Quilombolas questionam tentativa imediata de aprovar acordo com EUA sobre Base de Alcântara

Por Filipe Pereira
Colaborador

O acesso ao mar, que contribui para a principal atividade econômica de Alcântara, que é a pesca, está sob ameaça | Foto: Maristela Crispim

São Luís – MA. O município de Alcântara, no Estado do Maranhão, constitui-se em dos maiores territórios tradicionais do País. Na região, há ruínas e um grande conjunto de casario colonial compartilhando espaço com as diversas comunidades tradicionais remanescentes dos escravos que serviram aos donos desses imóveis no passado.

Segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Alcântara possui 210 comunidades, de maioria quilombola e com renda proveniente principalmente da pesca, agricultura, artesanato, programas sociais como Bolsa Família e de aposentadorias rurais.

Entretanto, por estar inserida em um ponto estratégico, bem próximo da linha do Equador, a liberdade e soberania dessas comunidades anda sendo ameaçada desde o ano de 1980, quando foram cedidas as primeiras terras para a implantação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), base de lançamento de foguetes da Aeronáutica.

>> Entenda o conflito entre os quilombolas de Alcântara e a decisão do Governo Federal que libera Base Espacial aos EUA.

Nesta semana, está sendo votado com pedido de urgência, na Câmara dos Deputados, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), que cede a base aeroespacial de Alcântara (MA) para domínio norte-americano. O acordo, assinado em março deste ano, em Washington, nos Estados Unidos, e aprovado no dia 21 de agosto, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, se aprovado, não precisará tramitar pelas Comissões da Câmara.

Na contramão, algumas entidades e lideranças populares argumentam que o acordo fere a soberania nacional e pedem um amplo debate sobre a pauta, o que ficaria prejudicado em caso de aceleração da medida.

A paz das comunidades essencialmente rurais de Alcântara vive sob a ameaça de ampliação do Centro de Lançamento | Foto: Maristela Crispim

No dia 28 de junho, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras de Alcântara (STTR) e outras instituições enviaram uma carta ao Congresso Nacional, apresentando demandas e solicitando providências relativas à proteção de seus direitos territoriais e aos recursos naturais e contra deslocamentos forçados frente à consequente expansão do CLA.

“Para a efetivação do AST será necessário expandir a atual área do CLA – de 08 mil para 20 mil hectares – e, consequentemente, deslocar aproximadamente 02 mil quilombolas. Nenhum/a destes integrantes das 219 comunidades quilombolas, que vivem no território de Alcântara há mais de 200 anos, ou suas entidades representativas, foram consultadas sobre a assinatura do referido acordo, cujo efeito impacta diretamente a vida destas comunidades”.

Ainda segundo o documento, a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas sem consulta às comunidades quilombolas viola frontalmente o direito à consulta prévia, livre e informada, assegurada na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Segundo levantamento preliminar realizado pelo STTR, Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (Mabe) e Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara (Momtra), o acordo acarretará na expulsão de aproximadamente 792 famílias, 27 comunidades quilombolas, em um total aproximado de 2.121 pessoas.

Em nota técnica, o Mabe afirma que o CLA é um projeto de inspiração militar, pois foi concebido em pleno regime ditatorial, quando o Governo do Estado do Maranhão desapropriou, por meio de um decreto , 52 mil hectares do município de Alcântara.

Segundo o Mabe, o acordo é inadmissível, pois também funciona sem licenciamento ambiental há pelo menos 38 anos, atuando sem Estudo de Impacto Ambiental e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), o que impossibilita o cálculo dos danos ao ambiente e à saúde humana gerados pelas atividades de lançamentos de foguetes.

A fim de evitar a proposta de imediato, o Conselho Nacional de Direitos Humanos entrou com uma nota de recomendação ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, orientando que a pauta seja considerada após consulta e acordo popular por parte da comunidade quilombola.

“A par de cumprimentá-lo cordialmente, faço uso do presente para apresentar a Vossa Excelência a Recomendação nº 17/2019 que recomenda que não seja pautado para deliberação ou aprovação o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas assinado entre Brasil e Estados Unidos da América (EUA), até que haja conclusão da Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa-Fé das Comunidades Quilombolas, conforme previsto na Convenção nº 169 da OIT e segundo recomendação constante do Relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados”.

Até o momento, as solicitações e pedidos estão em processo de análise.

#AlcantaraÉQuilombola

Enquanto as lideranças populares percorrem a Câmara na tentativa de ampliar o diálogo com parlamentares sobre o tema e angariar novos apoios, o trabalho também tem sido árduo nas redes sociais.

Nesta terça-feira (3), diversos usuários manifestaram-se contra a assinatura da AST ganhou. No Twitter e Instagram, o destaque foram as hastags #AlcantaraÉQuilombola e #NÃOaoAcordodeAlcântara.

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