Áreas suscetíveis à desertificação no Semiárido são agora quase desérticas

Por Verônica Pragana – Asacom

Os dados do avanço da desertificação no Semiárido brasileiro, infelizmente, não têm tido grande repercussão nos veículos de comunicação | Foto: Maristela Crispim

Maceió – AL. Em 2006, no Semiárido brasileiro havia áreas suscetíveis à desertificação. Eram seis núcleos – Cabrobó (PE), Gilbués (PI), Inhamus (CE), Irauçuba (CE), Jaguaribe (CE) e Seridó (PB e RN) – que foram divulgados no Plano Nacional sobre Mudança do Clima, o PAN da Desertificação. Hoje, esses núcleos agravaram em muito a situação de degradação e se tornaram o epicentro das áreas quase desérticas do Semiárido que passaram a existir em pouco mais de uma década. No total, o Semiárido tem hoje 13% do seu território classificado como quase desértico.

É o que apontou o Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Lapis), ligado à Universidade Federal de Alagoas (Ufal). “O total que a gente chegou de áreas de todo o Semiárido brasileiro, incluindo o Norte de Minas Gerais, está em torno de 13% de áreas quase desérticas, que estão em níveis de degradação muito alto. Mas existem outros níveis intermediários que estão acelerando em função do uso da terra, das secas, em função da ocupação do solo”, assegura Humberto Barbosa, coordenador do Lapis.

O Laboratório, por sua vez, coordena um sistema de recepção de dados em tempo real e tem a capacidade de gerar informações da cobertura vegetal na frequência diária. O monitoramento da cobertura vegetal é o principal indicador de degradação ambiental utilizado pela Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD).

Imagem de satélite, de agosto passado,  demonstra umidade no Semiárido |  Lapis/Ufal

Em julho passado, o Lapis divulgou este dado alarmante, mas houve pouca repercussão nos veículos de comunicação. Talvez, esse fato seja só mais uma prova da pouca importância que a região semiárida, o bioma Caatinga e as famílias que vivem nele têm para o Brasil. Um ecossistema que, em tempos de alterações climáticas mundiais, tem muito a ensinar no quesito produção de alimentos em condições de pouca água e alta temperatura.

O atual mapa da vegetação do Nordeste brasileiro, obtido a partir de dados de satélites, permite observar a extensão e intensidade da seca nos estados da região. No mapa, as áreas em vermelho mostram onde a seca está mais intensa. As áreas em amarelo indicam seca moderada. Já onde prevalece a cor verde, é sinal de que a vegetação está em pleno vigor.

Somente no Leste do Nordeste, incluindo o Litoral e parte do Agreste, está verde, desde o Rio Grande do Norte até a Bahia. Os estados de Alagoas e Sergipe continuam sendo os mais verdes da região. Na área central e norte do Maranhão, houve uma mudança recente para situação de seca moderada, em boa parte dos municípios.

Imagem de satélite, de agosto passado,  demonstra a vegetação no Semiárido |  Lapis / Ufal

Na entrevista abaixo, o professor Barbosa, com formação em Meteorologia, mestrado em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e doutorado em Solo, Água e Ciências Ambientais pela Universidade do Arizona, discorre sobre as principais vulnerabilidades do Semiárido, em diversas dimensões, que contribuem para a ampliação da degradação a passos largos.

Segundo o professor, tais vulnerabilidades são alimentadas pela ausência de políticas públicas direcionadas para minimizar este processo de degradação. “Políticas públicas não podem ser implementadas se não se tem informações. Pelo menos de conter o desmatamento sem saber quais são as taxas, em que ano esse desmatamento tem acontecido. As áreas suscetíveis, as áreas degradadas que destacamos mais recentemente é mais em função de falta de políticas públicas para conter este desmatamento no Semiárido”.

Na entrevista, o coordenador do Lapis também lança um olhar específico para a condição da mulher nos territórios que estão se tornando inférteis e impróprios à vida. Esta questão mereceu destaque no recente relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que busca compreender as Mudanças Climáticas em curso e conta com cientistas e especialistas do mundo todo.

