Resolução determina detalhes sobre a remoção de 30 comunidades sem que elas tenham sido consultadas previamente
A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) recomendou à União, nessa quarta-feira (1º), que se abstenha da decisão de remover famílias quilombolas do território de Alcântara, no Maranhão, sobretudo neste momento de pandemia de Covid-19. O deslocamento é uma ameaça antiga relacionada ao projeto de expansão do Centro de Lançamento Espacial de Alcântara (CLA). O pedido do MPF faz referência à recente reunião do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB) que definiu, por meio da Resolução Nº 11/2020, a execução das mudanças das famílias.
A recomendação foi encaminhada ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), general Augusto Heleno, pelo procurador-geral da República, como prevê a Lei Complementar Nº 75/93. O documento também foi enviado ao Ministério da Defesa, ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
No documento, a 6CCR destaca a importância do acompanhamento e monitoramento das ações e programas executados pelo Governo Federal para prevenir eventuais abusos e comportamentos em prejuízo ao interesse social, especialmente no atual momento. Pondera ainda que, diante do estado de calamidade nacional e dos impactos gerados na ordem social e econômica brasileira em razão da pandemia de Covid-19, os mecanismos de controle e participação sociais ficam enfraquecidos, uma vez que todos os esforços estão voltados às preocupações mais essenciais com a saúde de todos. Nesse contexto, destaca a recomendação, “não se mostra pertinente a discussão ou o prosseguimento de quaisquer ações que dependam ou estejam necessariamente vinculadas a um processo de transparência ampla e escrutínio público”.
O MPF sustenta que a remoção das famílias quilombolas de seu território promoverá um dano irreparável a elas, “haja visto que tais comunidades poderão ser retiradas das áreas que ocupam, ou estarão sujeitas a restrições, tais como, a limitação de acesso ao mar ou de trânsito livre pela região”. Também foi considerada a necessidade de consulta prévia às comunidades para adoção de medidas legislativas que as afetam diretamente, nos termos da Convenção Nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Na recomendação, a 6CCR pede, ainda, que seja disponibilizado na internet todo o conteúdo referente aos estudos e deliberações já produzidas pelo CDPEB, principalmente os documentos indicados na Resolução Nº 11/2020, visando o controle social. O ministro-chefe do GSI e coordenador do CDPEB têm o prazo de dez dias para responder a solicitação do MPF, informando as medidas adotadas para seu cumprimento.
Em setembro de 2019, lideranças quilombolas da região de Alcântara se reuniram com o coordenador da 6CCR, Antonio Bigonha, pedindo a intervenção do Ministério Público no processo de expansão da base espacial. Na ocasião, os quilombolas informaram que a expansão “representa uma ameaça direta à subsistência do modo de vida de mais de 800 famílias que vivem no litoral”. Além disso, os representantes informaram que as comunidades não puderam participar das decisões no processo porque não foram consultadas.
As lideranças quilombolas também entregaram à 6CCR um Protocolo de Consulta Prévia, elaborado pela comunidade, com objetivo de nortear o Estado no processo de desenvolvimento nacional, regional e local que afeta os direitos dos quilombolas de Alcântara. Em busca de uma solução para o conflito, a 6CCR se reuniu com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e apresentou uma nota técnica sobre o assunto, destacando a necessidade da realização de uma consulta prévia, livre e informada junto às comunidades afetadas.
Criado em 1983, o CLA já ocupa 8.713 hectares dos 85 mil onde vivem as comunidades, que possuem existência comprovada pelo Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). Em 2017, a Aeronáutica brasileira solicitou mais 12 mil hectares do território para a expansão da base.
Leia a Recomendação na íntegra
Parlamentares pedem nulidade
Também nessa quarta-feira (1º), os deputados Helder Salomão (PT/ES), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias; Rodrigo Agostinho (PSB/SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; Patrus Ananias (PT/MG), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional; Nilto Tatto (PT/SP), presidente da Frente Parlamentar Mista em Apoio aos Objetivos de Desenvolvimentos Sustentáveis da ONU; Bira do Pindaré (PSB/MA), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas; e Marcio Jerry (PC do B/MA), presidente da Subcomissão Permanente do CLA, solicitaram a autoridades providências para anulação do ato. Diversos projetos de decreto legislativo já foram apresentados com essa finalidade.
Entre os argumentos estão o descumprimento da consulta prévia e informada às famílias, de acordo com a Convenção Nº 169 da OIT; a falta de estudos de impacto socioambiental; a garantia constitucional, já confirmada pelo STF, dos quilombolas às suas terras tradicionais; e o período de isolamento social decorrente da pandemia do novo coronavírus.
Há, ainda, o problema que persiste da remoção, na década de 1980, de 312 famílias para sete agrovilas para instalação do CLA, que perderam a pesca para subsistência e alimento; as família já removidas denunciam que o solo das agrovilas é estéril e que o Estado jamais cumpriu as promessas de assistência técnica, crédito, distribuição de cestas básicas, posto de saúde equipado, fornecimento de água potável, saneamento básico e nem houve titulação das casas em nome dos moradores das agrovilas nem pagamento de qualquer indenização.
As providências foram solicitadas para o MPF, para a Defensoria Pública da União (DPU) e para o próprio o Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro. Os parlamentares pediram também manifestação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
O documento sustenta que, de acordo com jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, baseada na Convenção e na Declaração Americanas de Direitos Humanos, os Estados “devem garantir que eventuais restrições no uso e aproveitamento das terras ocupadas pelos povos tradicionais não impliquem negação de sua sobrevivência física e cultural.
Além disso, a CIDH, em documento expedido no contexto da assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) entre Brasil e Estados, Unidos, esclareceu que, de acordo com normas internacionais, os Estados devem se abster de realizar qualquer remoção forçada de povos tribais e devem garantir às comunidades atingidas indenização pelos danos sofridos e participação nos benefícios das atividades desenvolvidas em seus territórios.
Os deputados apontam que a “própria comunidade desenvolveu protocolo de como deve ser consultada , e esse procedimento deve ser observado pelo Estado”.
Informações compiladas de: MPF e Câmara dos Deputados