A Convenção Nº 169 da OIT estabelece a realização de consulta prévia de qualquer empreendimento, inclusive parques eólicos, localizados nesses territórios
Recife – PE. À medida que aumenta a participação das fontes renováveis na matriz energética brasileira – solar e eólica representaram 97,5% do crescimento da capacidade instalada registrado em agosto de 2023 pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – se intensificam as violações dos direitos humanos nos contratos firmados entre empresas do setor e integrantes de povos e comunidades tradicionais do Nordeste.
Um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o qual analisou 50 contratos, identificou que a maior parte das cláusulas beneficia apenas os empreendedores. O estudo abrangeu BA, CE, PB, PE e RN, e verificou que em alguns empreendimentos são pagas quantias irrisórias pelo arrendamento da terra (em média R$ 1,00 ou R$ 2,00 por hectare).
O autor do trabalho, Rárisson Sampaio, é pesquisador da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e consultor do Plano Nordeste Potência, que na semana passada promoveu debate no Recife (PE) sobre as implicações jurídicas da transição energética.
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Para os palestrantes do evento, realizado na Faculdade de Direito do Recife/Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a principal garantia dos direitos de povos e comunidades tradicionais do Nordeste frente à expansão das energias renováveis se encontra em uma convenção da Organização Mundial do Trabalho (OIT) ratificada pelo Brasil em 2002.
Com o mesmo status de lei, a Convenção Nº 169 da OIT foi promulgada em 1989 pelo organismo das Nações Unidas voltado aos trabalhadores e assegura aos povos e comunidades tradicionais o direito de serem consultados previamente sobre empreendimentos que possam alterar seu modo de vida ou território. Também determina que essa consulta seja continuada.
“Assim, essas populações devem ser ouvidas mesmo antes de iniciado o processo de implantação de empreendimentos de energia renovável, e têm, inclusive, a prerrogativa de não aceitarem o arrendamento de suas terras”, diz Rárisson Sampaio.
Na opinião de Flavianne Nóbrega, pesquisadora da UFPE, é preciso estabelecer protocolos de consultas nessas comunidades. “O protocolo não segue um modelo, devendo ser elaborado por integrantes de povos e comunidades tradicionais, segundo a Convenção Nº 169 da OIT”, diz.
Algumas comunidades já acataram essa diretriz, como o Quilombo Serra dos Rafaéis, localizado na Chapada do Araripe, região de altitude mais elevada entre os Estados de Pernambuco, Piauí e Ceará.
Uma das líderes do quilombo, Maria das Dores Nonato, conta que a comunidade elaborou seu protocolo de consulta em apenas quatro meses, sob pressão de empresários e dos órgãos licenciadores. O documento estabelece desde questões gerais, a exemplo da escolha do local e da data para a consulta prévia, às detalhadas, como a linguagem a ser utilizada no processo de escuta da comunidade.
Maria das Dores participou, ao lado de outros representantes de comunidades afetadas por parques eólicos, de um encontro para debater o assunto e fortalecer as lideranças, realizado no Recife, nos dias 8 e 9 de novembro. Uma das entidades de base participantes do evento foi a Articulação de Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), que teve 13 integrantes no encontro, entre eles o coordenador executivo da entidade, João Cassimiro do Nascimento Neto, liderança do povo Tapeba, do Ceará.
No fim, as lideranças foram convidadas a ouvir a opinião de juristas, no dia 10 de novembro, durante o 1º Seminário Nordeste Potência “Povos e comunidades tradicionais e projetos de energia renovável – Convenção 169 da OIT e o direito à consulta e ao consentimento livre, prévio e informado”.
Avanço na Paraíba
Dos Estados do Nordeste, a Paraíba é o que mais tem avançado na defesa dos direitos dos povos e comunidades tradicionais frente à transição energética. O Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público da Paraíba (MPPB) e Defensoria Pública Estadual (DPE-PB) elaboraram em abril de 2023 uma recomendação ao órgão licenciador do Governo do Estado, a Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema).
Entre as exigências está a de que a Sudema só pode conceder a licença prévia de um empreendimento de energia eólica ou solar após a realização da consulta estabelecida pela Convenção 169 da OIT.
O procurador da República José Godoy Bezerra de Souza, do Ministério Público Federal na Paraíba (MPF-PB), destaca outro ponto da recomendação para garantir os direitos das populações rurais do Estado: “a licença dos empreendimentos de energia solar e eólica deve ser renovada a cada cinco anos, permitindo que as pessoas que arrendaram a terra sejam novamente ouvidas”.
Para o defensor público federal Edson Júlio de Andrade Filho, que participou do seminário da Faculdade de Direito do Recife, a justificativa recorrente dos órgãos licenciadores estaduais para não adotarem a Convenção 169 da OIT é de que precisam dar celeridade ao processo, a fim de atender aos investidores. “As empresas têm pressa, mas as pessoas têm direitos”, contesta.
Fizeram apresentações no seminário representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), MPF, DPU, pesquisadores, universitários e lideranças indígenas.
Realizador dos dois eventos, o Plano Nordeste Potência é uma iniciativa de cinco organizações civis brasileiras: Centro Brasil no Clima (CBC), Fundo Casa Socioambiental, Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), Instituto ClimaInfo e Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS).