“A mulher maranhense já é protagonista de sua própria história por natureza”, entoa Raimunda Francisca Paz, ativista social de Balsas, na porção maranhense do Matopiba, que junto à Diocese de Balsas e ao Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN) ajudou a consolidar redes de mulheres agroextrativistas, no Sul do Maranhão. As iniciativas vieram para incentivar o empoderamento feminino no campo.
Denominado com as sílabas iniciais dos quatro estados que abrange – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia –, o Matopiba inclui 337 municípios e é apontado desde os anos 1980 como a menina dos olhos do agronegócio brasileiro. Sobre a vegetação nativa e populações tradicionais desses três Estados do Nordeste e um do Norte avançam plantações de soja, milho e algodão.
“A mulher sempre tem uma carga de trabalho maior. Ela cuida da horta, do quintal, da casa, da cozinha, das crianças, muitas vezes com pouca capacitação e assistência técnica. Os projetos vieram exatamente para potencializar esse trabalho”, destaca Raimunda, ao relembrar o projeto Das Raízes de Sucupira À Sustentabilidade do Cerrado, que beneficiou 120 mulheres no município de Sucupira do Norte (MA).
“Na comunidade da Feira da Várzea a gente dá limão pra elas e fazem litros de limonada. Com a iniciativa, elas passaram a se unir de forma mais organizada, a ter equipamentos que antes não tinham para fazer o beneficiamento do coco babaçu, além de contarem com um fundo rotativo, etiquetas e agregação de valor para os produtos. Passaram a ter uma produção maior e maior rentabilidade, o que garante alguma independência financeira. Agora, iniciamos o processo de consolidação de uma associação que tem como carro-chefe o óleo de coco babaçu. No desenrolar do projeto, as agroextrativistas participaram também de cursos e capacitações para produzir tantos outros produtos, como doces, pães e bolos”.
Leonira Ferreira é quebradeira de coco babaçu da comunidade de Feira da Várzea e diz se sentir muito à vontade com o trabalho que herdou da mãe, também quebradeira de coco babaçu. Para ela, é muito importante que mulheres extrativistas contem com iniciativas que fortaleçam esses grupos.
“Com o projeto muita coisa mudou pra nós. Ganhamos duas forrageiras para a comunidade, lutamos muito para fazer a casinha da forrageira e muita gente não acreditava que iria funcionar. Só que o nosso grupo é pequeno, mas é muito unido. Assim as coisas foram melhorando, agora podemos extrair o azeite e vender ou transportar para onde quisermos. Muitas pessoas não acreditam que o nosso projeto funciona, mas sim, está funcionando muito bem, basta que as mulheres se engajem mais e acreditem em seus potenciais”, ressalta Leonira.
Com o recurso do óleo do coco babaçu, a extrativista conseguiu bancar as mensalidades dos estudos de seu filho, uma prova do empoderamento financeiro conquistado pelo seu trabalho. Contudo, ela não descarta as dificuldades encontradas pelas mulheres na lida no campo: “nós, como mulheres do campo, não temos tanta força braçal e precisamos de ferramentas que podem nos ajudar mais no nosso trabalho. Encontramis dificuldades para chegar ao poder público e conseguir essas melhorias”, afirma
Água Branca e Laranjeiras também foram comunidades do município de Sucupira do Norte beneficiadas pelo projeto. No povoado de Laranjeiras, as mulheres possuem uma particularidade: são jovens, entre 20 e 30 anos, que contam com os recursos financeiros do extrativismo para custear seus estudos em escolas ou faculdades. Parte dos filhos das quebradeiras de coco babaçu dessas comunidades também são estudantes de Escolas Famílias Agrícolas e assim conseguem unir os saberes populares aos adquiridos nas escolas e trazer esse conhecimento para a comunidade. Trabalham com o beneficiamento do azeite de babaçu, contudo, uma das dificuldades encontradas pelas mulheres de Laranjeiras é a presença do atravessador no processo de escoamento da produção, fato que faz com que o produto seja vendido por um valor inferior.
Jornada em Defesa das Riquezas do Cerrado
No município de Balsas, ainda no Sul do Maranhão, um projeto semelhante chamado Jornada em Defesa das Riquezas do Cerrado também fez a diferença na vida de mulheres camponesas que lidam com produtos oriundos do buriti, fruto nativo do Cerrado. A iniciativa capacitou grupos de mulheres para a manipulação de alimentos, feitio de doces e salgados, pães, geleias e outros alimentos. A produção hoje já é vendida para alguns hotéis da cidade, feiras e mercados.
A cozinha sustentável Flor do Cerrado também foi um espaço adquirido para fortalecer a organização e trabalho feito por essas mulheres. “As mulheres produzem e o produto recebe etiquetas com a marca da Flor do Cerrado, o produto vai todo embaladinho e bonito para o cliente. Elas também receberam capacitações para trabalhar com a palha do buriti, que serve para fazer sandálias, bolsas e outros acessórios”, ressalta Raimunda.
A ativista ressalta que parte dessas mulheres beneficiadas são geraizeiras, ou seja, vivem em comunidades rurais muito isoladas, de difícil acesso, chegando a estarem a 180 km de distância da sede do município.
Como grandes desafios a serem enfrentados pelas mulheres no campo, Raimunda Francisca aponta a dificuldade em emplacar esses produtos no mercado, a falta de políticas públicas direcionadas para essas mulheres e a dificuldade em acessar essas políticas públicas quando existentes, além do preconceito e da cultura patriarcal ainda muito presente na sociedade.
“Se a assistência técnica já é difícil no campo, para a mulher é mais difícil ainda, assim como o acesso ao fomento é mais difícil para elas também. Além disso, há o não reconhecimento desse acúmulo de funções exercidas pelas mulheres em suas rotinas, esse trabalho não é contabilizado”, finaliza.
Projeto Ma.to.pi.ba
Este conteúdo faz parte do Projeto ma.to.pi.ba., uma iniciativa multimídia da Eco Nordeste, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Com início em janeiro de 2024, traz matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters que lançam sobre a região do Matopiba um olhar para além do agronegócio. Ao mesmo tempo em que aborda os problemas socioambientais, o projeto aponta experiências que têm dado certo na região, seguindo a linha editorial de jornalismo de soluções adotada pela Eco Nordeste.
O projeto é executado por uma equipe premiada composta pelas repórteres Alice Sales e Camila Aguiar; a fotógrafa Camila de Almeida, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação; Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts; e Andréia Vitório faz o gerenciamento das redes sociais.