O Observatório do Clima, principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 70 organizações, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais, informou que mais de 190 nações aprovaram o pacote de decisões da COP 26, em Glasgow, na Escócia.
O encontro de duas semanas finalizou o chamado “livro de regras” do Acordo de Paris, mas não conseguiu entregar a ambição necessária à redução de emissões de gases de efeito estufa para limitar o aquecimento global em 1,5ºC neste século. A salvação do clima foi adiada mais uma vez, desta vez para 2022, quando o mundo volta a se reunir em Sharm el Sheikh, no Egito, para avaliar metas mais ambiciosas para 2030.
Uma das piores notícias de Glasgow foi o fracasso em assegurar financiamento consistente dos países ricos para os países em desenvolvimento. Por influência principalmente dos ricos, a proposta de criar um mecanismo de financiamento expresso para as perdas e danos sofridas por nações vulneráveis por conta de impactos climáticos foi descartada. O que deveria ser um mecanismo virou um “diálogo”.
“Não é mais possível medir o progresso da negociação segundo a régua do texto anterior. A única régua possível é a da ciência do IPCC*, e a COP 26 não reflete a urgência vista no relatório do painel dos cientistas do clima da ONU. Duvido que alguém que está com a vida e a família sob risco numa ilha do Pacífico ou no Nordeste do Brasil vá ficar satisfeito com o resultado”, afirmou Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
O Brasil na COP
O Observatório do Clima destacou que o Brasil chegou a Glasgow dividido em três. De um lado, o governo federal: diplomaticamente isolado, enfraquecido e disposto, por isso mesmo, a fazer um greenwash maciço. Alugou um pavilhão amplo, com patrocínio das confederações nacionais da indústria (CNI) e da agropecuária (CNA), para mostrar o que o ministro do Meio Ambiente chamou de “Brasil real”.
Credenciou um grande número de representantes dos lobbies do agronegócio (9) e da indústria (6), além de 25 empresários ou executivos de empresas. Não convenceu muita gente, a julgar pelo pavilhão pouco movimentado. Um funcionário do Ministério do Meio Ambiente protagonizou uma das cenas mais lamentáveis da COP ao agredir verbalmente a estudante de Direito Txai Suruí, única voz brasileira na Cúpula de Líderes, que denunciou as ameaças aos povos indígenas no País.
Outra cena constrangedora foi protagonizada pelo próprio ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Confrontado pela imprensa sobre os dados de desmatamento de outubro, que mostraram que o “Brasil real” estava batendo recorde de devastação para o mês, o ministro disse não saber dos números. Depois recusou-se a responder a perguntas sobre o assunto.
Ainda segundo o Observatório do Clima, um segundo Brasil foi o da diplomacia, que teve mais liberdade de operar na COP 26 do que na COP 25, em Madri, em 2019. Os negociadores brasileiros chegaram dispostos a trabalhar pelo consenso, que mostra que a troca dos ministros Ernesto Araújo e Ricardo Salles foi providencial para evitar que o País terminasse novamente a COP em meio aos “Fósseis do Ano”.
Enquanto isso, reunidos na iniciativa Governadores pelo Clima, os estados brasileiros mantiveram uma agenda de relações internacionais apelidada de paradiplomacia. As conversas foram mantidas com Estados Unidos, União Europeia, França, China e até com o príncipe Charles, herdeiro da coroa britânica.
Um terceiro Brasil foi o da sociedade civil, representada no plural, diverso e sempre cheio Brazil Climate Action Hub, que reuniu redes de organizações brasileiras como Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Observatório do Clima, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Uma Concertação pela Amazônia, Iniciativa Clima e Sociedade e Coalizão Brasil, entre outras, e é organizado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Instituto Clima e Sociedade (iCS) e ClimaInfo.
Em Glasgow, o espaço da sociedade civil ofuscou o do governo e levou um rol de atores, do setor privado aos governos subnacionais, jovens, indígenas, negros, mulheres, cientistas e ambientalistas para debater temas diversos. Lançou estudos para o desenvolvimento de baixo carbono e para uma retomada econômica verde, além de parcerias internacionais com previsão de investimentos na conservação florestal.
O Brasil deixou a Conferência com a assinatura de dois acordos e o compromisso de revisar sua NDC ** no ano que vem, assim como todos os países. “Apesar de muito esforço do governo federal para parecer comprometido com o clima e com a preservação da floresta, os dados de desmatamento na Amazônia mostram que mentira tem perna curta”, disse Carolina Pasquali, diretora executiva do Greenpeace Brasil. “Esperamos que essa revisão no ano que vem nos traga ambição, a NDC atual, anunciada aqui na COP, não fez mais do que nos levar de volta aos patamares anunciados pelo governo em 2015”, completou.
Sociedade resiste
Fora das salas de negociação, a conferência de Glasgow, que foi chamada de “a mais excludente da história” por conta de protocolos sanitários, dos preços da cidade-sede e das restrições a observadores, teve uma presença maciça da sociedade civil: jovens, indígenas, movimento negro e mulheres compareceram em peso e protestaram diversas vezes por justiça climática e contra o greenwash denunciado pela ativista Greta Thunberg. As dezenas de milhares de pessoas nas ruas de Glasgow nos atos de sexta (12) e sábado (13) mostraram que a sociedade está mais adiantada que os governos.
“Precisamos ser críticos sobre esses acordos. Como é que eles vão acontecer de fato? Qual é o plano para que realmente esse recurso chegue aos povos originários que estão lutando pela floresta?”, questionou Txai Suruí, 24, líder indígena criticada pelo governo brasileiro por “atacar o Brasil” após discursar na abertura da COP 26.
Filha de ativistas e estudante de Direito, ela acredita que existiram avanços, como a presença recorde de indígenas na delegação brasileira e os compromissos já assumidos pelos países, como o acordo pela proteção das florestas. Mas isso não é o suficiente.
“Não adianta só os países desenvolvidos dizerem que vão ajudar os povos indígenas nessa luta contra as mudanças climáticas e continuarem incentivando a destruição da Amazônia. Na hora das decisões comerciais, eles não mudam e continuam comprando carne que vem de terra indígena”, declarou.
Txai destacou que ainda faltam movimentos sociais na mesa de negociações e participando da tomada de decisões da conferência.
“Vamos alcançar a justiça climática quando acabar com as desigualdades sociais. Quem mais sofre com as consequências da crise do clima são as populações mais vulneráveis, que geralmente estão na favela, que são pessoas pretas, indígenas. Falar de mudança climática é, sim, falar de demarcação de terras indígenas. E o Brasil está indo na contramão disso”, afirmou em referência a projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, como o que institui a tese do marco temporal para a demarcação de áreas protegidas.
* Do Inglês, Intergovernmental Panel on Climate Change, traduzindo, Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima
** Plano de ação climática assumido por uma Parte no Acordo de Paris, do Inglês, nationally determined contribution, traduzindo contribuição nacionalmente determinada
Com informações do Observatório do Clima e Brazil Climate Action Hub