Neste relatório lançado há dois meses, em Genebra, na versão direcionada para os formuladores de políticas públicas de todo o mundo, o professor Barbosa coordenou uma equipe internacional e multidisciplinar de pesquisadores para a elaboração do capítulo sobre degradação da Terra. “Foi a primeira vez que o IPCC colocava a questão da superfície terrestre nas emissões. Qual era a contribuição da superfície terrestre nas emissões, principalmente, do metano, do óxido nitroso e do CO2 indiretamente?”, destacou.

Nascido no interior da Paraíba, com avós sertanejos e uma influência fortíssima de um de seus avós, considerado por ele como “ambientalista por preservar muito a cobertura vegetal no sítio”, o professor Barbosa explicou, de forma didática, como se dá o ciclo de degradação. Tudo começa com o desmatamento, hoje em dia intensificado pela produção de biomassa, agronegócio e criação de animais de grande porte, como os bovinos, em áreas pequenas.

Professor Humberto Barbosa, neto de sertanejo, se dedica a monitorar a degradação ambiental no Semiárido brasileiro

Confira a entrevista:

2006: áreas vulneráveis à desertificação

Primeiro, participamos do PAN de desertificação [Plano Nacional sobre Mudança do Clima], que foi uma ação do governo federal com estados e com agências de Estados para monitorar essas áreas de desertificação.

Até então, eram cinco núcleos de desertificação espalhados pelo Semiárido e havia interesse do Governo Federal de implementar um sistema precoce de monitoramento de seca, de desertificação e de áreas degradadas.

Até 2006, esse plano serviu como referência para mapeamento das áreas de desertificação. Porém, não houve sequência, outras ações para complementar o mapeamento dessas áreas degradadas ou suscetíveis à desertificação. Daí a gente começou tomar a decisão de dar sequência, de continuar mapeando, buscando outras informações.

A partir de 2006, nós começamos a perceber que as áreas do entorno dos núcleos de desertificação começaram a ampliar a degradação neste entorno. A gente começou a melhorar a metodologia, começamos a colocar níveis de degradação, colocamos três níveis. Não eram níveis de suscetibilidade, eram níveis mesmo de degradação a partir da cobertura vegetal.

A UNCCD, que é a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, tinha a cobertura vegetal como o único indicador das áreas degradadas. Então, a cobertura era a principal métrica para dizer se a área estava degradada.

Adotamos isso também, olhando primeiro a cobertura vegetal ao longo tempo, desenvolvendo metodologia para saber. Classificamos em três níveis, o nível 3 é o que chamamos de quase deserto, aquela região que está no nível mais alto de degradação e que coincide com os núcleos de desertificação que o PAN de 2006 mapeou e redefiniu como núcleos de desertificação.

2019: 13% de área quase desértica no Semiárido

O total que a gente chegou de áreas de todo o Semiárido brasileiro, inclui o Norte de Minas Gerais, está em torno de 13% de áreas quase desérticas, que estão em níveis de degradação muito alto. Mas existem outros níveis intermediários que estão acelerando em função do uso da terra, das secas, em função da ocupação do solo.

O Seridó, por exemplo, que se estende pelo Cariri paraibano e ainda pega parte do Rio Grande do Norte, é uma das áreas que tem ocupação humana, tem a produção de serviço para o rebanho leiteiro. É uma área bastante rica no sentido de ter uma produção econômica, mas é extremamente degradada nos últimos anos em que as secas e o processo de degradação, de desmatamento e de empobrecimento ali também têm aumentado.

Primeira vulnerabilidade do Semiárido: a desertificação

O que nós temos percebido hoje de vulnerabilidade do Semiárido brasileiro, classificamos em seis tipos. A maior delas ou uma das principais é a desertificação, um processo em resposta a vários outros processos que ocorrem no uso da terra.

Hoje, o processo de degradação é muito ligado ao desmatamento da Caatinga. Esse desmatamento ocorre principalmente para a produção de biomassa para gerar energia e estamos falando do carvão que vai alimentar as padarias e outros setores produtivos.

Some-se a isso as secas. Tivemos [seca] desde 2011, embora na literatura comece em 2012, já tínhamos percebido sinais de variações de precipitação, ou seja, o regime de chuva abaixo da média, a partir de 2011 até 2016, início de 2017, olhando isso de uma forma mais generalizada.

Foram quase seis a sete anos consecutivos, seis anos de algumas regiões, até sete anos em algumas áreas do Semiárido, onde a seca foi muito intensa e consecutiva. Não tínhamos visto um registro de seca que tivesse a intensidade e a permanência dela e isso foi o fator também muito acelerador dessas áreas degradadas.

