As quebradeiras de coco babaçu e a Justiça Climática

A foto, tirada em plano médio em um dia ensolarado, mostra um grupo de mulheres, a maioria usando chapéus de palha e camisetas brancas, participando de uma manifestação de rua. Elas estão alinhadas e seguram duas faixas principais. A faixa central, grande e branca com letras verdes e vermelhas, diz em destaque: "BABAÇU E CLIMA. Mulheres quebradeiras em luta pela justiça climática". À frente, no canto inferior direito, uma mulher segura uma faixa amarela que diz: "Financiamento climático NÃO é CARIDADE. É reparação histórica e justiça social". O logotipo do MIQCB (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu) aparece em algumas bandeiras e faixas, incluindo uma grande bandeira branca ao fundo, que identifica o movimento nos estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins. A manifestação acontece em uma rua pavimentada, com vegetação, árvores e edifícios ao fundo, e algumas pessoas assistindo de cima de uma estrutura à direita
Em Belém, as quebradeiras de coco babaçu do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins falaram sobre sua luta para manter a floresta e seu modo de vida em pé | Foto: Maristela Crispim

As Quebradeiras de Coco Babaçu, representadas pelo Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), estiveram presentes na COP30 e na Marcha Global pelo o Clima para dar visibilidade à sua luta pela defesa dos territórios, da vida e da justiça climática, conforme expresso na Carta Final do Encontro Regional “Defensorias nos Babaçuais”, realizado em outubro, na cidade de Imperatriz, no Maranhão.

A vice coordenadora do Tocantins do MIQCB, Maria Ednalva Ribeiro da Silva, ressaltou, em entrevista exclusiva à Eco Nordeste, em Belém, a importância de manter a floresta em pé, pois o babaçu é considerado uma floresta, um fator de clima e fundamental para a sustentabilidade de muitas mulheres que dependem dele para subsistência. A presença delas visa ecoar suas vozes contra todas as formas de violência que atingem as mulheres e que devastam os babaçuais.

Elas explicitaram isso numa série de três vídeos disponível no canal do YouTube do MIQCB onde contam a história do MIQCB e a vivência das mulheres que trabalham com coco, açaí, pesca e artesanato e reforçam a mensagem de que “onde tem mulher, tem floresta e natureza em pé”:

1 Território: onde nasce a resistência

2 Mulheres: as guardiãs do babaçu

3 Clima: a floresta em pé é o futuro

História e Protagonismo

  • Identidade e protagonismo: as quebradeiras de coco babaçu se reconhecem como protetoras e defensoras do uso social e sustentável da “mãe palmeira”, que é o símbolo da sua existência, trabalho e vida nos territórios.
  • Guardiãs da sociobiodiversidade: elas se reconhecem como guardiãs da Amazônia, do Cerrado e da Caatinga, o que se materializa na sociobiodiversidade por meio de sistemas agroextrativistas tradicionais e da Agroecologia, práticas que honram saberes ancestrais.
  • Segurança alimentar: o modo de vida das quebradeiras, harmonioso e respeitoso com a natureza, é um pilar fundamental para a justiça climática e a segurança alimentar. Elas produzem alimentos saudáveis que garantem sua soberania alimentar e geram renda. Utilizam o babaçu para extrair azeite, mesocarpo e trabalhar com biojoias, além de utilizarem a palha na construção de moradias.

Desafios e Violações de Direitos

A luta das Quebradeiras de Coco é marcada por sérias ameaças aos seus territórios e ao seu modo de vida tradicional. O desmatamento e o envenenamento das palmeiras são grandes desafios. O veneno, conforme Ednalva, é aplicado diretamente ou jogado via drone, atinge uma maior área de babaçu e causa problemas na terra, na floresta e nos plantios próximos, ou seja, destrói tudo. O envenenamento é atribuído às grandes empresas, fazendeiros e ao grande agronegócio, que atua com o plantio de soja e eucalipto, e a expansão de gado na região do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (Matopiba), resume Ednalva.

