Como comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, que criam gado e animais de pequeno porte em áreas de uso coletivo, estão lutando para manter seus territórios e o Cerrado em pé no Oeste da Bahia. A Eco Nordeste esteve na porção baiana do Matopiba e acompanhou um mutirão de reconstrução de um rancho utilizado pelos grupos de fecheiros, que estão na mira da grilagem.

Foto colorida de dois homens de costas usando boinas pretas e colete onde se lê polícia militar observando vários homens construindo uma estrutura de madeira e telhado de fribrocimento em uma clareira em meio à vegetação nativa do Cerrado
Policiais militares acompanham implantação de rancho na Vereda da Felicidade, em Correntina, Oeste da Bahia | Foto: Eduardo Cunha

10 de junho de 2024. Amanheci aguardando a visita de meus guardiões. Viriam acompanhados de uma repórter e um fotógrafo interessados em conhecer a nossa história. Eu sabia, e depois senti, que eles estavam amedrontados por virem me encontrar justo onde há marcas de tiros e ameaças de sangue. Mas estava também certo de que a tensão poderia ser sutilmente diluída pela minha beleza e pela simpatia e hospitalidade do meu povo.

O encontro, às 8 horas, ficou combinado para ser na frente do Museu Municipal de História Natural Raimundo Sales, na cidade de Correntina, Oeste da Bahia. Com algum atraso, porque esperavam a chegada da viatura policial que deveria os acompanhar, duas caminhonetes saíram com cerca de 30 dos meus trabalhadores nas caçambas, e no carro dos repórteres foram junto Dernevaldo Soares e Reginaldo dos Santos, da Associação Vereda da Felicidade. No caminho, já foram contando do sofrimento e do que estavam vindo fazer: um mutirão para reconstruir um rancho que mais uma vez os grileiros tinham destruído.

Ao sair da cidade, o percurso durou uns 20 minutos na rodovia e depois mais uns 40 minutos serpenteando pelas minhas estradas arenosas e ladeadas pela vegetação que compõe o que um dia acharam por bem chamar de Cerrado. Mas eu mesmo sempre fui Gerais, e meus homens e mulheres geraizeiros. Mas acolho o novo nome, e por meio dele aceito toda e qualquer ajuda para sobreviver.

Chegaram primeiro as caminhonetes, depois o carro dos repórteres e logo atrás a viatura com os quatro policiais incumbidos de guardar a vida e a integridade física de todos. Pois essa e a dos ranchos já não há, um após o outro levado abaixo por quem pensa ser dono do mundo por portar um pedaço de papel de origem duvidosa.

Mas o que é um rancho? O leitor deve estar se perguntando. A depender do lugar, pode ser muitas coisas. Para explicar o que é um rancho no meio dos gerais, é preciso apresentar quem são os meus homens. Geraizeiros é uma das denominações tradicionais, e outra é a de “fecheiro”. Vem de “fecho de pasto”, irmão do “fundo de pasto”. Os fecheiros são criadores de gado, ofício aprendido dos pais, avôs, bisavôs.

Aqui é uma área centenária, mas se nós somos descendentes de negros e indígenas, então somos mais do que centenários, porque os índios são filhos daqui e nós somos descendentes deles. Dificilmente um de nós não vai ter para contar alguma história de antepassados que foram capturados por dente de cachorro. Algum índio ou índia que ficou desgarrado do seu grupo e o homem branco capturou assim. Então, nós somos dessa descendência dos índios e depois do sofrimento dos negros que foram escravizados para servir aos donos de engenho e barões do café. Quando eles queriam se ver livres daquilo, o seu refúgio era essas margens de rio e esse Cerrado de Correntina foi ponto de acolhimento quando eles vinham escorraçados, com a chegada do homem branco no Brasil.

Dernevaldo Soares
Associação Vereda da Felicidade

O fundo de pasto é a área das suas próprias terras onde o gado fica. Porém, ali a pastagem não é suficiente para alimentar o rebanho o ano todo. Em dois períodos do ano, os fecheiros trazem os seus animais até mim, para se alimentarem do meu capim nativo. Fazem isso com a sabedoria herdada dos antigos, no tempo e do jeito certo, de acordo com os regimes de chuva, de seca, de floração e queda das sementes.

Grupos de dezenas de homens permanecem durante semanas e meses cuidando do gado, longe de casa, e para isso precisam de um lugar para se abrigar, se alimentar e dormir. Esse é o rancho. Em tempos antigos, eram feitos de madeira e palha. Hoje, variam a matéria-prima. Alguns não têm parede, são apenas uma cobertura semelhante a essas antigas, mas com materiais mais modernos. Noutras, já querem botar parede, proteger melhor o pouso e também os objetos com os quais vão incrementando o conforto no refúgio. 