2012 foi um momento em que a Caatinga teve um momento muito crítico em função não só do uso da terra – desmatamento, queimadas, superpastoreio -, mas, em cima disso, a ação climática natural. As secas extremas aceleraram os processos. Fizemos um mapeamento em 2012/2013 e percebemos que as áreas aumentaram em uma taxa muito mais intensa do que tínhamos visto nos outros anos.

Degradação nos estados

Em média, a degradação como um todo, colocando todos os níveis, estamos numa escala média de 23% de todos os estados, incluindo uma parte do Norte de Minas Gerais. Mas, no Nordeste, está em torno de 23% a 27% de áreas degradadas.

Se pegarmos Alagoas e somarmos os níveis de degradação, vamos para um nível de 23% a 25%, o que é alto. Quando eu cheguei aqui, há 10 anos, comecei a perceber uma mudança no sertão de áreas [degradadas] aumentando. Víamos muito na Paraíba, Pernambuco, Ceará, naqueles estados onde as secas são muito mais intensas, onde o processo de ocupação acontece com mais intensidade.

Foi um dos primeiros sinais que mais me chamou atenção. Quando eu comecei a mapear, nos últimos anos, no Sertão alagoano, bem no centro do mapa do Estado, tem áreas com processo de degradação muito alto, alguns já chegando quase no último nível. O que foi a nossa grande surpresa. Porque Sergipe e Alagoas eram estados que observávamos a degradação no nível baixo, médio em função de secas, em função da ocupação, isto tudo tem acelerado o processo.

Degradação e IDH

Houve uma preocupação nossa também, mais aqui em Alagoas, de estabelecer as áreas que mapeamos como degradadas com o Índice de Desenvolvimento Humano. Não foi nenhuma surpresa que, nas áreas mais degradadas, havia uma correlação alta com os dados censitários do IBGE de índice de desenvolvimento baixo. Então isso também nos preocupou.

Queríamos aprofundar mais isso com os dados censitários socioeconômicos, embora para o IBGE não há essa alta frequência. A escala é municipal, nós estávamos trabalhando em uma escala menor do que a do município. Esses são gargalos que esperamos que nos próximos anos possamos aperfeiçoar e envolver mais a questão socioeconômica.

Mulher, mudanças climáticas e a degradação ambiental

O que tem mais chamado atenção, assumindo o papel como líder autor de uma publicação sobre a degradação da terra pelo IPCC, é a questão de gênero nas regiões degradadas. As mulheres e os jovens são os mais impactados pelas mudanças climáticas, mas também na degradação.

Elas ficam nesta região e os homens terminam migrando, mas tem um ponto fundamental que levantamos nas referências bibliográficas: elas têm pouco papel na tomada de decisão da terra.

A terra ainda é muito machista, ainda está ligada à decisão do homem: a venda, o conhecimento, a formação técnica é muito colocada para o homem, esquece que a mulher está ali na situação de seca extrema ou alguma situação desfavorável, que o homem larga aquela terra, mas muitas dessas mulheres permanecem.

Mas a transferência de conhecimento ainda é feita para o homem. A decisão sobre a terra é do homem: “vou vendê-la, vou buscar conhecimento…” É muito centrada no homem. Na verdade já existem algumas áreas fora da América Latina onde as mulheres detém um conhecimento e foram treinadas exatamente para que possam, na tomada de decisão, serem mais favorecidas.

O problema não é só elas ficarem com o problema. É como elas estão preparados para lidar com o problema. Porque elas não têm a tomada de decisão, elas não têm o conhecimento e as variações climáticas extremas e o uso do solo estão deixando essas terras improdutivas. Então, se ela depende da sua subsistência dessa área, vai ter que a migrar para outras áreas.

O conhecimento tem que ser melhor direcionado para a questão do problema. Nesta questão, a mulher é a solução.

Políticas públicas

Até 2006, o Governo Federal reconheceu o PAN de 2006 – de mapeamento de área suscetíveis à desertificação – como uma ação. Uma ação governamental oficial, porém, depois nós percebemos que esse mapeamento começou a ser feito de forma independente por agências governamentais com metodologias que não eram equalizadas. Cada um usava uma metodologia diferente para mapear essas áreas suscetíveis à desertificação após o PAN de 2006.

