação de assentamentos da Reforma Agrária da região. Ele destaca que Canindé de São Francisco é um dos maiores produtores de quiabo do Brasil. Timoteo ganhou as duas competições com um brigadeiro de goiaba com mandacaru e uma lasanha de quiabo.

Como não tinha Internet em casa e nem celular, usava o dinheiro que ganhava em lan house. Lá, pediu ao dono para criar um e-mail e começou a disparar mensagens para sites de notícias como se fosse assessor dele mesmo. Com isso, conseguiu ter a sua história contada nos três jornais do Estado. Em menos de dois meses, estava no noticiário nacional dominical de uma grande emissora.

“Depois disso, durante cinco meses, toda semana tinha uma equipe de reportagem diferente lá em casa. Mas a minha meta era a Ana Maria Braga“. Em junho de 2014, ele caiu numa pegadinha. Participou de uma competição numa pista de 100 metros com quiabo, detergente, água e óleo. Não ganhou essa. “Tinha uma cara vestido de quiabo que era repórter da Ana Maria querendo saber se era verdade que tinha um menino fazendo comida com cacto”, conta.

Em agosto de 2014, ele deu a sua primeira aula-show, no famoso Festival Cultura e Gastronomia de Tiradentes, em Minas Gerais. “Daí foram inúmeros convites para palestras, aulas-show, oficinas. E comecei o curso de gastronomia, que pretendo terminar para começar o mestrado”, projeta.

No 5º Curso Internacional de Convivência com o Semiárido, Timoteo Domingos mergulhou nas possibilidades, em atividades de campo, com os participantes | Foto: Mariana Azevedo

Centro Xingó

O Centro Xingó de Convivência com o Semiárido tem como objetivo a geração e difusão do conhecimento, a partir do contexto histórico e cultural local. A expectativa é valorizar a troca de saberes, as práticas e experiências inovadoras para a promoção da convivência com o semiárido de forma sustentável, contribuindo com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Objetivos temáticos

INCLUSÃO PRODUTIVA – Promover a produção local e sua inclusão em cadeias de valor para geração de trabalho e renda, além de segurança alimentar para as comunidades locais.
TECNOLOGIAS SOCIAIS – Conhecer, aperfeiçoar e disseminar práticas e tecnologias sociais que aproveitem as potencialidades locais e promovam o bem-estar da população.
MEIO AMBIENTE – Gerar e disseminar técnicas e conhecimentos que promovam a adaptação às mudanças climáticas e a conservação e uso sustentável da caatinga e demais ecossistemas da região.
HISTÓRIA, CULTURA E PROTAGONISMO SOCIAL – Resgatar e valorizar a identidade sociocultural e história local, propiciando a troca de saberes e empoderamento do povo sertanejo, principalmente de mulheres e jovens.

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