Monitoramento do Inesc revela que o setor do petróleo segue a receber mais subsídios em investimentos e renúncias do que o setor renovável que transfere para o consumidor, via conta de luz, o pouco subsídio que dispõe
O presidente Lula, desde que assumiu o terceiro mandato, propôs ao G20 dançar no ritmo de ações concretas de redução das emissões dos gases de efeito estufa. O Brasil foi da 5ª para a 6ª posição do ranking dos países que mais emitem gases poluentes. Porém, no quesito investimento em matrizes fósseis versus matrizes renováveis, o Governo ainda está fora do ritmo. Segundo monitoramento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) para cada R$1 investido em fontes renováveis, o governo investe R$4,52 em combustíveis fósseis. Para dar um show na pista de dança da agenda climática, falta alinhar discurso e prática.
Para chegar a essa conta, os pesquisadores do Inesc analisaram as diversas modalidades de subsídios, a exemplo de gastos tributários, gastos diretos e outras renúncias que abarcam as áreas do consumo até a produção de energia. A análise envolveu aind a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Trata-se de um mecanismo que repassa parte dos subsídios diretamente aos consumidores por meio da conta de luz.
Em números totais, o investimento do Governo Federal em ambas as fontes chegou a R$99,81 bi. Desse montante, as matrizes fósseis ficam com a maior mordida, R$81,74 bi, ou seja, 81,9% de todos os recursos que foram renunciados e adquiridos pelo governo. O analista Político do Inesc Cássio Carvalho lamenta que fatos como o “Semiárido virando árido, o Rio Grande do Sul inundado, a Amazônia seca não virem a chave do Governo, que segue pesando mais a mão no subsídio aos combustíveis fósseis”, comentou.
Carvalho explica que boa parte do petróleo extraído com subsídio do Brasil é comercializado para a China e União Europeia, o que contribui para que esses países sigam emitindo grandes quantidades de gases de efeito estufa. Só para se ter uma ideia, a China é o maior emissor desses gases no mundo.
“Quando a Rússia e a Ucrânia entraram em guerra, a União Europeia veio comprar petróleo brasileiro”, complementa. Ainda segundo o analista, o discurso de que essa matriz é uma fonte de renda para o desenvolvimento do País também não tem sustentação. “A renda do petróleo serve para pagar dividendo e para enriquecer os acionistas”, crava.
Entre os próximos dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro, será realizada uma nova Cúpula do G20, grupo presidido pelo Brasil até o dia 30 de novembro. Na ocasião, é esperado que o presidente Lula assuma o papel de estimular os demais países a dar passos concretos em relação aos compromissos ambientais.
Para Cássio, é preciso equalizar o discurso e as ações econômicas. “O setor petroleiro já é estruturado, bem equipado, não precisa de subsídio, já o de energias renováveis, não. Neste setor, inclusive, o subsídio ainda está sendo pago pelos próprios consumidores”, analisa.
Por dentro dos números
Num mergulho no jogo dos números, é possível perceber mudanças tanto no investimento de combustíveis fósseis, quanto nas matrizes renováveis. Mas, antes deste mergulho, vale lembrar que essas nuances não alteram o resultado geral e a diferença de investimento entre ambos os setores permanece.
Se olharmos apenas para as matrizes fósseis, em 2023, houve uma queda de R$372 milhões (0,45%) no valor dos subsídios de consumo. A volta da cobrança de impostos como Cide e PIS/Cofins sobre a gasolina provocou essa pequena queda. Já em relação às fontes renováveis, em 2023, o Inesc constatou uma elevação de 3,82 bilhões de reais, ou seja, 26,82%.
Três empresas de extração de gás natural ocupam o pódio de subsídios do Governo Federal. Duas delas são do Estado do Rio de Janeiro e a terceira está localizada no Amazonas. No Rio, a Marlim Azul Energia S.A. que recebe mais de R$96 mi, e a UTE GNA Geração de Energia S.A. que recebe R$93 mi ocupam o primeiro e segundo lugares. No Amazonas, o terceiro lugar fica com a Azulão Geração de Energia S.A. com um subsídio de R$3,9 mi.
Qual a saída?
Com base no monitoramento, o Inesc recomenda que o custo da transição seja retirado dos encargos do setor elétrico e pagos pelo consumidor. “É preciso que o Governo Federal assuma esse custo, usando o orçamento do tesouro. E que responsabilize o setor de óleo e gás. Não é possível que esse setor com tantos benefícios, tantas renúncias não se comprometa com nada em relação à transição”, questiona.
Falando em o Governo Federal assumir o custo das energias renováveis, o Projeto de Lei Orçamentária seria um bom caminho. Cássio observa alguns avanços nessa direção. “No último PPA [Plano Plurianual], foi incluída uma consideração para investimento em um Programa de transição energética. Foi um avanço, mas ainda é um recurso muito pequeno”, observa.
Ele avalia que esse ponto tem como fator contrário o contexto de disputa entre os poderes Executivo e Legislativo. “O nosso Congresso dificulta o lado do combate às mudanças do clima. No PL de privatização da Eletrobrás o Congresso enfiou um jabuti que estabelece uma meta para ampliarmos a produção de energia à base de gás natural, mesmo que tenhamos outras matrizes energéticas”, explana.
Para o especialista é preciso envolver a sociedade no debate sobre orçamento público, pois “muitos dos parlamentares que votam em jabutis para garantir subsídio aos combustíveis fósseis não têm ideia do tamanho do problema das mudanças climáticas”, resume.
Da COP16, Carlos Nobre comenta
Entre um painel e outro na vasta programação da COP16, a Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica da ONU, que se realiza em Cali, na Colômbia até o dia 1º de novembro, um dos maiores especialistas em mudanças climáticas do mundo, o climatologista Carlos Nobre falou à Eco Nordeste.
Segundo ele, há três metas que o Brasil precisa adotar para acelerar a redução das suas emissões de gases de efeito estufa. “Quando a gente olha, no Brasil, os investimentos em exploração de gás e petróleo ainda são muito maiores do que em energias renováveis. Isso precisa mudar, pois faz muito mais sentido investir em energias renováveis”, pontua.
O outro ponto, prossegue o pesquisador, seria “avançar no fim do desmatamento de todos os biomas e adotar a agricultura regenerativa, que é mais produtiva e tem menos impacto ambiental”, detalha. Por fim, “é preciso adotar a pecuária regenerativa, pois até 2022, 25% de todas as emissões de gases de efeito estufa do Brasil vinham desta atividade”, conclui o especialista.