Essas iniciativas individuais do Ibama e de outros órgãos governamentais já não tinham esse respaldo oficial de uma ação governamental e, com as metodologias divergentes, os números também começaram a ficar divergentes.

Isso fez com que o governo federal, principalmente em 2012, quando estava numa boa situação econômica e o País tinha reuniões, tratados e acordos internacionais, havia um desconforto do Governo Federal com a questão do Semiárido porque não tínhamos informações oficiais de qual era o desmatamento, quais eram as taxas de desmatamento do Semiárido.

Tinha as taxas de desmatamento da Amazônia, por meio do Prodes [realiza o monitoramento por satélites do desmatamento por corte raso na Amazônia Legal e produz as taxas anuais de desmatamento na região, que são usadas pelo governo brasileiro para o estabelecimento de políticas públicas], do Inpe que desenvolveu a metodologia desde 1988. Não tem isso do Semiárido, nem por alguma agência.

Temos uma série de informações sobre qual é o desmatamento na região semiárida brasileira. Políticas públicas não podem ser implementadas se não tem informações. Pelo menos de conter o desmatamento sem saber quais são as taxas, em que ano esse desmatamento aconteceu. As áreas suscetíveis, as áreas degradadas que destacamos mais recentemente é mais em função de falta de políticas públicas para conter este desmatamento no Semiárido. Lembrando que 30% da matriz energética vem da biomassa, da lenha que é tirada da Caatinga. É o que nós vemos de consenso entre alguns órgãos estaduais, agências, em média 30% da energia do Nordeste vem da Caatinga.

Então, as regiões semiáridas, embora tenham um fórum político que é a UNCCD, o órgão das convenções de combate à seca, não despertou para políticas públicas se compararmos com a Amazônia, que tem tratamento completamente diferenciado se olharmos para políticas públicas nacionais e internacionais.

Se olharmos em termos de fragilidades, não só socioeconômica, mas climática, hoje o Semiárido é o que mais é impactado. Porém, políticas públicas, se abrir as manchetes dos jornais, são todas direcionados para a Amazônia. Não que não seja importante, mas não podemos esquecer que outros biomas no Brasil estão em altíssima condição de vulnerabilidade por falta de clareza de como vai ser o monitoramento, para que isso baseie decisões municipais, estaduais e do Governo Federal.

Desmatamento e degradação no espaço urbano

A questão da degradação não é só rural no sentido de que o rural hoje é bem diferente do que era há 40, 50 anos mas é também urbano, não pode esquecer que esse uso e ocupação urbano é em função de um desmatamento, de uma ocupação irregular, que as pessoas do campo vieram para essas áreas e se tornaram reféns desta situação socioeconômica.

Na maior parte das cidades brasileiras, essas áreas de risco estão localizadas em áreas vulneráveis, são áreas de montanha, de encostas, porque foi devastada a vegetação e foi criada uma estrutura de habitação que não era adequada para isso. Também é uma degradação de origem do desmatamento. Uma ocupação indevida daquela área para suprir uma carência habitacional.

O primeiro passo é retirar a vegetação…

O processo começa quando removo a vegetação. A ausência dessa vegetação já começa a influenciar nas condições de clima. A umidade da vegetação faz com que você harmonize aquela área. Com a vegetação, há um certo equilíbrio ecológico. Ao remover essa vegetação já começa a alterar na umidade, a temperatura dessas superfícies. As chuvas já começam a não se distribuir igualmente, ficarem mais fortes em algumas áreas que a gente chama de enxurrada.

Essa intensidade, esses pulsos de chuvas aumentam em algumas áreas mais do que outras e esses pulsos começam arrastar os nutrientes desse solo, que já é um solo, de certa forma, impactado pelas condições de Semiárido. Outras chuvas vão vindo e as temperaturas vão aumentando.

O lençol freático vai alterando a localização. A evaporação desse lençol freático vai criando uma pequena camada, de sais, que vão ficando em cima da crosta do solo. Na próxima chuva, a água não percola. Então começa a gerar erosão. Tudo isso são os processos que aceleram a degradação e desertificação. Naquele solo pode chover, mas ele não responde.

Além disso, nos últimos anos, o processo de desmatamento se soma à queimada e ao superpastoreio, que é quando se começa a criar animais de grande porte em áreas pequenas. O problema não é criar animais, o problema é a quantidade de animais numa área pequena e eles vão compactando o solo, degradando esse solo.