Não é só o objetivo de trazer os animais para o pastoreio, nós também temos a extração das frutas, das ervas medicinais que são inúmeras. Nossos companheiros mais velhos, que têm mais conhecimento, em um raio de quatro ou cinco quilômetros encontram diversas plantas medicinais para a cura. E colhemos os frutos para complementar nossa alimentação. Quando a colheita é farta a gente também vende para complementar a renda. E de nossos animais que criamos aqui produzimos uma carne natural, porque o gado é criado na solta.

Dernevaldo Soares
Associação Vereda da Felicidade

Quando um desses forasteiros escolhe uma área para grilar e integrar ao domínio da monocultura, prática comum é expulsar com violência quem já ocupa o território há séculos. E essa violência inclui destruir o que os pertence, além dos ranchos também cercas e currais. Foi isso o que aconteceu no lugar em que estamos nessa história, a área do Fecho de Pasto da Vereda da Felicidade. Um rancho desses mais robustos, feito de alvenaria, foi destruído e os destroços foram soterrados para encobrir a violação. Um pouco mais distante dali, outro rancho mais antigo sucumbiu ao fogo. Meus fecheiros estavam lá para levantar mais um.

Nas caminhonetes, trouxeram troncos de angico, telhas de fibrocimento, uma motosserra e outros materiais necessários à obra. O rancho foi levantado em uma manhã, em uma clareira a qual se chegava após atravessar a Vereda da Onça. Na sua margem, um buriti sangrava. Sangrava porque sua seiva escorria para fora de um ferimento causado por um disparo de arma de fogo.

Foto colorida de caule de palmeira com seiva escorrendo na superfície
Marcas de bala em buriti são registro de violência contra feicheiros | Foto: Eduardo Cunha
Olha o buriti lá alvejado à bala, de quando eles vêm fazer os crimes aqui. Esse buriti está com os dias contados. Tá vendo aquelas borras? Ele não vai durar muito tempo, vai morrer. Assassinaram o pé de buriti.

Dernevaldo Soares
Associação Vereda da Felicidade

Aquele pobre buriti, inocente das guerras humanas, foi alvejado pelo mesmo mal que quase matou Vivaldo José, Gelson Neves e Alecsandro de Jesus em outro episódio de violência ocorrido perto dali, há mais de um ano. Os três estavam novamente em zona de perigo, aguerridos e persistentes no objetivo de me manter em pé. 

11 de abril de 2023. Outro grupo de fecheiros, da Associação Comunitária dos Pequenos Criadores do Fecho de Pasto de Cupim, Sumidor e Cabresto (ACPC), estava no meio de minhas vastidões, também reconstruindo um rancho e uma ponte que tinham sido derrubados a mando dos grileiros, na área do Fecho de Pasto do Cupim. Encerrado o trabalho, estavam naqueles últimos momentos de recolherem os materiais e se prepararem para partir. Demoraram-se alguns instantes para beber água num de meus córregos de água limpa e cristalina. Parecia que seria um dia de trégua, até que o primeiro tiro acertou Vivaldo. O segundo acertou Gelson e o terceiro Alecsandro.

Eu tenho uma devoção muito grande com Nossa Senhora Aparecida e pensei: ‘Nossa Senhora, pelo amor de Deus, me acuda que aqui vai dar conflito’. Mas até então ninguém sabia de nada. Quando eu cheguei no carro já para ir embora, ouvimos a zoada das motos se aproximando. Atacaram um colega nosso, ele pediu paz e saiu. Eu falei: menino, vamos dar um tempo porque no meio dessa turma toda eles não vão vir. Outro colega falou para irmos e quando chegamos na “aguada” fomos beber. Quando um se abaixou pra pegar a água, veio um tiro, mas passou de raspão em cima do ombro dele. De repente, a uns 20 metros, vi um homem manobrando um rifle e o colega disse: olha ele ali entrincheirado! Eu me joguei pro lado, caí de quatro, mas mesmo assim me acertou no pescoço. Eu senti que fui baleado, dá um baque na gente. Entrei na moita, fiquei por lá e o Gelson que vinha atrás de mim recebeu um tiro bem na barriga. Eu entrei no mato e pensei: vão acabar de me matar. Ainda acertaram mais um. Cheguei dentro do carro, junto com os outros baleados, era sangue muito.

Vivaldo José
Associação Vereda da Felicidade

Chisparam de volta à cidade de Correntina e levaram os feridos ao hospital. As balas acertaram Vivaldo na clavícula, Gelson na barriga e Alecsandro no braço e na costela. Ficaram internados alguns dias, Gelson sangrou muito e quase morreu. Também foram à Delegacia registrar um Boletim de Ocorrência, o B.O., e o caso passou a ser acompanhado por uma advogada, Eliene Santos.

Depois de registrar o B.O., a Polícia foi até o local e eles não haviam retirado nada, as cápsulas ainda estavam lá, as pegadas. No dia seguinte logo cedo, às nove da manhã, os peritos foram lá e quando chegaram já estava tudo destruído. Ou seja, a certeza da impunidade é tão grande que deu a segurança de voltar ao local do crime no mesmo dia para terminar o serviço.

Eliene Santos
Advogada

Contam que essas áreas de fecho de pasto fazem divisa com duas fazendas, Santa Tereza e Bandeirantes, e que seriam os supostos donos dessas terras que estão aterrorizando nossas vidas. São mais do mesmo time de latifundiários do Oeste da Bahia que tentam incorporar minhas matas nativas aos milhares de hectares em que substituem toda a minha biodiversidade por soja, milho e algodão. Mal sabem eles – ou até sabem, mas não se importam – que sem as minhas árvores também vai embora a água que mata a sua sede e irriga as suas plantações.

Três meses depois do atentado, sete suspeitos de serem os pistoleiros foram presos. Com eles, foram apreendidas, nas duas fazendas, armas, munições, rádios comunicadores e um colete à prova de balas. Mas eles foram soltos menos de 48 horas depois. Até hoje, Eliene não consegue ter acesso ao inquérito para saber do andamento da investigação.

Enquanto a justiça não se mexe, meus homens resistem à sua maneira. Já não conseguem mais trazer o gado para pastar, porque estão sujeitos a perder o rebanho com tamanha violência. No dia do atentado, o alvoroço resultou ainda no desaparecimento de 30 cabeças pertencentes aos fecheiros. Muitos já venderam seus animais pela inviabilidade de criá-los sem recorrer a mim. Roubam-lhes o sustento, o território ancestral e os dias de silêncio e céu estrelado que eu oferecia quando estavam aqui, nos períodos da “solta”.

O dinheiro é um trem esquisito. Nós não aceitamos isso porque não está estragando só para nós, mas também para os municípios da Bahia, para o Rio São Francisco. Ofereceram 1,5 milhões de reais para a gente calar a boca. Eu falei: não quero. Sem isso eu vivo, pior é a humanidade morrer de sede. Nós não estamos aqui mais nem por causa do gado, não. Eu pelo menos já vendi o meu. O que eu estou lutando aqui é para os jovens não morrerem de sede. Se a nascente secar, acabou, como vai abastecer o rio? Isso aqui é cheio de nascente. Já mataram várias, aí vai acabar tudo. Eu vinha pra cá quando era menino, era a coisa mais linda do mundo. O pessoal era tudo unido, botavam três, quatro mil cabeças de gado. Nós não podemos derrubar um pau pra armar uma cerca, mas aqui é trator dia e noite levando tudo, o buriti, o pequizeiro, o cascudo, o cajuzim, as caças.

Vivaldo José
Associação Vereda da Felicidade

Medo a gente tem porque temos família, só que a gente tem essa precisão, por causa disso continuamos a luta. Já pensou, esse projétil por questão de pouca coisa tinha me atingido nos peitos. Talvez eu não estaria aqui pra contar essa história. Mas é assim mesmo, estou aqui e a luta continua. Porque se a gente se afastar, cada vez que afasta um diminui mais um pra estar lutando.

Alecsandro de Jesus
Associação Vereda da Felicidade

Eu fui atingido no abdômen. Uma bala perfurou meu intestino em cinco partes e estou com ela alojada na coluna. Nós continuamos fazendo isso porque desde a minha adolescência que eu labuto aqui dentro. Eu sou a terceira geração e meu filho já é a quarta. Continuo aqui dentro, nessa vida de preservar as águas, a natureza e também a gente precisa colocar os animais na época de descansar as nossas áreas de pastagem, duas vezes por ano. De outubro até dezembro, depois em abril retorna para cá até maio. A gente se sente revoltado, mas esperançoso.

Gelson Neves
Associação Vereda da Felicidade

Um dia de trabalho e luta

Nós estávamos mesmo amedrontados. Era a primeira pauta de uma jornada de nove dias viajando pelo Oeste da Bahia, cruzando estradas, comunidades remotas e fazendas do agronegócio, em busca de histórias de resistência. Além de estar em um momento e lugar com necessidade de guarnição policial, e se os tais pistoleiros ficassem sabendo da nossa presença e nos perseguissem depois? Apesar disso, a alegria dos fecheiros de estarem juntos no meio dos gerais e de realizar aquele trabalho em cooperação era tamanha que o medo realmente se esvaiu, pouco a pouco.

Os fecheiros conseguiram na Justiça esse apoio de segurança após vários embates e ameaças sofridas dentro de seus territórios. Enquanto esperávamos a chegada dos policiais, no ponto de encontro em frente ao Museu Municipal de História Natural Raimundo Sales, entramos para conhecer a exposição, onde logo de cara nos deparamos com a pergunta estampada no topo da parede: “Qual será o futuro dos gerais?”. Embaixo dela, uma seção do Museu com exemplares empalhados de alguns animais: tucano, arara, tamanduá-bandeira, lobo-guará, veado-campeiro. Depois, na calçada, assistimos a uma mulher conhecida de alguns dos fecheiros passar e perguntar sobre como estavam as coisas. Comentou sobre a seca nos rios e a falta de chuva, e disse: “Se esse rio secar, que me leve junto”.

Durante todo o dia, fomos escoltados por uma viatura com quatro policiais, três homens e uma mulher. Eles aguardaram a finalização do mutirão, comeram da mesma comida, mas não sem algum rebuliço. Ao final do trabalho, já apressaram os fecheiros para a saída, sob o argumento de que a cidade estava sem policiamento pois todos os agentes – eles mesmos – estavam ali, fora de alcance e sem sinal de celular. “Se acontecer qualquer ocorrência lá, não vai ter ninguém para atender”.

A comida, lá no meio dos gerais, foi preparada por seu Dió, um fecheiro com aparência de ter entre 50 e 60 anos de idade. Gentil e sorridente, ele já levou de casa uma panela daquelas bem grandes de arroz branco, outra de feijoada e um pote de farofa. Recolheram lenha na mata e acenderam um fogo no chão para aquecer os alimentos. Outra panela, uma leiteira bem grande, serviu para preparar o café tomado nos breves intervalos de descanso revezado entre os homens.

Aquele era um dia de luta traduzido em trabalho de mutirão característico dos povos do sertão em farinhadas, construções e outras labutas coletivas. Em poucas horas o rancho estava de pé, mas segundo os fecheiros era provável que na tarde daquele mesmo dia ele já estivesse destruído. Era impressionante ver a resistência emocional e física daqueles homens. Alecsandro, um dos atingidos pelos tiros no atentado de 2023, subiu nos ombros de outro deles para manejar a motosserra no ajuste de um detalhe do encaixe das madeiras com as telhas. Uma cena de força e parceria que você pode conferir no vídeo que acompanha esta reportagem.

Um deles contou sobre outro atentado sofrido antes desse que vitimou Vivaldo, Gelson e Alecsandro. Em 13 de outubro de 2021, Adilson Oliveira levou seu gado para os gerais e também foi pego de surpresa por cinco homens armados, que se aproximaram e perguntaram o que ele estava fazendo ali, começaram a xingá-lo e a chamá-lo de ladrão. Dispararam seis tiros na sua direção, mas nenhum o atingiu. Nesse dia, perdeu cerca de trinta cabeças de gado, o que lhe deixou uma dívida de 50 mil reais.

“Mas eu não posso desistir porque não podemos deixar essas águas acabarem. Não estamos defendendo só a área para colocar o gado, estamos defendendo a água, a vida. Nossa esperança é de ver a natureza preservada produzir mais água, pra que ela renda lá embaixo para os ribeirinhos que plantam suas hortas, e para que a gente possa vir aqui e ver de novo a onça, o veado, o tatu, a anta. Várias espécies que não vemos mais por causa do tanto de fogo que está queimando”. Quando o mutirão terminou e paramos para fazer uma foto com todos eles, Adilson puxou o grito de luta que todos repetiram: “Cerrado em pé, é isso que os fecheiros quer!”. 

No retorno para Correntina, fizemos um pequeno desvio para encontrar uma família que mora na área. Os fecheiros queriam trocar informações sobre a presença de pistoleiros ou contratados das empresas, e passar uma mensagem de reforço do apoio deles àquelas pessoas que estão ainda mais vulneráveis porque moram ali. “Esse pessoal das firmas antes estavam passando por fora, agora deram para passar aqui de frente a minha casa, armados. A gente fica com medo e eles sabem que eu estou com os fecheiros, porque nós queremos a liberdade”, disse o morador.

Grilagem, desmatamento
e exploração da água

Foto colorida de curso d'agua com correnteza ladeado por vegetação composta dse palmeiras e árvores sob céu nublado
Localização de rancho de fecheiros leva em conta proximidade de curso d’água para dessedentar gado | Foto: Eduardo Cunha

A preocupação com a água fica cada vez mais intensa com a expansão do agronegócio na porção baiana do Matopiba. Denominado com as sílabas iniciais dos quatro estados que abrange – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia –, o Matopiba inclui 337 municípios e é apontado desde os anos 1980 como um celeiro mundial de commodities. Sobre a vegetação nativa e populações tradicionais desses três Estados do Nordeste e um do Norte avançam plantações de soja, milho e algodão.

O Matopiba tem 73 milhões de hectares em três biomas: Cerrado ( 66,5 milhões de hectares, o equivalente a 91% da área), Amazônia (5,3 milhões de hectares correspondentes a 7,3%) e Caatinga (1,2 milhão de hectares que ocupam 1,7%). Sendo reconhecida como área de franca expansão agropecuária pelo Governo Federal desde 2015, o Matopiba é uma porteira aberta para a devastação da Amazônia.

Um estudo recente de pesquisadores da USP publicado na Nature Communications apontou que o bioma Cerrado vive a pior seca em pelo menos 700 anos. A reportagem “A água que move o Cerrado”, a Eco Nordeste também já mostrou como a questão é percebida pelas comunidades tradicionais e principalmente pelos mais velhos, que testemunham a redução da vazão e da força dos rios que sempre foram abundantes.

A grilagem de terras, o desmatamento e as outorgas de uso dos recursos hídricos para a irrigação nas grandes empresas do agronegócio compõem o pacote de destruição do Cerrado no Matopiba. E com ele um conjunto de condições naturais que o permitem ser conhecido como berço das águas do Brasil. O geógrafo e professor Tássio Barreto Cunha, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (IFB), encontrou em sua pesquisa de doutorado, desenvolvida entre 2014 a 2017, dados preocupantes sobre as questões de terra, água e trabalho no Oeste da Bahia.

“As terras agricultáveis nessa região, na região plana dos chapadões, que são as áreas mais cobiçadas, mais de 90% da vegetação já foram desmatadas. Naquele momento que eu fiz a pesquisa, mais de 80% das vazões dos rios tinham sido outorgadas pelo Estado para serem extraídos para as empresas vinculadas à cadeia produtiva do agronegócio. Isso somente para as águas superficiais, fora as outorgas de uso das águas subterrâneas.”

O caso de grilagem na Vereda da Felicidade já está judicializado e existe uma ação discriminatória, de fevereiro de 2023, onde o próprio Estado da Bahia reconhece a invasão das fazendas Bandeirantes, Santa Tereza e pelo menos outras nove propriedades em terras devolutas e que são de uso tradicional dos fecheiros. O documento diz: “Diante do que as aludidas certidões do Cartório do Registro de Imóveis de Correntina estão a nos mostrar, está claro que houve uma usurpação de terras públicas com o intuito de especulação financeira por meio da venda dos imóveis rurais.”

Sobre os conflitos agrários no Brasil, Cunha reflete: “no Brasil, nós temos um país de dimensão continental onde você tem centenas de movimentos que lutam por terra. É uma contradição muito grande. Alguns estudiosos apontam que são muitas terras ilegais e griladas, ocupadas pela pecuária, que servem como estratégia para a especulação”.

Projeto ma.to.pi.ba.

Este conteúdo faz parte do Projeto ma.to.pi.ba., uma ação multimídia da Eco Nordeste, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Com início em janeiro de 2024, traz matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters que lançam sobre a região do Matopiba um olhar para além do agronegócio. Ao mesmo tempo em que aborda os problemas socioambientais, a iniciativa multimídia aponta experiências que têm dado certo na região, seguindo a linha editorial de jornalismo de soluções adotada pela Eco Nordeste.

O projeto é executado por uma equipe premiada composta pelas repórteres Alice Sales e  Camila Aguiar, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação-geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação, Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts; Adriana Pimentel a edição das newsletters; e Andréia Vitório faz o gerenciamento das redes sociais.

3 Comentários

    Deixe uma resposta

    O seu endereço de e-mail não será publicado.

    Pular para o conteúdo