Principais Reivindicações

Na Carta de outubro, o MIQCB e as Defensorias Públicas dos Estados do Tocantins (DPE-TO), Maranhão (DPE-MA), Pará (DPE-PA), Piauí (DPE-PI) e a Defensoria Pública da União (DPU), em parceria com a Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT) adiantaram uma série de recomendações e exigências:

1. Territórios e Babaçu Livres

  • Garantia territorial: exigem a garantia dos direitos territoriais por meio da reforma agrária, criação de assentamentos e titulação coletiva dos territórios, reconhecendo-as como guardiãs da sociobiodiversidade.
  • Combate aos agrotóxicos: reivindicam a criação de territórios livres de agrotóxicos e a proibição da pulverização aérea com aeronaves e drones, visando a proteção da saúde e das palmeiras.
  • Leis do Babaçu Livre: demandam a efetivação das 21 leis existentes, com a criação de um sistema integrado de acolhimento de denúncias, fiscalização e aplicação de sanções a infratores (incluindo empresas e fazendeiros). Também pedem a retomada da discussão sobre uma Lei Federal do Babaçu Livre para unificar e ampliar a proteção nacionalmente.
  • CAR Coletivo: solicitam a adoção do Cadastro Ambiental Rural (CAR) coletivo, em substituição ao modelo individual, para proteger o uso tradicional e comunitário dos territórios e incluir todas as quebradeiras.

2. Incidência Política e Controle Social

  • Acesso a programas governamentais: reivindicam a desburocratização e o acesso prioritário aos programas de compras governamentais (PNAE, PAA, PGPM-Bio) para garantir a Segurança Alimentar e Nutricional.
  • Crédito: pedem acesso desburocratizado a crédito para apoiar suas iniciativas produtivas e de comercialização.
  • Consulta prévia sobre patenteamento: solicitam o fortalecimento do controle social sobre instituições de pesquisa, de forma a assegurar que o patenteamento de produtos do babaçu seja precedido de Consulta Livre, Prévia e Informada às comunidades.

3. Ação e intervenção diante do Estado

  • Proteção do Sistema de Justiça: pedem o fortalecimento da presença protetiva e preventiva das defensorias nos territórios, com um canal contínuo de comunicação e educação permanente em direitos humanos.
  • Consulta Prévia, Livre e Informada (OIT 169): exigem o fiel cumprimento do Direito à Consulta Prévia, Livre e Informada pela Convenção 169 da OIT em todos os atos legislativos, administrativos e empreendimentos que afetem seu modo de vida.
  • Responsabilização: reivindicam a responsabilização do Estado e das empresas por ações que atentem contra a permanência das quebradeiras, a sociobiodiversidade e a transmissão intergeracional do conhecimento.

Reconhecimento e atuação
das defensorias

As defensorias públicas reconhecem a importância central da luta das quebradeiras e se comprometem com uma atuação focada na promoção e defesa de seus direitos com o reconhecimento da legitimidade jurídica das Leis Babaçu Livre e a necessidade de atuar pela sua efetiva implementação pelos órgãos estatais e pela sua devida observância pelo sistema de justiça.

Esta atuação faz parte do compromisso mais amplo de fortalecer a presença protetiva e preventiva do sistema de justiça nos territórios, assegurando a salvaguarda de direitos fundamentais.

Também destacam a necessidade da sua maior presença nas comunidades, com atuação na proteção de direitos em comunicação contínua com os povos e comunidades tradicionais; a necessidade de ampliação das ações individuais, coletivas e de promoção de informações voltadas para a garantia de direitos e cessação de violências em relação às mulheres quebradeiras de coco.

Reconhecem ainda a centralidade do território e do conhecimento tradicional como condição de existência e, portanto, de dignidade da vida, que precisam ser garantidos. E, por fim, a necessidade de buscar a responsabilização do Estado e empresas por ações que atentem contra a permanência das quebradeiras de coco babaçu em seus territórios, a sociobiodiversidade dos babaçuais e a transmissão intergeracional do conhecimento tradicional.

As defensorias também reconhecem o trabalho desempenhado pelas quebradeiras de coco babaçu como serviço ambiental relevante com a devida compensação com base no princípio do protetor-recebedor.

Ações e apoio técnico e jurídico

  • Prestação de assessoria jurídica às comunidades em casos de violação da Lei do Babaçu Livre.
  • Propositura de ações coletivas para assegurar o cumprimento das leis.
  • Realização de ações judiciais e extrajudiciais para defesa e proteção da posse tradicional dos territórios.
  • Organização e realização de audiências públicas.
  • Realização de requisições de informação aos órgãos públicos e empresas.
  • Capacitação de agentes públicos (incluindo policiais, fiscais, juízes e defensores) sobre a Lei do Babaçu Livre e os direitos das quebradeiras.

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