Com isso, se acelera o processo de perda de nutrientes. Porque o solo é uma coisa viva. Sempre achamos que é a vegetação, mas o solo tem nutrientes e micro-organismos que precisam desta vegetação para ter equilíbrio ecológico.

Na medida em que retiramos essa vegetação, a insolação, que é muito alta na região Nordeste do Brasil, aumenta esta temperatura e os nutrientes morrem. Nós chegamos, há dois anos, a medir a umidade do solo no sertão de Alagoas e eu cheguei a pegar temperatura de 50º com termômetro de solo, queimava a minha mão. E não há pequenos organismos que sobrevivam por 50-60º Celsius.

Contribuição do agronegócio

A retirada da vegetação típica, nos últimos anos, [também acontece] pela ocupação, pelo uso, pelo aumento da população, é uma outra questão. Sempre uso essa referência. Há um século éramos dois bilhões, um pouquinho mais. Hoje somos sete bilhões. E, em 2050, que não está muito longe, seremos nove bilhões. Ou seja, o número de boquinhas para alimentar tem aumentado e isso traz também uma certa demanda, uma pressão para intensificação da agricultura, que é um outro ponto que também tem contribuído para o aumento da degradação. Algumas dessas áreas desmatadas são também utilizadas na agricultura para a produção de alimentos.

A agricultura nossa, no geral, não é sustentável não só pelos fertilizantes, mas pela forma como são produzidos os alimentos. Quando as monoculturas são instaladas não tem problemas, mas, como o passar do tempo, começa a extrair um dos nutrientes. A cana-de-açúcar, por exemplo, começa a extrair um determinado nutriente e os demais começam a exceder e isso vai empobrecendo aquele solo. Esse é um dos problemas, além de algumas delas ter um consumo de água muito alto.

Tem a questão da monocultura para gerar energia, no momento em que temos uma população crescendo, quando a segurança alimentar vai ser decisiva.

Transformar [o cultivo] em energia é uma questão ética e uma questão também de políticas públicas de como a nossa alimentação vai trazer estas questões de como plantar a cana-de-açúcar para produzir energia. Isso a curto prazo é extremamente rentável economicamente e não tem ainda impacto nas emissões. Mas, daqui a 50 anos, eu não sei se o modelo tecnológico que estamos adotando para transformar a cana-de-açúcar em etanol vai ser possível em face das alterações climáticas e em face da segurança alimentar e da ética. Em países como a China não se permite extrair energia de milho, da cana-de-açúcar.

A Caatinga, único ecossistema adaptado às variações climáticas

O código genético da Caatinga tem uma informação que, certamente, precisa ser melhor explorado, de como essa vegetação se adaptou. Essa palavra adaptação é muito importante a esses extremos de clima.

Ela tem uma informação genética e como essa informação pode ajudar a agricultura que vai ser desafiada porque as alterações climáticas vão trazer menos chuvas, mais altas temperaturas. E não estamos falando do Semiárido, mas de centro-sul. Quem melhor se adaptou em termos vegetativos foi a Caatinga, não tem outro ecossistema que tenha enfrentado essas variações climáticas naturais e, agora, antrópicas, se não a Caatinga.

Destruir a Caatinga é perder esta informação genética, de como ela se adaptou, o que fez algumas espécies se adaptarem tanto às transformações tão bruscas e ela continuar ali ainda resistindo.

Quando falamos do conhecimento, esta região semiárida é uma área muito vulnerável. Não sabemos as áreas onde estas espécies estão suportando melhor estas condições de variações climáticas ou que espécies poderiam estar ajudando a entender e adaptar outras cultivares, principalmente, com a questão da agricultura resistente a baixo volume de chuvas e a altas temperaturas.

Vulnerabilidade institucional

A outra vulnerabilidade é institucional. As nossas agências governamentais, estaduais, todas estas agências que estão na região semiárida brasileira são muito vulneráveis, ainda não conseguem atender a necessidade, nas próximas décadas, de como essa população retirar a sua sobrevivência desse solo que está em condição degradada, que tem alterações climáticas, ou seja, diminuição das chuvas, vários problemas que precisam de transferência, de capacitação técnica que agências locais teriam que estar fazendo.

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